Lira será o próximo a brigar com Bolsonaro?
Lira fala por um bom número de colegas quando diz que espera mudanças no combate da pandemia e vai cobrá-las
Bibiana Guaraldi
Publicado em 26 de março de 2021 às 08h27.
Quando foi guindado à presidência da Câmara, Arthur Lira foi visto como um aliado incondicional do governo e uma espécie de fiador da estabilidade política. Um dos líderes máximos do Centrão , Lira é respeitado por seus pares e, apesar de algumas rusgas de praxe, tem excepcional trânsito em quase todos os partidos. Assim, suas palavras precisam ser medidas. Ele não fala apenas por si, mas traz a voz de centenas de parlamentares consigo.
Sob este ponto de vista, a declaração de Lira no dia de anteontem deve ser encarada como um “presta atenção”. Recapitulando: Lira esteve presente na reunião com os presidentes dos três poderes, durante a qual Bolsonaro insistiu em falar de tratamento precoce, ressalvando que o assunto teria de passar pelo crivo do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Horas depois, usou o microfone do plenário para dar o seguinte recado: “Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar. Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e amargos. Alguns, fatais”.
A mensagem foi dura e traz embutida uma insinuação forte. Mas estamos falando de um político que cultiva o estilo “morde-e-assopra”. Logo depois dessa frase quase ameaçadora, o presidente da Câmara ponderou que o governo não poderia ser culpado de todas as mazelas que cercam a pandemia e que fazia “um alerta amigo, leal e solidário”. Mas aproveitou a deixa para cutucar o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Ontem mesmo, Bolsonaro e Lira se reuniram e saíram do encontro jurando amor eterno. Mas, embora seu mandato tenha começado na noite de 1º de fevereiro, o presidente da Câmara já cultiva algumas diferenças com o Planalto. Elas começaram ainda no mês passado, quando o núcleo duro do Executivo começou a se incomodar com as movimentações e palpites do parlamentar, que estaria se achando uma espécie de “primeiro-ministro” da República.
Recentemente, um episódio serviu para criar um estremecimentos entre a presidência da Câmara e a presidência da República. Lira indicou Ludhmila Hajjar para substituir Eduardo Pazuello no ministério da Saúde. A médica foi sabatinada pelo presidente durante três horas e acabou sendo rejeitada. Antes que ela recusasse oficialmente o convite (que o ministro Fabio Faria, das Comunicações, nega ter existido de verdade), porém, a tropa de choque bolsonarista iniciou um processo de cancelamento maciço, mostrando vídeos e fotos de Hajjar com a ex-presidente Dilma Rousseff, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Lira assistiu essa fritura em público calado, mas fez uma marca em seu caderninho e deu algumas declarações em off por aí.
O episódio colocou o presidente Bolsonaro de volta a uma situação indesejável para qualquer político — brigar com aliados. Isso já ocorreu Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Luciano Bivar, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz e os falecidos Major Olímpio e Gustavo Bebianno. De atrito em atrito, igualmente, o vice-presidente Hamilton Mourão passa por uma temporada na geladeira.
Esses aliados tornados desafetos, até agora, não causaram muita dor de cabeça ao Planalto.
Mas comprar briga com um político do calibre de Lira é algo com potencial explosivo. O presidente da Câmara é tido como um habilidoso operador parlamentar, daqueles que têm grande jogo de cintura. Mas, ao mesmo tempo, se irrita fácil com o que considera ser manifestações de deslealdade.
Em um grupo tão heterogêneo como o Centrão, não é de se esperar que uma eventual má vontade de Lira seja dominante. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, até por suas razões mineiras, prefere o caminho do apaziguamento de ânimos. Outra grande liderança, o senador Ciro Nogueira, também não quer romper com Bolsonaro e já botou em campo a turma do “deixa-disso”.
De qualquer forma, Lira fala por um bom número de colegas quando diz que espera mudanças no combate da pandemia e vai cobrá-las. Ele faz parte de uma turma de políticos calejados que têm forte instintos de autopreservação. Por isso, pode retomar a briga caso Bolsonaro insista em três pontos: continuar a impor um discurso que confronta a ciência, não investir para acelerar a vacinação e manter Eduardo Araújo como chanceler (a tropa de choque digital, registre-se, entrou em campo ontem e tascou a hashtag #NinguémMexeComErnesto nos trending topics do Twitter).
Caso seja contrariado, Lira poderá enxergar o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com outros olhos. Dependendo do tamanho da bronca, pode até chamá-lo para tomar um cafezinho e trocar figurinhas. Mas, se for atendido pelo governo, não necessariamente nesses pleitos, continuará a dar fluxo à aprovação de matérias importantes do governo, que ficaram represadas na Câmara durante o ano de 2020. Portanto, fica a dúvida: esses cutucões de Lira são legítimos e refletem suas opiniões ou apenas ganham a luz do dia para que o taxímetro do Centrão seja majorado?
