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Lições de Hemingway que valem muito na pandemia

É preciso hombridade, paciência e generosidade em meio a uma crise como a gerada pela pandemia

(U.S. National Archives and Records Administration/Reprodução)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 25 de janeiro de 2021 às 08h45.

William Lederer era um tenente da marinha americana na Segunda Guerra Mundial e, por volta de 1942, estava baseado na região de Xuquim, no sudoeste da China e hoje a cidade mais populosa do mundo. Um de seus costumes na época era participar de leilões feitos no escuro. A plateia não sabia ao certo o que era exatamente a peça vendida e a fama do leiloeiro não era das melhores, pois vivia trapaceando os clientes. Numa certa noite, ele arrematou, por 30 dólares, um baú lacrado sem saber seu conteúdo. Ao abri-lo, ainda na frente dos amigos, descobriu que havia no interior duas caixas de uísque – um artigo raríssimo naquele momento. Recebeu várias ofertas pelas garrafas, mas decidiu não as vender. Sua transferência estava próxima e pensou em usar toda aquela bebida para turbinar sua festa de despedida.

Alguns dias depois, o escritor Ernest Hemingway visitou a canhoneira na qual servia. Encontrou Lederer e, grande bebedor, já foi direto ao assunto:

– Ouvi dizer que você tem duas caixas de uísque. Quanto quer por seis garrafas?

Lederer deu a desculpa de praxe e o escritor não se deu por vencido. Tirou um maço enorme de notas do bolso e disse que pagaria o que ele quisesse. O tenente, então, propôs o seguinte:

– Troco seis garrafas por seis aulas sobre como escrever.

Hemingway topou e, nos cinco dias seguintes, deu-lhe cinco preleções. Ao final de uma dessas conversas, o autor de “O Velho e o Mar” perguntou se ele já havia experimentado alguma garrafa que comprara. Lederer disse que não e falou da tal festa. Recebeu o conselho de não adiar um momento tão precioso quanto aquele. Em seu último dia em Xuquim, deu-lhe a última aula, que se resumia a uma única frase: “Antes de escrever sobre as outras pessoas, você precisa ser um homem civilizado. E, para isso, necessita de duas coisas: compaixão e capacidade de aceitar os contras da vida. Jamais ria de alguém para quem a sorte tenha sido ruim. Se a sorte for contrária, não lute contra ela. Deixe-se levar e depois salte outra vez para frente. Isso é fundamental para tudo o que quiser fazer na vida”.

Quando estava se despedindo do tenente, disse-lhe:

– Você faria bem em provar o seu uísque antes de mandar os convites para a festa, rapaz.

Lederer ficou intrigado com a última frase e, chegando em casa, abriu uma garrafa e se serviu. Arregalou os olhos e abriu outra. E mais uma. E mais outra. Acabou destampando todas e provando seu conteúdo. Descobriu, atônito, que as garrafas estavam cheias de chá – sem nenhum teor alcoólico. No fim, tinha sido enganado pelo leiloeiro chinês.

Hemingway soube disso desde que arrematou as garrafas. Mas percebeu a inocência de Lederer e foi um homem civilizado, sem rir do jovem. Não lutou contra a má sorte, cumprindo sua parte no acordo, e foi em frente – não antes sem alertar o rapaz do papelão que ele estava prestes a fazer.

Essa lição de vida cai feito uma luva para quem tem de enfrentar a falta de empatia alheia diariamente. É preciso hombridade, paciência e generosidade em meio a uma crise como a gerada pela pandemia. E, neste cenário, é primordial ter a capacidade de entender que suas ações neste momento vão ter implicações futuras. É como o próprio Hemingway disse: “Today is only one day in all the days that will ever be. But what will happen in all the other days that ever come can depend on what you do today” (“Hoje é um dia único entre todos que virão. Mas o que vai acontecer nesses outros dias vindouros pode depender daquilo que você vai fazer no dia de hoje”). Este é um ensinamento precioso, pois mostra a todos a eterna relação causa e efeito que enfrentamos, muitas vezes sem perceber, em nossa vida atribulada. Nos últimos meses, porém, sob o signo da comoção e da adversidade, pudemos ver que nossas ações tiveram consequências sérias durante o momento pandêmico. Quem conseguiu ser comedido ou interpretar melhor os desafios de nosso tempo vai sair fortalecido ao final deste período de agruras.

E quanto a Lederer? O que aconteceu com o tenente que comprou garrafas de uísque cheias de chá? Aprendeu muito bem as lições ensinadas e buscou implementar tudo o que Heminguay lhe ensinara. Sua obra foi extensa: escreveu um roteiro de cinema e 17 livros. Um deles, “The Ugly American”, em parceria com Eugene Burdick, foi um grande best seller e inspirou a diplomacia do governo Kennedy a criar em 1961 o Corpo da Paz (Peace Corps), uma entidade dos EUA que presta ajuda socioeconômica aos países mais carentes.

