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Lucille Ball: exemplo magistral na gestão de uma crise de imagem

Em sua coluna desta sexta-feira, Aluizio Falcão comenta sobre o filme da Amazon Prime "Being the Ricardos", sobre o casal Lucille Ball e Desi Arnaz

(Divulgação/Reprodução)
DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2022 às 16h15.

Por Aluizio Falcão Filho

Recomendo um filme em Amazon Prime. Trata-se de “Being the Ricardos” (“Apresentando os Ricardos”). A trama, baseada em fatos reais, cobre uma semana na vida do casal Lucille Ball e Desi Arnaz. A dupla estrelava o seriado “I Love Lucy”, que chegou a ter uma audiência, no início dos anos 1950, cerca de 60 milhões de pessoas. Naquela época, a população dos Estados Unidos era de 153 milhões de pessoas – ou seja, 39,2% dos americanos ligavam seus aparelhos para acompanhar a série. Para se ter uma ideia, o último Super Bowl (a maior audiência da TV americana) atingiu um público de 112 milhões de pessoas, para 329,5 milhões de habitantes. Isso significa exatos 33,9 % da população americana.

Diante desses números, pode-se dizer que o dia a dia de Lucy e Ricky Ricardo (daí o nome do filme) era acompanhado de perto por todos os lares americanos. Ou seja, os Estados Unidos praticamente paravam durante a exibição do programa. Lucille Ball, uma comediante de mão cheia que desperdiçava seu talento em filmes B da RKO Pictures, era a celebridade mais amada do país.

O filme aborda justamente a semana em que uma revista deu uma nota dizendo que Lucille era comunista – um pecado gigantesco para os EUA dos anos dourados. O casal precisa se dividir entre criar uma defesa pública, melhorar as cenas do episódio que seria gravado e fazer um anúncio importante: Lucy estava grávida e queria que sua gravidez fosse incorporada no roteiro da atração, um grande tabu para a época (para se ter uma ideia, nenhum filme ou programa de televisão mostrava camas de casal; somente uma dupla de camas de solteiro).

Ao longo da trama, vê-se que havia uma questão que atormentava Vivian Vance, que dava vida à personagem Ethel. Lucy era casada com um sujeito mais novo (Ricky). Mas o par de Vivian era o ator William Frawley (Fred), 22 anos mais velho. Ao lado disso, as piadas dirigidas a ela sempre diminuíam seus atributos físicos. Hoje, provavelmente, essa situação seria retratada pela imprensa e pelas redes sociais.

Voltando à crise propriamente dita. Lucille Ball, vivida na produção da Amazon por Nicole Kidman, tinha sido criada por um tio que era comunista. E, muito jovem, havia assinado um formulário no qual aceitava ser membro do partido. A história tinha sido investigada pelo senador Joseph MacCarthy (essa perseguição a artistas de esquerda ficou conhecida nos anos 1950 como “macartismo”) e a atriz teve de depor a uma comissão conjunta entre parlamento americano e membros do Federal Bureau of Investigation (FBI). O comitê a inocentou da acusação.

A história foi publicada sem a informação de que Lucy tinha sido inocentada e estaria nos jornais na sexta-feira, quando o seriado era gravado diante de um pequeno público. Várias estratégias para virar o jogo foram discutidas. Mas Lucy, fiel à verdade, não queria contar mentiras a seu público – e também não queria criticar o tio, já falecido.

A saída foi encontrada por Arnaz (Javier Bardem) assim que recebeu um jornal com manchete garrafal escrita em tinta carmim: “Lucille Ball é vermelha”. Ele chamou jornalistas para a gravação e resolveu contar a história para o público, que ficou chocado com a hipótese de que a atriz americana mais famosa da época fosse anticapitalista. Depois de mostrar o jornal, ele aproximou um telefone de seu microfone. No aparelho, estava um interlocutor do FBI. Desi, então, perguntou a ele se havia alguma dúvida sobre a orientação ideológica de Lucy. “Nenhuma”, respondeu a voz. “Ela foi inocentada de todas as suspeitas”. Arnaz faz mais algumas perguntas e o representante do FBI continua a dizer que não há nenhuma queixa contra a atriz. Desi Arnaz, então, diz: “O senhor pode nos dizer o seu nome?”. A reposta: “Aqui é J. Edgar Hoover”. O interlocutor era, simplesmente, o mandachuva do FBI. Uma salva de palmas se sucedeu e “I Love Lucy” continuou a ser um sucesso até 1957.

Lucille Ball nunca teve nada de vermelha. Até seu cabelo não era ruivo de verdade. O original, castanho, tinha sido tingido para um filme e foi deixado dessa cor. Mas a solução final atendeu seu principal desejo: ela não precisou mentir ou se desculpar com ninguém. Arnaz teve a presença de espírito de criar uma estratégia imbatível nesses momentos – encontrar um escudeiro acima de qualquer suspeitas para fazer a sua defesa. Esta solução de mestre é a cartada que todos os gestores de crise em Brasília gostariam de ter no bolso do colete.

