O dia em que corrigi o Abilio
Nesse episódio curioso, ponderei que as pessoas deveriam se sentir intimidadas pela importância que ele tinha e, assim, não se arriscavam a corrigi-lo
felipegiacomelli
Publicado em 22 de julho de 2020 às 07h58.
Ontem, EXAME e MONEY REPORT realizaram um evento digital de quase doze horas, chamado “Brasil em Reconstrução”. Foram palestras de autoridades, como o vice presidente da República, Hamilton Mourão, e o secretário especial Salim Mattar. Do lado privado, tivemos também nomes estelares como André Esteves, Sebastião Bomfim, Pedro Parente e Chaim Zaer. Entre esses empresários, tivemos uma apresentação de Abilio Diniz , a qual eu tive oportunidade de mediar.
Era um painel de negócios, mas acabou sendo um debate sobre a essência humana, a alma que está dentro do empresário. Durante uma hora e meia, ele falou sobre a importância da espiritualidade em seu dia a dia, compartilhou com o público aquilo que o motiva e o que considerava ser importante para as empresas neste momento tão complicado para a economia ( é possível conferir a “live” aqui ).
Durante esse evento virtual, me lembrei de um episódio de seis anos atrás.
Era o ano da Copa do Mundo no Brasil e Abilio fazia uma palestra sobre a situação econômica do país. No encerramento, teceu considerações sobre as perspectivas da seleção brasileira na Copa (ele costuma dizer que entende muito mais de futebol do que de negócios). Ao final, fez uma brincadeira e disse que poderíamos sonhar em cantar, ao final do torneio, a música “We Are The Champions”. Mas creditou a canção aos Beatles.
Como todo jornalista, sou chato com detalhes e me incomodo com informações incorretas, mesmo que irrelevantes para o contexto, como era aquela. Formou-se uma roda em torno de Abilio, ao final do evento, e pacientemente esperei a minha vez de falar (o assédio em torno dele é impressionante. Tive de aguardar quase meia hora).
Chegando finalmente a minha vez, comentei que aquela música não era dos Beatles e sim de outra banda de rock, o Queen. Abilio arregalou os olhos, balançou afirmativamente a cabeça e disse: “É isso mesmo”. Em seguida, comentou: “Estou falando isso há duas semanas e ninguém me disse nada”.
Ponderei que as pessoas deveriam se sentir intimidadas pela importância que ele tinha e, assim, não se arriscavam a corrigi-lo – ao contrário de um jornalista cara de pau como eu. Além disso, havia também uma enormidade de pessoas que não tinha ideia do nome correto do intérprete daquela música em particular.
Não foi a primeira vez que vi isso ocorrer. Alguns anos antes, havia ido à festa de aniversário do amigo Gianfranco “Panda” Beting. Lá pelas tantas, seu pai, o inesquecível Joelmir, contou uma história engraçada que tinha um final impagável. Mas, para fazer sentido, o enredo dependia de uma equação matemática.
Embora divertida, a conclusão da história só era possível porque ele inadvertidamente havia somado a mesma variável duas vezes. Esperei a roda se dissipar e mostrei, respeitosamente, que havia um furo no raciocínio (a tal soma realizada duplamente). Joelmir deu aquele olhar para cima, típico de quem está raciocinando, e concordou comigo. E emendou algo parecido com o que ouviria anos mais tarde de Abílio Diniz. “Estou contando essa história há três meses e ninguém percebeu isso”, arriscou, para depois soltar uma gargalhada.
Tanto o caso de Abilio como o de Joelmir mostram o quanto as pessoas se intimidam na hora de corrigir um figurão. Com certeza, eu não fui o primeiro a perceber o erro dos dois. Mas consegui ser o único que resolveu romper a barreira do acanhamento e alertá-los sobre o engano (mínimo, diga-se de passagem).
Confundir respeito com medo é algum que hoje se mostra raro. Mas muitos anos atrás isso era comum – aliás, era uma ferramenta de educação familiar bastante usada entre aqueles que são da minha geração. Era corriqueiro colocar os filhos na “linha” através de sopapos ou chineladas. Neste caso, ouvir a frase “vou chamar seu pai” era visto como algo muito próximo de uma sentença de morte.
Muitos de nós foram criados assim e levaram essa reverência à autoridade para o mundo corporativo. Respeito misturado com o medo, no entanto, acaba retirando ousadia, arrojo e desfaçatez, qualidades necessárias para quem pretende subir na vida. Esse tipo de comportamento, porém, é mais comum entre baby boomers.
Millenials dificilmente se deixam intimidar pelos mais velhos ou poderosos. O ex-controlador do Pão de Açúcar, que se dedica semanalmente a dar aulas na Fundação Getúlio Vargas, está mais sintonizado com a nova geração do que com os mais velhos. Octogenário, ele não quer saber de pompa e circunstância ao ser endereçado por alguém. “Eu não quero ser chamado de “doutor” ou senhor”, disse ele. “Eu sou só o Abilio – é melhor assim”.