Nada mal para quem foi engabelado em um leilão e gastou cerca de 500 dólares (valor nos dias de hoje) com 24 garrafas de chá.

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William Lederer era um tenente da marinha americana na Segunda Guerra Mundial e, por volta de 1942, estava baseado na região de Xuquim, no sudoeste da China e hoje a cidade mais populosa do mundo. Um de seus costumes na época era participar de leilões feitos no escuro. A plateia não sabia ao certo o que era exatamente a peça vendida e a fama do leiloeiro não era das melhores, pois vivia trapaceando os clientes. Numa certa noite, ele arrematou, por 30 dólares, um baú lacrado sem saber seu conteúdo. Ao abri-lo, ainda na frente dos amigos, descobriu que havia no interior duas caixas de uísque – um artigo raríssimo naquele momento. Recebeu várias ofertas pelas garrafas, mas decidiu não as vender. Sua transferência estava próxima e pensou em usar toda aquela bebida para turbinar sua festa de despedida.

Alguns dias depois, o escritor Ernest Hemingway visitou a canhoneira na qual servia. Encontrou Lederer e, grande bebedor, já foi direto ao assunto:

– Ouvi dizer que você tem duas caixas de uísque. Quanto quer por seis garrafas?

Lederer deu a desculpa de praxe e o escritor não se deu por vencido. Tirou um maço enorme de notas do bolso e disse que pagaria o que ele quisesse. O tenente, então, propôs o seguinte:

– Troco seis garrafas por seis aulas sobre como escrever.

Hemingway topou e, nos cinco dias seguintes, deu-lhe cinco preleções. Ao final de uma dessas conversas, o autor de “O Velho e o Mar” perguntou se ele já havia experimentado alguma garrafa que comprara. Lederer disse que não e falou da tal festa. Recebeu o conselho de não adiar um momento tão precioso quanto aquele. Em seu último dia em Xuquim, deu-lhe a última aula, que se resumia a uma única frase: “Antes de escrever sobre as outras pessoas, você precisa ser um homem civilizado. E, para isso, necessita de duas coisas: compaixão e capacidade de aceitar os contras da vida. Jamais ria de alguém para quem a sorte tenha sido ruim. Se a sorte for contrária, não lute contra ela. Deixe-se levar e depois salte outra vez para frente. Isso é fundamental para tudo o que quiser fazer na vida”.

Quando estava se despedindo do tenente, disse-lhe:

– Você faria bem em provar o seu uísque antes de mandar os convites para a festa, rapaz.

Lederer ficou intrigado com a última frase e, chegando em casa, abriu uma garrafa e se serviu. Arregalou os olhos e abriu outra. E mais uma. E mais outra. Acabou destampando todas e provando seu conteúdo. Descobriu, atônito, que as garrafas estavam cheias de chá – sem nenhum teor alcoólico. No fim, tinha sido enganado pelo leiloeiro chinês.

Hemingway soube disso desde que arrematou as garrafas. Mas percebeu a inocência de Lederer e foi um homem civilizado, sem rir do jovem. Não lutou contra a má sorte, cumprindo sua parte no acordo, e foi em frente – não antes sem alertar o rapaz do papelão que ele estava prestes a fazer.

Essa lição de vida cai feito uma luva para quem tem de enfrentar a falta de empatia alheia diariamente. É preciso hombridade, paciência e generosidade em meio a uma crise como a gerada pela pandemia. E, neste cenário, é primordial ter a capacidade de entender que suas ações neste momento vão ter implicações futuras. É como o próprio Hemingway disse: “Today is only one day in all the days that will ever be. But what will happen in all the other days that ever come can depend on what you do today” (“Hoje é um dia único entre todos que virão. Mas o que vai acontecer nesses outros dias vindouros pode depender daquilo que você vai fazer no dia de hoje”). Este é um ensinamento precioso, pois mostra a todos a eterna relação causa e efeito que enfrentamos, muitas vezes sem perceber, em nossa vida atribulada. Nos últimos meses, porém, sob o signo da comoção e da adversidade, pudemos ver que nossas ações tiveram consequências sérias durante o momento pandêmico. Quem conseguiu ser comedido ou interpretar melhor os desafios de nosso tempo vai sair fortalecido ao final deste período de agruras.

E quanto a Lederer? O que aconteceu com o tenente que comprou garrafas de uísque cheias de chá? Aprendeu muito bem as lições ensinadas e buscou implementar tudo o que Heminguay lhe ensinara. Sua obra foi extensa: escreveu um roteiro de cinema e 17 livros. Um deles, “The Ugly American”, em parceria com Eugene Burdick, foi um grande best seller e inspirou a diplomacia do governo Kennedy a criar em 1961 o Corpo da Paz (Peace Corps), uma entidade dos EUA que presta ajuda socioeconômica aos países mais carentes.

Nada mal para quem foi engabelado em um leilão e gastou cerca de 500 dólares (valor nos dias de hoje) com 24 garrafas de chá.

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