Exame Logo

Já está na hora de o governo deixar de repetir os mesmos erros

O que se percebe, analisando a atuação de Jair Bolsonaro desde o início de sua administração, é que se pecou enormemente pelo amadorismo em termos de poder

Jair Bolsonaro (Alan Santos/Flickr)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 30 de abril de 2021 às 13h05.

Última atualização em 30 de abril de 2021 às 16h02.

É muito fácil apontar os erros de um time de futebol na segunda-feira após a partida. Quando não se está em campo, sofrendo a pressão do momento, tudo fica claro para os observadores, que não têm a obrigação de vencer a partida. Mesmo assim, depois de um jogo, chovem palpites e análises sobre o que um técnico em particular poderia ter feito para mudar o resultado final. Se o grupo de ministros de Jair Bolsonaro fosse um time, a metáfora futebolística mais simples que poderíamos utilizar é a de que a equipe perdeu o primeiro tempo e está tentando virar o jogo de forma destrambelhada.

É importante ressalvar que falar do passado é fácil – e que muitos críticos de hoje ficaram quietos quando o governo mostrou suas deficiências logo no início de 2019. Mas o que se percebe, analisando a atuação de Jair Bolsonaro desde o início de sua administração, é que se pecou enormemente pelo amadorismo em termos de poder – e, como sabemos há muito tempo, o Brasil não tolera amadores.

O governo começou com dois erros capitais.

O primeiro foi brigar gratuitamente com a imprensa. O presidente fez questão de dizer que seguraria as verbas oficiais de comunicação (direito de qualquer governo, diga-se), o que provocou a má vontade de alguns órgãos de comunicação. Mas o núcleo bolsonarista não parou por aí. Ficou estimulando um confronto gratuito com jornalistas e veículos, como se toda a imprensa fosse comunista e mancomunada com o PT. Deste conflito se amplificou a cobertura negativa do governo, que também deu motivos de sobra para críticas ou reportagens desabonadoras (em especial, a atuação do governo no combate à pandemia).

Além disso, o governo estimulou um confronto desnecessário com os demais poderes. Primeiro, com o Congresso – em um momento no qual precisava aprovar as reformas necessárias para destravar a economia. Deputados e senadores, pressionados pela opinião pública, se movimentaram para aprovar a Reforma da Previdência, mas por aí pararam. Os gestos de discórdia, entretanto, não ficaram restritos à oposição. Bolsonaro conseguiu brigar até com os aliados. Parlamentares como Joice Hasselmann, Alexandre Frota e o falecido Major Olímpio – apoiadores de primeira hora – se desentenderam rapidamente com Bolsonaro. Em novembro de 2019, ele ainda deixaria o PSL e está até hoje sem partido (condição sine qua non para disputar a reeleição no ano que vem).

No entanto, a animosidade também foi dirigida ao Supremo Tribunal Federal. E isso acabou atrapalhando o Executivo em algumas ocasiões. Houve contenda mesmo com as acusações que giram em torno do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, em relação ao caso das rachadinhas na Assembleia do Rio de Janeiro, quando exercia o mandato de deputado estadual.

É claro que cabe aqui a ressalva de que a hostilidade, nesses dois anos, foi mútua, tanto em relação a alguns membros do Judiciário como do Legislativo.

De qualquer forma, é possível atribuir grande parte desse comportamento ao amadorismo de muitos integrantes do governo, neófitos em assuntos envolvendo o Executivo e a convivência entre poderes. Mas há outro ingrediente principal para explicar essa atitude: a arrogância.

Essa arrogância tem raiz em dois fatores, ambos fincados nas eleições de 2018. Depois de muito tempo visto como folclórico ou um representante do Baixo Clero na Câmara, Bolsonaro foi vitorioso e passou a acreditar que tinha na palma da mão um referendo popular sobre seu jeito de se comportar e às ideias pregadas durante anos. Ao lado disso, os votos recebidos foram vistos por ele como um cacife para bater em quem bem entendesse.

Com mais de 57 milhões de votos, em um pleito no qual foi apoiado apenas pelos eleitores, Bolsonaro deixou destilar sua acidez junto à imprensa, Congresso e Judiciário. Apenas quando percebeu que a vaca poderia ir para o brejo, no ano passado, resolveu aliar-se ao Centrão e distribuir cargos para garantir apoio político.

No início do acordo, o presidente até ficou calado. Mas a evolução da pandemia o colocou em um caminho cada vez mais exaltado – e justamente esse comportamento o levou a ser mal avaliado pela população sobre a atuação do governo no combate à disseminação do coronavírus.

Como se vê, todos os elementos que hoje atrapalham o governo já eram visíveis em 2019. Mas a essas características se somam mais uma – a sofreguidão de garantir apoio político. O cenário atual é bem mais complicado que o do ano passado, com a instituição da CPI da Pandemia. E, para garantir seu apoio, o Centrão passou a cobrar mais caro.

Na lista de desejos dos centristas está a demissão do ministro Paulo Guedes, algo que não devem obter. Assim, na base do “quem não tem cão caça com gato”, devem receber um esvaziamento do chamado Posto Ipiranga, com o desmembramento do Ministério da Economia em quatro pastas – das quais Guedes seria o responsável pela Fazenda e as demais contariam com indicados do Centrão.

Com isso, entraremos definitivamente na fase de loteamento total do governo e do fim oficial da tentativa de se implantar alguns pilares liberais em nossa economia. Para pilotar essa fórmula, que se convencionou chamar de presidencialismo de coalisão, é preciso ter sensibilidade para negar alguns pedidos e jogo de cintura para aceitar outras demandas. Alguém enxerga essas características em Bolsonaro ou em seus auxiliares diretos?

