O Brasil envelhece, mas o etarismo ainda dá as cartas
Desde a última década, vivemos em uma sociedade cuja média etária é cada vez mais alta
Publicado em 15 de março de 2023 às, 11h19.
Última atualização em 15 de março de 2023 às, 11h25.
Aluizio Falcão Filho
Nesta semana, três estudantes universitárias de Bauru, no interior paulista, publicaram um vídeo no qual ridicularizavam uma colega de faculdade que estava matriculada aos 44 anos de idade. Na postagem, uma das debiloides diz: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ uma colega de sala?” A segunda pateta responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. Por fim, a terceira energúmena concorda: “Realmente”.
A “idosa” em questão se chama Patrícia Linares (imagem) e é caloura de biomedicina na Unisagrado. Ela não tinha conseguido estudar na juventude e finalmente realizou seu sonho, que era cursar uma universidade. Infelizmente, o seu sonho foi maculado pelos comentários infelizes das três meninas obtusas, que se retrataram após a repercussão do vídeo, que foi postado em uma rede fechada para amigos e acabou viralizando.
O trio se diz arrependido, mas o fato é que o remorso surgiu apenas com a divulgação do caso e a saraivada de críticas que as garotas sofreram. Caso a gravação tivesse ficado entre quatro paredes, somente circulando entre os colegas mais próximos, elas provavelmente continuariam a pensar da mesma forma.
Esse episódio lamentável nos oferece duas lições.
A primeira: não existe mais segredo em tempos de redes sociais. O que se publica em grupos fechados pode ser compartilhado por um dos membros nas redes abertas. Isso vale tanto para opiniões de desmioladas como desabafos antidemocráticos, iguais aos que vimos no ano passado em uma comunidade de WhatsApp congregando empresários.
Etarismo
Também podemos aprender, diante deste caso, que o etarismo – o preconceito relacionado à idade – ainda é forte no Brasil. Já fomos o “país do futuro”, com uma população amplamente jovem. E, neste contexto, era algo corriqueiro enxergar manifestações de preconceito em relação aos mais velhos.
A coisa era tão escancarada que em 1970, a dupla de compositores Marcos e Paulo Sérgio Valle lançaram uma canção chamada “Com Mais de Trinta”, gravada pela cantora Cláudia, que na época tinha 22 anos (hoje, tem 74). A letra era uma ode à juventude e ao desprezo pelos mais velhos:
“Não confie em ninguém com mais de trinta anos
Não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros
O professor tem mais de trinta conselhos
Mas ele tem mais de trinta, mais de trinta”
Desde a última década, porém, vivemos em uma sociedade cuja média etária é cada vez mais alta. Em 1970, quando a música “Com Mais de Trinta” foi lançada, a expectativa de vida do brasileiro era de 57 anos. Hoje, essa mesma projeção está na faixa dos 73,1 anos. Isso deveria reduzir o preconceito. Mas, aparentemente, a nação continua exalando ideias intolerantes contra quem tem mechas brancas de cabelo.
O etarismo foi uma das razões pelas quais me tornei empreendedor aos 45 anos de idade. Percebi que poderia ser enxergado com preconceito daquele momento em diante caso continuasse a ser um funcionário. Aqui e ali, ouvia comentários jocosos em relação aos colegas que tinham mais de 50 anos ou ultrapassavam a barreira dos 60. Pensei comigo: “não quero isso para mim”.
Apesar de ter acertado em minhas previsões, jamais imaginei que poderia, em 2023, ver três jovens ridicularizarem uma mulher de quarenta que está em busca de um sonho. O lado bom deste episodio sórdido? A rede de apoio e solidariedade que surgiu em torno de Patrícia Linares, a começar por sua classe, que a recebeu com flores e chocolates no dia seguinte à viralização do vídeo. A maioria das pessoas ainda é do bem – e é muito bom poder constatar isso.