Ontem, EXAME e MONEY REPORT realizaram um evento digital de quase doze horas, chamado “Brasil em Reconstrução”. Foram palestras de autoridades, como o vice presidente da República, Hamilton Mourão, e o secretário especial Salim Mattar. Do lado privado, tivemos também nomes estelares como André Esteves, Sebastião Bomfim, Pedro Parente e Chaim Zaer. Entre esses empresários, tivemos uma apresentação de Abilio Diniz , a qual eu tive oportunidade de mediar.
Era um painel de negócios, mas acabou sendo um debate sobre a essência humana, a alma que está dentro do empresário. Durante uma hora e meia, ele falou sobre a importância da espiritualidade em seu dia a dia, compartilhou com o público aquilo que o motiva e o que considerava ser importante para as empresas neste momento tão complicado para a economia ( é possível conferir a “live” aqui ).
Durante esse evento virtual, me lembrei de um episódio de seis anos atrás.
Era o ano da Copa do Mundo no Brasil e Abilio fazia uma palestra sobre a situação econômica do país. No encerramento, teceu considerações sobre as perspectivas da seleção brasileira na Copa (ele costuma dizer que entende muito mais de futebol do que de negócios). Ao final, fez uma brincadeira e disse que poderíamos sonhar em cantar, ao final do torneio, a música “We Are The Champions”. Mas creditou a canção aos Beatles.
Como todo jornalista, sou chato com detalhes e me incomodo com informações incorretas, mesmo que irrelevantes para o contexto, como era aquela. Formou-se uma roda em torno de Abilio, ao final do evento, e pacientemente esperei a minha vez de falar (o assédio em torno dele é impressionante. Tive de aguardar quase meia hora).
Chegando finalmente a minha vez, comentei que aquela música não era dos Beatles e sim de outra banda de rock, o Queen. Abilio arregalou os olhos, balançou afirmativamente a cabeça e disse: “É isso mesmo”. Em seguida, comentou: “Estou falando isso há duas semanas e ninguém me disse nada”.
Ponderei que as pessoas deveriam se sentir intimidadas pela importância que ele tinha e, assim, não se arriscavam a corrigi-lo – ao contrário de um jornalista cara de pau como eu. Além disso, havia também uma enormidade de pessoas que não tinha ideia do nome correto do intérprete daquela música em particular.
Não foi a primeira vez que vi isso ocorrer. Alguns anos antes, havia ido à festa de aniversário do amigo Gianfranco “Panda” Beting. Lá pelas tantas, seu pai, o inesquecível Joelmir, contou uma história engraçada que tinha um final impagável. Mas, para fazer sentido, o enredo dependia de uma equação matemática.
Embora divertida, a conclusão da história só era possível porque ele inadvertidamente havia somado a mesma variável duas vezes. Esperei a roda se dissipar e mostrei, respeitosamente, que havia um furo no raciocínio (a tal soma realizada duplamente). Joelmir deu aquele olhar para cima, típico de quem está raciocinando, e concordou comigo. E emendou algo parecido com o que ouviria anos mais tarde de Abílio Diniz. “Estou contando essa história há três meses e ninguém percebeu isso”, arriscou, para depois soltar uma gargalhada.
Tanto o caso de Abilio como o de Joelmir mostram o quanto as pessoas se intimidam na hora de corrigir um figurão. Com certeza, eu não fui o primeiro a perceber o erro dos dois. Mas consegui ser o único que resolveu romper a barreira do acanhamento e alertá-los sobre o engano (mínimo, diga-se de passagem).
Confundir respeito com medo é algum que hoje se mostra raro. Mas muitos anos atrás isso era comum – aliás, era uma ferramenta de educação familiar bastante usada entre aqueles que são da minha geração. Era corriqueiro colocar os filhos na “linha” através de sopapos ou chineladas. Neste caso, ouvir a frase “vou chamar seu pai” era visto como algo muito próximo de uma sentença de morte.
Muitos de nós foram criados assim e levaram essa reverência à autoridade para o mundo corporativo. Respeito misturado com o medo, no entanto, acaba retirando ousadia, arrojo e desfaçatez, qualidades necessárias para quem pretende subir na vida. Esse tipo de comportamento, porém, é mais comum entre baby boomers.
Millenials dificilmente se deixam intimidar pelos mais velhos ou poderosos. O ex-controlador do Pão de Açúcar, que se dedica semanalmente a dar aulas na Fundação Getúlio Vargas, está mais sintonizado com a nova geração do que com os mais velhos. Octogenário, ele não quer saber de pompa e circunstância ao ser endereçado por alguém. “Eu não quero ser chamado de “doutor” ou senhor”, disse ele. “Eu sou só o Abilio – é melhor assim”.