Lições de quem tomou decisões que pareciam certas – mas eram muito erradas
Evidentemente, uma decisão equivocada pode ser corrigida – mas dá um trabalho violento. E, em determinadas situações, os efeitos podem ser irreversíveis
Da Redação
Publicado em 13 de dezembro de 2021 às 09h56.
Aluizio Falcão Filho
Ontem tivemos a decisão da temporada de Fórmula 1, que coincidiu com o aniversário do bicampeão Emerson Fittipaldi. É uma boa oportunidade para usar o automobilismo como metáfora ao falar de um tema importante: a hora certa de mudar de emprego ou trocar um contracheque pela vida árdua de empreendedor. Toda mudança, idealmente, precisa ser decidida na hora certa. Mas, muitas vezes, nos deixamos levar pela emoção do momento e escolhemos o caminho errado. Evidentemente, uma decisão equivocada pode ser corrigida – mas dá um trabalho violento. E, em determinadas situações, os efeitos podem ser irreversíveis.
Tomemos o aniversariante do domingo como exemplo. Em 1975, Emerson era o piloto mais prestigiado no círculo da Fórmula 1. Nas últimas quatro temporadas, havia conquistado dois campeonatos e duas vezes sagrou-se vice-campeão (um piloto que havia obtido a primeira vitória já na quarta prova que disputou). Ao final de 1975, ele tinha apenas 27 anos e tinha sido o melhor do mundo duas vezes (para se ter uma ideia, Ayrton Senna e Nelson Piquet conquistaram seus primeiros campeonatos com a mesma idade: 29 anos).
Mas seu contrato chegara ao final e a McLaren, equipe pela qual tinha vencido o título em 1974, quis reduzir seu salário. Foi um blefe poderoso. Teddy Mayer, na época chefão da equipe, esticou as negociações até que as demais equipes de ponta não tivessem vagas para a próxima temporada. Emerson se irritou e confidenciou sua situação para o irmão, Wilson, que era dono da equipe Copersucar. Wilson, então, levantou o dinheiro necessário para oferecer um carro a Emerson, que aceitou a proposta.
O que aconteceu no ano seguinte pode ser acompanhado no filme “Rush”, que narra a rivalidade entre os pilotos James Hunt e Niki Lauda. Hunt herdou o carro de Emerson, que estava muito bem acertado pelo brasileiro, e conseguiu ganhar o campeonato (beneficiado pelo acidente trágico de Lauda em Nuburgring, é verdade). O carro desprezado por Emerson poderia ter sido seu ticket para o tricampeonato. Porém, os anos seguintes na Copersucar foram desastrosos. Emerson ficou quase sempre no final do pelotão e acabou perdendo todo seu dinheiro. Recuperou-se depois na Fórmula Indy, quando conquistou um campeonato e venceu duas vezes as 500 milhas de Indianápolis. Mas, antes de isso, amargou chacotas e gozações em função dos sucessivos fracassos nas pistas (com algumas exceções, como o segundo lugar obtido no Grande Prêmio do Brasil em 1978).
Ou seja, tomou uma decisão movido pela raiva. E teve de enfrentar uma longa onda de insucessos, algo que nunca tinha ocorrido em sua carreira.
Contemporâneo de Emerson, o argentino Carlos Reutemann nunca levantou um título na categoria mais importante do automobilismo – mas pode ser considerado o campeão em trocar de equipe na hora errada. Saiu da Brabham em 1976 para correr na Ferrari. Mas, em 1977, Lauda foi campeão com o mesmo carro. Na temporada seguinte, a Lotus conseguiu um domínio impressionante. E foi para lá que Reutemann se mudou no ano seguinte. A Lotus, porém, foi mal e a Ferrari foi campeã com Jody Scheckter. Trocou a Lotus pela Williams, que tinha um excelente bólido em 1980. Mas, de novo, perdeu o título para seu companheiro e equipe (Alan Jones). Permaneceu no time e novamente deixou escapar o campeonato por um ponto (desta vez, o vencedor foi Piquet, que corria pela Brabham – uma de suas ex-equipes).