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Por Aluizio Falcão Filho

Recomendo um filme em Amazon Prime. Trata-se de “Being the Ricardos” (“Apresentando os Ricardos”). A trama, baseada em fatos reais, cobre uma semana na vida do casal Lucille Ball e Desi Arnaz. A dupla estrelava o seriado “I Love Lucy”, que chegou a ter uma audiência, no início dos anos 1950, cerca de 60 milhões de pessoas. Naquela época, a população dos Estados Unidos era de 153 milhões de pessoas – ou seja, 39,2% dos americanos ligavam seus aparelhos para acompanhar a série. Para se ter uma ideia, o último Super Bowl (a maior audiência da TV americana) atingiu um público de 112 milhões de pessoas, para 329,5 milhões de habitantes. Isso significa exatos 33,9 % da população americana.

Diante desses números, pode-se dizer que o dia a dia de Lucy e Ricky Ricardo (daí o nome do filme) era acompanhado de perto por todos os lares americanos. Ou seja, os Estados Unidos praticamente paravam durante a exibição do programa. Lucille Ball, uma comediante de mão cheia que desperdiçava seu talento em filmes B da RKO Pictures, era a celebridade mais amada do país.

O filme aborda justamente a semana em que uma revista deu uma nota dizendo que Lucille era comunista – um pecado gigantesco para os EUA dos anos dourados. O casal precisa se dividir entre criar uma defesa pública, melhorar as cenas do episódio que seria gravado e fazer um anúncio importante: Lucy estava grávida e queria que sua gravidez fosse incorporada no roteiro da atração, um grande tabu para a época (para se ter uma ideia, nenhum filme ou programa de televisão mostrava camas de casal; somente uma dupla de camas de solteiro).

Ao longo da trama, vê-se que havia uma questão que atormentava Vivian Vance, que dava vida à personagem Ethel. Lucy era casada com um sujeito mais novo (Ricky). Mas o par de Vivian era o ator William Frawley (Fred), 22 anos mais velho. Ao lado disso, as piadas dirigidas a ela sempre diminuíam seus atributos físicos. Hoje, provavelmente, essa situação seria retratada pela imprensa e pelas redes sociais.

Voltando à crise propriamente dita. Lucille Ball, vivida na produção da Amazon por Nicole Kidman, tinha sido criada por um tio que era comunista. E, muito jovem, havia assinado um formulário no qual aceitava ser membro do partido. A história tinha sido investigada pelo senador Joseph MacCarthy (essa perseguição a artistas de esquerda ficou conhecida nos anos 1950 como “macartismo”) e a atriz teve de depor a uma comissão conjunta entre parlamento americano e membros do Federal Bureau of Investigation (FBI). O comitê a inocentou da acusação.

A história foi publicada sem a informação de que Lucy tinha sido inocentada e estaria nos jornais na sexta-feira, quando o seriado era gravado diante de um pequeno público. Várias estratégias para virar o jogo foram discutidas. Mas Lucy, fiel à verdade, não queria contar mentiras a seu público – e também não queria criticar o tio, já falecido.

A saída foi encontrada por Arnaz (Javier Bardem) assim que recebeu um jornal com manchete garrafal escrita em tinta carmim: “Lucille Ball é vermelha”. Ele chamou jornalistas para a gravação e resolveu contar a história para o público, que ficou chocado com a hipótese de que a atriz americana mais famosa da época fosse anticapitalista. Depois de mostrar o jornal, ele aproximou um telefone de seu microfone. No aparelho, estava um interlocutor do FBI. Desi, então, perguntou a ele se havia alguma dúvida sobre a orientação ideológica de Lucy. “Nenhuma”, respondeu a voz. “Ela foi inocentada de todas as suspeitas”. Arnaz faz mais algumas perguntas e o representante do FBI continua a dizer que não há nenhuma queixa contra a atriz. Desi Arnaz, então, diz: “O senhor pode nos dizer o seu nome?”. A reposta: “Aqui é J. Edgar Hoover”. O interlocutor era, simplesmente, o mandachuva do FBI. Uma salva de palmas se sucedeu e “I Love Lucy” continuou a ser um sucesso até 1957.

Lucille Ball nunca teve nada de vermelha. Até seu cabelo não era ruivo de verdade. O original, castanho, tinha sido tingido para um filme e foi deixado dessa cor. Mas a solução final atendeu seu principal desejo: ela não precisou mentir ou se desculpar com ninguém. Arnaz teve a presença de espírito de criar uma estratégia imbatível nesses momentos – encontrar um escudeiro acima de qualquer suspeitas para fazer a sua defesa. Esta solução de mestre é a cartada que todos os gestores de crise em Brasília gostariam de ter no bolso do colete.

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