Na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou duas vezes sobre um tema polêmico: defendeu que, se eleito em 2022, irá “regular os meios de comunicação nesse país”. Lula ressaltou que não deseja censurar a imprensa, mas sim criar condições para tornar a posse dos veículos mais acessível. “Não pode nove famílias ter todos os meios de comunicação. O cara que tem a Globo em São Paulo ter a Globo no Brasil inteiro. O cara que tem o SBT ter o SBT no Brasil inteiro. É preciso democratizar isso”.
Antes de entrar na discussão propriamente dita, é bom esclarecer que a Rede Globo é composta por 122 emissoras, das quais cinco pertencem à família Marinho: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais e Pernambuco. As demais são de empresários locais. Já o SBT é formado por uma rede de 114 canais, dos quais oito são de propriedade de Silvio Santos. Portanto, o ex-presidente está distorcendo deliberadamente os fatos, pois conhece bem a estrutura societária desses meios de comunicação, e criando uma discussão que foge à realidade (a verdadeira questão, no caso da Globo e do SBT, está na geração de conteúdo, concentrado na mão das famílias Marinho e Abravanel, e distribuído pelo país inteiro).
Assim como Jair Bolsonaro tem frases de efeito que são ditas para agradar sua plateia particular, Lula também parece jogar para a torcida. Neste tópico em particular, seus apoiadores acreditam que a imprensa em geral foi responsável pela queda de Dilma Rousseff ao dar plena cobertura à Operação Lava-Jato e a desconstruir a imagem do Partido dos Trabalhadores em sua cobertura diária.
Curiosamente, estamos falando dos mesmos veículos de comunicação dos quais Bolsonaro se queixa frequentemente. Os petistas, de maneira geral, chamam os grandes meios brasileiros de “mídia golpista” – e, assim, fazem um coro involuntário com os bolsonaristas que popularizaram a expressão “Globolixo”.
Muitos petistas ou anti-bolsonaristas justificaram a fala do ex-presidente, ponderando que ele é um democrata e que jamais pregaria a censura aos veículos. De fato, Lula não defendeu o cerceamento à liberdade de expressão. “Não quero um modelo de comunicação tipo Cuba, tipo China”, explicou.
Mas precisamos ressaltar que estamos numa era na qual as pessoas leem apenas as manchetes ou as primeiras linhas de uma notícia. Assim, a maioria esmagadora da população soube apenas que Lula quer regular a imprensa e, no máximo, que combate um suposto oligopólio de comunicação. Este fato encontra paralelo na defesa desbragada de Jair Bolsonaro em relação à chamada PEC do voto impresso. No texto desta proposta, nunca se disse que o voto eletrônico seria substituído pelo impresso (o autor da PEC pedia a instalação de impressoras acopladas às urnas eletrônicas que seriam acionadas ao final de cada votação). O que espalharam os apoiadores do presidente nas redes sociais? Que a PEC defendia o fim do voto eletrônico e sua substituição pelos sufrágios de papel.
Ou seja, se Bolsonaro jogou para a torcida, pode-se dizer que Lula fez algo parecido, pois quase a totalidade de quem comentou o assunto não leu por completo suas declarações. Além disso, usar a palavra “regular” é uma ação extremamente inteligente, pois se trata de um verbo com sentido amplo – cada um pode interpretá-lo do jeito que quiser. Inclusive que um projeto deste pode abrir caminho para uma censura de reportagens, notas e artigos.
Neste caso, a amplitude de significados que o verbo usado por Lula pode ganhar tem a capacidade de agradar a quem é contra a censura ou a quem defende o controle sobre o conteúdo. O problema está na consequência de uma proposta dessas. É o tipo da coisa que seus autores sabem como começa e não têm a menor ideia de como termina.
Lula afirmou que irá obrigar as empresas de comunicação a inserir mais conteúdos regionais em seu possível governo. “É importante que tenha mais regionalização do Estado, mais cultura regional e mais arte do Estado na televisão”, apontou Lula.
Ora, o objetivo final de todas as emissoras é produzir conteúdo que gere interesse e audiência. Quando se interfere diretamente na programação, se tira competitividade dos canais e, assim, o volume de anunciantes cai e a receita de uma emissora idem.
Estive com Lula algumas vezes e lembro que um de seus assuntos favoritos é falar sobre o jornalismo e os veículos em geral. Nessas conversas, porém, nunca deixou transparecer uma veia ditatorial e controladora.
Esse discurso de Lula parece ter prazo de validade – e talvez não seja bem recebido pelo Congresso. Vamos recordar um ponto importante neste processo: qualquer iniciativa do gênero terá de passar pelo crivo do Parlamento. E lá, no Poder Legislativo, temos inúmeros deputados e senadores que são donos de emissoras de TV, estações de rádio e jornais. Como esperar que eles votem a favor dessa proposta? A chance é pequena. para não dizer nula. Por isso, resta apenas uma conclusão válida: o ex-presidente quis agradar os seguidores e deixar a militância motivada.
Assine a EXAME e acesse as notícias mais importantes em tempo real.