Seria uma estratégia “bad cop, good cop” perfeita. Lira bate e Pacheco afaga.
Quando foi guindado à presidência da Câmara, Arthur Lira foi visto como um aliado incondicional do governo e uma espécie de fiador da estabilidade política. Um dos líderes máximos do Centrão , Lira é respeitado por seus pares e, apesar de algumas rusgas de praxe, tem excepcional trânsito em quase todos os partidos. Assim, suas palavras precisam ser medidas. Ele não fala apenas por si, mas traz a voz de centenas de parlamentares consigo.
Sob este ponto de vista, a declaração de Lira no dia de anteontem deve ser encarada como um “presta atenção”. Recapitulando: Lira esteve presente na reunião com os presidentes dos três poderes, durante a qual Bolsonaro insistiu em falar de tratamento precoce, ressalvando que o assunto teria de passar pelo crivo do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Horas depois, usou o microfone do plenário para dar o seguinte recado: “Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar. Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e amargos. Alguns, fatais”.
A mensagem foi dura e traz embutida uma insinuação forte. Mas estamos falando de um político que cultiva o estilo “morde-e-assopra”. Logo depois dessa frase quase ameaçadora, o presidente da Câmara ponderou que o governo não poderia ser culpado de todas as mazelas que cercam a pandemia e que fazia “um alerta amigo, leal e solidário”. Mas aproveitou a deixa para cutucar o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Ontem mesmo, Bolsonaro e Lira se reuniram e saíram do encontro jurando amor eterno. Mas, embora seu mandato tenha começado na noite de 1º de fevereiro, o presidente da Câmara já cultiva algumas diferenças com o Planalto. Elas começaram ainda no mês passado, quando o núcleo duro do Executivo começou a se incomodar com as movimentações e palpites do parlamentar, que estaria se achando uma espécie de “primeiro-ministro” da República.
Recentemente, um episódio serviu para criar um estremecimentos entre a presidência da Câmara e a presidência da República. Lira indicou Ludhmila Hajjar para substituir Eduardo Pazuello no ministério da Saúde. A médica foi sabatinada pelo presidente durante três horas e acabou sendo rejeitada. Antes que ela recusasse oficialmente o convite (que o ministro Fabio Faria, das Comunicações, nega ter existido de verdade), porém, a tropa de choque bolsonarista iniciou um processo de cancelamento maciço, mostrando vídeos e fotos de Hajjar com a ex-presidente Dilma Rousseff, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Lira assistiu essa fritura em público calado, mas fez uma marca em seu caderninho e deu algumas declarações em off por aí.
O episódio colocou o presidente Bolsonaro de volta a uma situação indesejável para qualquer político — brigar com aliados. Isso já ocorreu Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Luciano Bivar, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz e os falecidos Major Olímpio e Gustavo Bebianno. De atrito em atrito, igualmente, o vice-presidente Hamilton Mourão passa por uma temporada na geladeira.
Esses aliados tornados desafetos, até agora, não causaram muita dor de cabeça ao Planalto.
Mas comprar briga com um político do calibre de Lira é algo com potencial explosivo. O presidente da Câmara é tido como um habilidoso operador parlamentar, daqueles que têm grande jogo de cintura. Mas, ao mesmo tempo, se irrita fácil com o que considera ser manifestações de deslealdade.
Em um grupo tão heterogêneo como o Centrão, não é de se esperar que uma eventual má vontade de Lira seja dominante. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, até por suas razões mineiras, prefere o caminho do apaziguamento de ânimos. Outra grande liderança, o senador Ciro Nogueira, também não quer romper com Bolsonaro e já botou em campo a turma do “deixa-disso”.
De qualquer forma, Lira fala por um bom número de colegas quando diz que espera mudanças no combate da pandemia e vai cobrá-las. Ele faz parte de uma turma de políticos calejados que têm forte instintos de autopreservação. Por isso, pode retomar a briga caso Bolsonaro insista em três pontos: continuar a impor um discurso que confronta a ciência, não investir para acelerar a vacinação e manter Eduardo Araújo como chanceler (a tropa de choque digital, registre-se, entrou em campo ontem e tascou a hashtag #NinguémMexeComErnesto nos trending topics do Twitter).
Caso seja contrariado, Lira poderá enxergar o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com outros olhos. Dependendo do tamanho da bronca, pode até chamá-lo para tomar um cafezinho e trocar figurinhas. Mas, se for atendido pelo governo, não necessariamente nesses pleitos, continuará a dar fluxo à aprovação de matérias importantes do governo, que ficaram represadas na Câmara durante o ano de 2020. Portanto, fica a dúvida: esses cutucões de Lira são legítimos e refletem suas opiniões ou apenas ganham a luz do dia para que o taxímetro do Centrão seja majorado?
Seria uma estratégia “bad cop, good cop” perfeita. Lira bate e Pacheco afaga.