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Lembrando Paulo Francis, o aniversariante de ontem

Um dos poucos profissionais de imprensa que criticava a esquerda sem papas na língua (apesar de ter sido esquerdista), não era assim um conservador liberal

Paulo Francis: de óculos, era preconceituoso e ranzinza. Costumava destilar seu preconceito em cima dos nordestinos (Domínio Público/Wikimedia Commons)
Paulo Francis: de óculos, era preconceituoso e ranzinza. Costumava destilar seu preconceito em cima dos nordestinos (Domínio Público/Wikimedia Commons)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 3 de setembro de 2020 às, 08h34.

Última atualização em 3 de setembro de 2020 às, 12h22.

Ontem, Paulo Francis teria completado 90 anos de idade. O carioca Franz Paul Trannin da Mata Heilborn nasceu em dois de setembro de 1930 e foi um dos jornalistas mais inteligentes, sarcásticos e críticos que o Brasil já teve. Muitas vezes preconceituoso, inábil e precipitado, era irresponsável em alguns textos. Mas compensava o lado ruim com verdadeiras estocadas na idiotice que se apresentava em alguns desafetos.

Um dos poucos profissionais de imprensa que criticava a esquerda sem papas na língua (apesar de ter sido esquerdista no passado), não era exatamente um conservador liberal como muitos acreditavam e ele mesmo afirmou ser. Em uma entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, disse que o caminho social-democrata era uma saída viável para o Brasil. “A social-democracia é imperfeita - sem dúvida - mas é a coisa mais justa que há. Porque garante o mínimo necessário a quem não pode lutar pela sobrevivência e, ao mesmo tempo, permite que quem pode se expanda sem ditadura sem nada. Veja os países mais avançados do mundo: são os escandinavos. A própria Alemanha é uma social-democracia, a França … E os Estados Unidos são uma social-democracia – desorganizada, mas, se você falar assim nos Estados Unidos, eles acham que você é comunista. O que tem de auxílio às pessoas necessitadas é igual a qualquer social-democracia europeia”.

Francis era delirante e, muitas vezes, fazia algumas gambiarras intelectuais para justificar conceitos questionáveis, como o de que os EUA seriam uma social-democracia. Mas usava uma lógica clara e direta para bater sem dó nos esquerdistas mais radicais. “A melhor propaganda anticomunista é deixar um comunista falar”, dizia ele.

Era preconceituoso e ranzinza. Costumava destilar seu preconceito em cima dos nordestinos, sempre usando a ironia como matéria-prima. Um exemplo disso está na seguinte frase: “Os baianos invadiram o Rio para cantar ‘Ó, que saudades eu tenho da Bahia’. Bem, se é por falta de adeus, PT saudações”.

Inquieto e curioso, sempre estava imerso em livros e não entendia o obscurantismo.” A ignorância é a maior multinacional do mundo”, costumava afirmar. “Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo”. Era um ácido observador dos políticos que se viam como intelectuais – neste caso particular, gostava de pegar no pé do ex-presidente José Sarney. “Dizem que escrever é um processo torturante para Sarney. Sem dúvida, mas quem grita de dor é a língua portuguesa”, alfinetou certa vez.

Em suas colunas de jornal ou através de seus comentários no programa Manhattan Connection, exercitava sua verve sem paciência ou responsabilidade. Foi numa das edições deste programa que criou uma verdadeira quizomba com a Petrobras.

Francis afirmou, sem apresentar nenhuma prova, que os diretores da empresa tinham contas na Suíça. Os executivos, porém, não acharam graça. E o processaram nos Estados Unidos, onde morava, exigindo uma indenização de US$ 100 milhões, em valores de 1996. Hoje, estaríamos falando de uma soma superior a meio bilhão de reais.

A briga na Justiça se transformou em um calvário. Até o presidente Fernando Henrique Cardoso foi acionado para apelar a Joel Rennó para desistir do processo. O presidente da Petrobras, entretanto, manteve a querela.

Paulo Francis começou a tomar calmantes para voltar a dormir. No dia 7 de fevereiro de 1997, o aperreio cobrou a conta: ele teve um infarto e morreu.

Francis, desde o final os anos 1950, causava confusão com seus artigos e opiniões, seja com suas críticas teatrais no Diário Carioca como em seus artigos na antiga revista Senhor, da qual foi um dos editores. Numa dessas, criou um verdadeiro banzé com Tônia Carrero e os atores Adolfo Celi (marido dela) e Paulo Autran.

Chateada com as alfinetadas do jornalista, Tônia insinuou que ele seria gay. Francis reagiu da seguinte forma: “Nunca dormimos juntos que eu me lembre, para que ela possa manifestar-se sobre minha virilidade. É possível que a vedeta esteja me confundindo com alguns de seus colegas de palco. Tônia talvez se interesse em saber que já me foram oferecidas cópias das fotos em que ela posou em trajes menores e posições provocantes, fotos que foram publicadas numa revista pornográfica americana, Nugget”. Por conta do comentário, Celi agrediu-o fisicamente e Paulo Autran brindou-o com uma cusparada.

Este episódio foi revisitado em “O Afeto Que se Encerra”, livro autobiográfico lançado em 1980. Sobre o artigo em que versava sobre os dotes de pinup da atriz, ele disse: “é sórdido, imperdoável, uma das mais pungentes vergonhas da minha vida, porque pessoal, mesquinho, deliberadamente cruel, sem que houvesse motivo. Na zonzeira em que vivia no Diário aceitei, inexplicavelmente para mim até hoje, uma interpretação suburbana de um colega de uma brincadeira que Tônia Carrero fizera comigo na coluna de Antônio Maria, em O Globo. Ou seja, além de cachorro, me portei como um idiota”.

Ao morrer em 1997, Francis não viu a ascensão do PT ao poder, muito menos a vitória da direita em 2018, com Jair Bolsonaro. Esses dois momentos políticos teriam gerado crônicas irônicas e saborosas por parte daquele que era implacável com a mediocridade. Em certas passagens recentes de nossa política (de Luiz Inácio Lula da Silva a Bolsonaro) provavelmente ele reprisaria uma de suas frases mais famosas: “O Brasil é um asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle”.