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Lula ataca os clubes de tiro

Não tenho interesse em colecionar armas ou atirar. Mas reconheço o direito daqueles que gostam de armamentos

Lula quer acabar com os clubes particulares de tiro (Presidência da República/Divulgação)
Lula quer acabar com os clubes particulares de tiro (Presidência da República/Divulgação)

Quando o primeiro escândalo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva eclodiu em 2004 – o caso Waldomiro Diniz –, a primeira e única reação do presidente foi a de proibir as casas de bingo no país. Para quem não se lembra, a revista Época, dirigida naquele momento por mim, publicou uma reportagem de capa na qual mostrava Diniz, então assessor do ministro da Casa Civil, José Dirceu, extorquindo um empresário que explorava máquinas de jogos, Carlinhos Cachoeira. O assessor foi exonerado e a única reação de Lula em relação ao caso foi acabar com o bingo no Brasil.

A ligação entre os dois casos era a de que Cachoeira explorava suas máquinas nos espaços em que se cantavam os números que seriam preenchidos nas cartelas dos jogadores. Entendeu a conexão? A maioria dos brasileiros, na época, também teve problemas em compreender a lógica adotada por Lula.

Agora, com o governo pressionado, Lula utiliza novamente a criação de factoides para desviar a atenção do público: quer acabar com os clubes particulares de tiro. “Eu já falei para o [ministro] Flávio Dino que a gente tem que fechar quase todos [os clubes de tiro], só deixar aberto aqueles que são da Polícia Militar, do Exército ou da Polícia Civil. É organização policial que tem que ter lugar para atirar, para treinar tiro. Não é a sociedade brasileira. Nós não estamos preparando uma revolução. Eles tentaram dar um golpe, nós não. Nós queremos é preparar a democracia, fortalecer a democracia”, disse o presidente.

A frase de Lula traz uma pista sobre a verdadeira motivação deste factoide: a vingança política. Quando o presidente diz que “eles tentaram dar um golpe”, aponta o dedo para os seguidores mais extremistas do ex-presidente Jair Bolsonaro, que tinha entres suas principais bandeiras flexibilizar o uso de armas em território brasileiro. Ocorre que os baderneiros de 8 de janeiro não necessariamente são colecionadores de armas ou praticantes de tiro esportivo.

Mesmo assim, Lula quer matar dois coelhos com uma só cajadada: vinga-se dos bolsonaristas e, ao mesmo tempo, cria uma cortina de fumaça para que se comente o fim dos clubes de tiro em vez de falar do governo petista.

Tiro esportivo

Pergunta-se: qual é o problema de alguém praticar o tiro esportivo? Se uma pessoa quiser atirar em um alvo ela vai necessariamente descarregar sua arma em cima de um semelhante? Com certeza, não.

Não tenho interesse em colecionar armas ou atirar. Mas reconheço o direito daqueles que gostam de armamentos ou que desejam possuir armas para proteção – especialmente quem reside em locais ermos ou se desloca frequentemente por rotas perigosas (evidentemente, é preciso de regras consistentes para evitar que malucos possam ter acesso a revólveres, espingardas e metralhadoras, o que já acontece há muito tempo).

Além disso, é preciso reconhecer a vontade popular. Na única vez em que esse tema foi levado a uma consulta, em 2005, os brasileiros votaram em um plebiscito. A pergunta era simples: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. A resposta “não” ganhou por margem elevada. Aqueles que desejavam manter o comércio de armamentos no país venceram por 63,94 %. O “sim”, que referendava o estatuto do desarmamento, ficou com parcos 36,06 %. Na prática, isso quer dizer que cerca de dois terços dos eleitores eram favoráveis às armas.

O detalhe é que as Organizações Globo eram totalmente favoráveis ao desarmamento da população e usaram todo o seu poder de fogo (êpa!) para atacar aqueles que defendiam o “não” nas urnas de 23 de outubro de 2005. Juntamente com a TV Globo, vários veículos também se posicionaram contra as armas – mas a vontade popular foi na direção oposta.

Se Lula é contrário às armas e quer acabar com os clubes particulares de tiro, a solução é muito simples: o governo deveria convocar outro referendo popular e verificar qual é a opinião do cidadão sobre esse tópico. O que o presidente está fazendo, agora, é impor a sua convicção pessoal ao país, sem se importar com o que pensam os brasileiros. Se o plebiscito de 2005 estiver defasado, como muitos falam, talvez seja a hora de verificarmos se isso é verdade – e acatar aquilo que a maioria decidir.