O espanhol Fernando Alonso, um piloto talentoso e com grande poder de destruir o clima interno nas escuderias por onde passou, pode ser também classificado como um especialista em mudar de endereço na hora errada. Depois de ser bicampeão pela Renault e considerado um “driver’s driver” (piloto cujo talento é amplamente reconhecido pelos colegas e ex-corredores), colecionou trocas de equipes nas horas erradas, ficando apenas em dois títulos, quando possuía talento para ser um multicampeão como Lewis Hamilton, Michael Schumacher e Sebastian Vettel. Para piorar, em todos os locais onde passou (aparentemente, menos na Renault e Alpine, que pertencem ao mesmo grupo) promoveu a discórdia. Em sua segunda passagem pela McLaren, criou uma indisposição tão grande com a Honda que em 2018 a equipe dispensou a fornecedora japonesa de motores. Em 2019, no entanto, os nipônicos firmaram contrato com a Red Bull e venceram uma corrida, o GP da Alemanha, com Max Verstappen. Quantas corridas a McLaren ganhou naquele ano? Nenhuma. O resultado foi tão ruim que Alonso abandonou temporariamente a F-1. E, agora, a Honda levou o campeonato mundial com Max Verstappen (imagem).
Como se vê, trocar de endereço na hora errada pode ser uma decisão desastrosa e isso vale tanto no esporte a motor como no mundo corporativo. Aceitar uma proposta que a princípio parece vantajosa ou mesmo se tornar sócio de um empreendimento são decisões seríssimas. Mas, em algumas situações, estamos sob emoção extrema e não conseguimos analisar o convite corretamente.
Já tomei o caminho errado duas vezes. Amarguei as consequências dessas escolhas erradas, mas consegui me reerguer. Mesmo assim, não desejo esse tipo de engano para ninguém. Uma das piores sensações do mundo é descobrir que você próprio é o único responsável pela situação vexatória na qual se encontra.
Há algum antídoto para evitar um passo errado? Há: conversar com várias pessoas e pedir opiniões, medindo prós e contras. Mas faça isso de coração aberto e cabeça idem. Já tive colóquios com amigos e amigas que vieram se aconselhar comigo. Mas essas pessoas queriam apenas que eu corroborasse uma decisão que, no fundo, já tinha sido tomada.
Ouvir de fato o que os outros têm a dizer. Esse é um dos maiores desafios da raça humana. Muitos afirmam que sabem ouvir e estão dispostos a escutar contestações – mas, na hora H, são poucos os que realmente conseguem de fato considerar as réplicas alheias.
Aluizio Falcão Filho
Ontem tivemos a decisão da temporada de Fórmula 1, que coincidiu com o aniversário do bicampeão Emerson Fittipaldi. É uma boa oportunidade para usar o automobilismo como metáfora ao falar de um tema importante: a hora certa de mudar de emprego ou trocar um contracheque pela vida árdua de empreendedor. Toda mudança, idealmente, precisa ser decidida na hora certa. Mas, muitas vezes, nos deixamos levar pela emoção do momento e escolhemos o caminho errado. Evidentemente, uma decisão equivocada pode ser corrigida – mas dá um trabalho violento. E, em determinadas situações, os efeitos podem ser irreversíveis.
Tomemos o aniversariante do domingo como exemplo. Em 1975, Emerson era o piloto mais prestigiado no círculo da Fórmula 1. Nas últimas quatro temporadas, havia conquistado dois campeonatos e duas vezes sagrou-se vice-campeão (um piloto que havia obtido a primeira vitória já na quarta prova que disputou). Ao final de 1975, ele tinha apenas 27 anos e tinha sido o melhor do mundo duas vezes (para se ter uma ideia, Ayrton Senna e Nelson Piquet conquistaram seus primeiros campeonatos com a mesma idade: 29 anos).
Mas seu contrato chegara ao final e a McLaren, equipe pela qual tinha vencido o título em 1974, quis reduzir seu salário. Foi um blefe poderoso. Teddy Mayer, na época chefão da equipe, esticou as negociações até que as demais equipes de ponta não tivessem vagas para a próxima temporada. Emerson se irritou e confidenciou sua situação para o irmão, Wilson, que era dono da equipe Copersucar. Wilson, então, levantou o dinheiro necessário para oferecer um carro a Emerson, que aceitou a proposta.