Assine a EXAME e acesse as notícias mais importantes em tempo real.

Veja também

É muito fácil apontar os erros de um time de futebol na segunda-feira após a partida. Quando não se está em campo, sofrendo a pressão do momento, tudo fica claro para os observadores, que não têm a obrigação de vencer a partida. Mesmo assim, depois de um jogo, chovem palpites e análises sobre o que um técnico em particular poderia ter feito para mudar o resultado final. Se o grupo de ministros de Jair Bolsonaro fosse um time, a metáfora futebolística mais simples que poderíamos utilizar é a de que a equipe perdeu o primeiro tempo e está tentando virar o jogo de forma destrambelhada.

É importante ressalvar que falar do passado é fácil – e que muitos críticos de hoje ficaram quietos quando o governo mostrou suas deficiências logo no início de 2019. Mas o que se percebe, analisando a atuação de Jair Bolsonaro desde o início de sua administração, é que se pecou enormemente pelo amadorismo em termos de poder – e, como sabemos há muito tempo, o Brasil não tolera amadores.

O governo começou com dois erros capitais.

O primeiro foi brigar gratuitamente com a imprensa. O presidente fez questão de dizer que seguraria as verbas oficiais de comunicação (direito de qualquer governo, diga-se), o que provocou a má vontade de alguns órgãos de comunicação. Mas o núcleo bolsonarista não parou por aí. Ficou estimulando um confronto gratuito com jornalistas e veículos, como se toda a imprensa fosse comunista e mancomunada com o PT. Deste conflito se amplificou a cobertura negativa do governo, que também deu motivos de sobra para críticas ou reportagens desabonadoras (em especial, a atuação do governo no combate à pandemia).

Além disso, o governo estimulou um confronto desnecessário com os demais poderes. Primeiro, com o Congresso – em um momento no qual precisava aprovar as reformas necessárias para destravar a economia. Deputados e senadores, pressionados pela opinião pública, se movimentaram para aprovar a Reforma da Previdência, mas por aí pararam. Os gestos de discórdia, entretanto, não ficaram restritos à oposição. Bolsonaro conseguiu brigar até com os aliados. Parlamentares como Joice Hasselmann, Alexandre Frota e o falecido Major Olímpio – apoiadores de primeira hora – se desentenderam rapidamente com Bolsonaro. Em novembro de 2019, ele ainda deixaria o PSL e está até hoje sem partido (condição sine qua non para disputar a reeleição no ano que vem).

No entanto, a animosidade também foi dirigida ao Supremo Tribunal Federal. E isso acabou atrapalhando o Executivo em algumas ocasiões. Houve contenda mesmo com as acusações que giram em torno do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, em relação ao caso das rachadinhas na Assembleia do Rio de Janeiro, quando exercia o mandato de deputado estadual.

É claro que cabe aqui a ressalva de que a hostilidade, nesses dois anos, foi mútua, tanto em relação a alguns membros do Judiciário como do Legislativo.

De qualquer forma, é possível atribuir grande parte desse comportamento ao amadorismo de muitos integrantes do governo, neófitos em assuntos envolvendo o Executivo e a convivência entre poderes. Mas há outro ingrediente principal para explicar essa atitude: a arrogância.

Essa arrogância tem raiz em dois fatores, ambos fincados nas eleições de 2018. Depois de muito tempo visto como folclórico ou um representante do Baixo Clero na Câmara, Bolsonaro foi vitorioso e passou a acreditar que tinha na palma da mão um referendo popular sobre seu jeito de se comportar e às ideias pregadas durante anos. Ao lado disso, os votos recebidos foram vistos por ele como um cacife para bater em quem bem entendesse.

Com mais de 57 milhões de votos, em um pleito no qual foi apoiado apenas pelos eleitores, Bolsonaro deixou destilar sua acidez junto à imprensa, Congresso e Judiciário. Apenas quando percebeu que a vaca poderia ir para o brejo, no ano passado, resolveu aliar-se ao Centrão e distribuir cargos para garantir apoio político.

No início do acordo, o presidente até ficou calado. Mas a evolução da pandemia o colocou em um caminho cada vez mais exaltado – e justamente esse comportamento o levou a ser mal avaliado pela população sobre a atuação do governo no combate à disseminação do coronavírus.

Como se vê, todos os elementos que hoje atrapalham o governo já eram visíveis em 2019. Mas a essas características se somam mais uma – a sofreguidão de garantir apoio político. O cenário atual é bem mais complicado que o do ano passado, com a instituição da CPI da Pandemia. E, para garantir seu apoio, o Centrão passou a cobrar mais caro.

Na lista de desejos dos centristas está a demissão do ministro Paulo Guedes, algo que não devem obter. Assim, na base do “quem não tem cão caça com gato”, devem receber um esvaziamento do chamado Posto Ipiranga, com o desmembramento do Ministério da Economia em quatro pastas – das quais Guedes seria o responsável pela Fazenda e as demais contariam com indicados do Centrão.

Com isso, entraremos definitivamente na fase de loteamento total do governo e do fim oficial da tentativa de se implantar alguns pilares liberais em nossa economia. Para pilotar essa fórmula, que se convencionou chamar de presidencialismo de coalisão, é preciso ter sensibilidade para negar alguns pedidos e jogo de cintura para aceitar outras demandas. Alguém enxerga essas características em Bolsonaro ou em seus auxiliares diretos?

Assine a EXAME e acesse as notícias mais importantes em tempo real.

Acompanhe tudo sobre:BrasilCentrãoGoverno BolsonaroJair BolsonaroPandemiaPolíticaPolítica no Brasil

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se