O bolsonarismo raiz está dando lugar a um governismo nutella?
Com quase dois anos de mandato, percebe-se um Bolsonaro bem diferente daquele de 2018. Com a pandemia, caíram três credos defendidos exaustivamente em 2018
isabelarovaroto
Publicado em 13 de outubro de 2020 às 10h47.
Quando assumiu sua candidatura à presidência da República, Jair Bolsonaro se comportou como nenhum outro postulante ao comando-mor do país. Politicamente incorreto e sem papas na língua, se mostrava demolidor contra seus inimigos de campanha: os esquerdistas, os corruptos e os adeptos da Velha Política.
Hoje, passados quase dois anos de mandato, percebe-se um Bolsonaro bem diferente daquele de 2018. Ele ainda tem a língua solta — temperada com eventuais palavrões —, mas tem se mostrado mais comedido e um tanto blasé em relação a algumas bandeiras levantadas com firmeza durante a jornada pré-eleitoral.
Com a pandemia, coincidência ou não, caíram três credos defendidos exaustivamente em 2018. A agenda liberal foi a primeira vítima. Dessa promessa restou apenas a presença física do ministro da Economia, Paulo Guedes. Entre o Posto Ipiranga de hoje e aquele do início de 2019, há anos-luz de distância. A quantidade de dinheiro público despejado na economia botou por terra qualquer projeto imaginado para colocar o liberalismo na pauta do país. E Guedes, imbuído de um pragmatismo que poucos julgavam existir, passou a ceder vários pontos de seu ideário para se manter às boas com o presidente.
Quase que simultaneamente, Sergio Moro deixou o governo e Bolsonaro foi perdendo o apoio do grupo de lava jatistas de carteirinha e mesmo de pessoas que apoiavam a cruzada anticorrupção do ex-ministro. A pá de cal veio há poucos dias, quando o presidente disse ter acabado com a Lava Jato porque não existe mais corrupção no Brasil.
Uma parte pequena dos apoiadores bolsonaristas era formada de eleitores contrários a qualquer tipo de relacionamento com os outros poderes. Ou seja, quanto maior o desentendimento com o Judiciário e o com Legislativo, melhor. Esse grupo alimentava diretamente o comportamento presidencial. Em um ano e meio, Bolsonaro comprou várias brigas de graça com representantes da Justiça e com o Congresso, criando do nada algumas crises institucionais. Hoje, no entanto, este comportamento parece pertencer ao passado e o presidente se mostra próximo de Luiz Fux, Davi Alcolumbre e até de Rodrigo Maia. Isso criou mais um desapontamento entre alguns apoiadores de primeira hora.
Outra defecção entre a base apoiadora do governo se deu com a indicação de Kassio Nunes Marques ao Supremo Tribunal Federal (dependente ainda de aprovação do Senado). A origem do desembargador (que chegou ao TRF-1 patrocinado pela ex-presidente Dilma Rousseff) criou uma rejeição inicial, que se somou ao fato de o jurista não ser “terrivelmente evangélico”. Por fim, as turbinadas do currículo de Marques – uma constante entre os últimos indicados pelo governo a postos de importância – trouxeram outra enxurrada de apupos.
Apesar dessas deserções de apoiadores, a popularidade do presidente continua alta.
Como se explica isso?
Conforme a pandemia foi avançando e os cofres públicos foram se abrindo, o governo acabou atraindo boa parte do eleitorado que pertencia ao PT, de necessitados que sempre dependeram de programas sociais para sobreviver. Antes do coronavírus, é sempre bom lembrar, o Planalto já havia dado um sinal de alento a esses indivíduos, criando o décimo-terceiro salário do Bolsa Família.
Ou seja, houve uma defecção entre os apoiadores, mas o vácuo foi preenchido, ironicamente, por aqueles que apoiaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no passado.
A dúvida em relação ao futuro da popularidade de Jair Bolsonaro é: e quando acabar o auxílio social? Como vivemos sob a égide da Lei da Responsabilidade Fiscal, há limites claros sobre o volume que pode ser despendido com verbas emergenciais. Como ficará o apoio desses eleitores quando a fonte secar?
Essas perguntas povoam o sono agitado dos assessores mais próximos do Planalto. É por isso que tantas ideias girando em torno de pedaladas fiscais surgiram nos últimos tempos. Para obter a reeleição, Bolsonaro precisará dos votos daqueles que se beneficiaram na pegada social de seu governo. Portanto, como o dinheiro estatal é finito e controlado, novas ideias envolvendo a chamada contabilidade criativa vão surgir diante de Guedes e Bolsonaro. Agora, resta saber se o bom senso prevalecerá e brecará esse tipo de estultice ou se entraremos em uma época em que o déficit público será defendido com unhas e dentes. Seria um triste momento para um governo que teve início com propostas de privatização e diminuição do tamanho do Estado. O jogo, até 2022, está aberto. Vamos esperar que a sabedoria prevaleça e preserve as contas públicas.