O que aconteceu no ano seguinte pode ser acompanhado no filme “Rush”, que narra a rivalidade entre os pilotos James Hunt e Niki Lauda. Hunt herdou o carro de Emerson, que estava muito bem acertado pelo brasileiro, e conseguiu ganhar o campeonato (beneficiado pelo acidente trágico de Lauda em Nuburgring, é verdade). O carro desprezado por Emerson poderia ter sido seu ticket para o tricampeonato. Porém, os anos seguintes na Copersucar foram desastrosos. Emerson ficou quase sempre no final do pelotão e acabou perdendo todo seu dinheiro. Recuperou-se depois na Fórmula Indy, quando conquistou um campeonato e venceu duas vezes as 500 milhas de Indianápolis. Mas, antes de isso, amargou chacotas e gozações em função dos sucessivos fracassos nas pistas (com algumas exceções, como o segundo lugar obtido no Grande Prêmio do Brasil em 1978).
Ou seja, tomou uma decisão movido pela raiva. E teve de enfrentar uma longa onda de insucessos, algo que nunca tinha ocorrido em sua carreira.
Contemporâneo de Emerson, o argentino Carlos Reutemann nunca levantou um título na categoria mais importante do automobilismo – mas pode ser considerado o campeão em trocar de equipe na hora errada. Saiu da Brabham em 1976 para correr na Ferrari. Mas, em 1977, Lauda foi campeão com o mesmo carro. Na temporada seguinte, a Lotus conseguiu um domínio impressionante. E foi para lá que Reutemann se mudou no ano seguinte. A Lotus, porém, foi mal e a Ferrari foi campeã com Jody Scheckter. Trocou a Lotus pela Williams, que tinha um excelente bólido em 1980. Mas, de novo, perdeu o título para seu companheiro e equipe (Alan Jones). Permaneceu no time e novamente deixou escapar o campeonato por um ponto (desta vez, o vencedor foi Piquet, que corria pela Brabham – uma de suas ex-equipes).
O espanhol Fernando Alonso, um piloto talentoso e com grande poder de destruir o clima interno nas escuderias por onde passou, pode ser também classificado como um especialista em mudar de endereço na hora errada. Depois de ser bicampeão pela Renault e considerado um “driver’s driver” (piloto cujo talento é amplamente reconhecido pelos colegas e ex-corredores), colecionou trocas de equipes nas horas erradas, ficando apenas em dois títulos, quando possuía talento para ser um multicampeão como Lewis Hamilton, Michael Schumacher e Sebastian Vettel. Para piorar, em todos os locais onde passou (aparentemente, menos na Renault e Alpine, que pertencem ao mesmo grupo) promoveu a discórdia. Em sua segunda passagem pela McLaren, criou uma indisposição tão grande com a Honda que em 2018 a equipe dispensou a fornecedora japonesa de motores. Em 2019, no entanto, os nipônicos firmaram contrato com a Red Bull e venceram uma corrida, o GP da Alemanha, com Max Verstappen. Quantas corridas a McLaren ganhou naquele ano? Nenhuma. O resultado foi tão ruim que Alonso abandonou temporariamente a F-1. E, agora, a Honda levou o campeonato mundial com Max Verstappen (imagem).
Como se vê, trocar de endereço na hora errada pode ser uma decisão desastrosa e isso vale tanto no esporte a motor como no mundo corporativo. Aceitar uma proposta que a princípio parece vantajosa ou mesmo se tornar sócio de um empreendimento são decisões seríssimas. Mas, em algumas situações, estamos sob emoção extrema e não conseguimos analisar o convite corretamente.
Já tomei o caminho errado duas vezes. Amarguei as consequências dessas escolhas erradas, mas consegui me reerguer. Mesmo assim, não desejo esse tipo de engano para ninguém. Uma das piores sensações do mundo é descobrir que você próprio é o único responsável pela situação vexatória na qual se encontra.
Há algum antídoto para evitar um passo errado? Há: conversar com várias pessoas e pedir opiniões, medindo prós e contras. Mas faça isso de coração aberto e cabeça idem. Já tive colóquios com amigos e amigas que vieram se aconselhar comigo. Mas essas pessoas queriam apenas que eu corroborasse uma decisão que, no fundo, já tinha sido tomada.
Ouvir de fato o que os outros têm a dizer. Esse é um dos maiores desafios da raça humana. Muitos afirmam que sabem ouvir e estão dispostos a escutar contestações – mas, na hora H, são poucos os que realmente conseguem de fato considerar as réplicas alheias.