Quando assumiu sua candidatura à presidência da República, Jair Bolsonaro se comportou como nenhum outro postulante ao comando-mor do país. Politicamente incorreto e sem papas na língua, se mostrava demolidor contra seus inimigos de campanha: os esquerdistas, os corruptos e os adeptos da Velha Política.
Hoje, passados quase dois anos de mandato, percebe-se um Bolsonaro bem diferente daquele de 2018. Ele ainda tem a língua solta — temperada com eventuais palavrões —, mas tem se mostrado mais comedido e um tanto blasé em relação a algumas bandeiras levantadas com firmeza durante a jornada pré-eleitoral.
Com a pandemia, coincidência ou não, caíram três credos defendidos exaustivamente em 2018. A agenda liberal foi a primeira vítima. Dessa promessa restou apenas a presença física do ministro da Economia, Paulo Guedes. Entre o Posto Ipiranga de hoje e aquele do início de 2019, há anos-luz de distância. A quantidade de dinheiro público despejado na economia botou por terra qualquer projeto imaginado para colocar o liberalismo na pauta do país. E Guedes, imbuído de um pragmatismo que poucos julgavam existir, passou a ceder vários pontos de seu ideário para se manter às boas com o presidente.
Quase que simultaneamente, Sergio Moro deixou o governo e Bolsonaro foi perdendo o apoio do grupo de lava jatistas de carteirinha e mesmo de pessoas que apoiavam a cruzada anticorrupção do ex-ministro. A pá de cal veio há poucos dias, quando o presidente disse ter acabado com a Lava Jato porque não existe mais corrupção no Brasil.
Uma parte pequena dos apoiadores bolsonaristas era formada de eleitores contrários a qualquer tipo de relacionamento com os outros poderes. Ou seja, quanto maior o desentendimento com o Judiciário e o com Legislativo, melhor. Esse grupo alimentava diretamente o comportamento presidencial. Em um ano e meio, Bolsonaro comprou várias brigas de graça com representantes da Justiça e com o Congresso, criando do nada algumas crises institucionais. Hoje, no entanto, este comportamento parece pertencer ao passado e o presidente se mostra próximo de Luiz Fux, Davi Alcolumbre e até de Rodrigo Maia. Isso criou mais um desapontamento entre alguns apoiadores de primeira hora.
Outra defecção entre a base apoiadora do governo se deu com a indicação de Kassio Nunes Marques ao Supremo Tribunal Federal (dependente ainda de aprovação do Senado). A origem do desembargador (que chegou ao TRF-1 patrocinado pela ex-presidente Dilma Rousseff) criou uma rejeição inicial, que se somou ao fato de o jurista não ser “terrivelmente evangélico”. Por fim, as turbinadas do currículo de Marques – uma constante entre os últimos indicados pelo governo a postos de importância – trouxeram outra enxurrada de apupos.
Apesar dessas deserções de apoiadores, a popularidade do presidente continua alta.
Como se explica isso?
Conforme a pandemia foi avançando e os cofres públicos foram se abrindo, o governo acabou atraindo boa parte do eleitorado que pertencia ao PT, de necessitados que sempre dependeram de programas sociais para sobreviver. Antes do coronavírus, é sempre bom lembrar, o Planalto já havia dado um sinal de alento a esses indivíduos, criando o décimo-terceiro salário do Bolsa Família.
Ou seja, houve uma defecção entre os apoiadores, mas o vácuo foi preenchido, ironicamente, por aqueles que apoiaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no passado.
A dúvida em relação ao futuro da popularidade de Jair Bolsonaro é: e quando acabar o auxílio social? Como vivemos sob a égide da Lei da Responsabilidade Fiscal, há limites claros sobre o volume que pode ser despendido com verbas emergenciais. Como ficará o apoio desses eleitores quando a fonte secar?
Essas perguntas povoam o sono agitado dos assessores mais próximos do Planalto. É por isso que tantas ideias girando em torno de pedaladas fiscais surgiram nos últimos tempos. Para obter a reeleição, Bolsonaro precisará dos votos daqueles que se beneficiaram na pegada social de seu governo. Portanto, como o dinheiro estatal é finito e controlado, novas ideias envolvendo a chamada contabilidade criativa vão surgir diante de Guedes e Bolsonaro. Agora, resta saber se o bom senso prevalecerá e brecará esse tipo de estultice ou se entraremos em uma época em que o déficit público será defendido com unhas e dentes. Seria um triste momento para um governo que teve início com propostas de privatização e diminuição do tamanho do Estado. O jogo, até 2022, está aberto. Vamos esperar que a sabedoria prevaleça e preserve as contas públicas.