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Ironia, a arma mortal nos debates antigos que faz falta no mundo de hoje

Trata-se de uma arte para poucos – e parece estar em extinção

Winston Churchill (Hulton Archive/Keystone/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 16 de fevereiro de 2022 às 11h47.

Aluizio Falcão Filho

O futebol é um esporte fabuloso, que arrebata paixões e, ao mesmo tempo, nos fornece material para diversas metáforas. Enquanto pensava sobre o efeito que a ironia tem nas pessoas, ocorreu-me uma comparação com o esporte bretão. Em uma conversa, uma observação maldosa é como uma canelada, pois deixa o adversário no chão; já um comentário irônico é como um drible, pois deixa o opositor humilhado e diminuído.

Ser irônico é uma arte para poucos – e parece estar em extinção. Requer raciocínio rápido, com pitadas de acidez e jocosidade combinadas. Trata-se de uma habilidade muito praticada no passado, quase inexistente nos dias de hoje. O que sobrou, na atualidade das mídias digitais, é o tom irônico – uma tentativa de causar no opositor o mesmo efeito que uma frase lapidar e destruidora.

A Inglaterra é o berço da ironia, que é exercida tanto no universo da política como nos ambientes privados. Winston Churchill (imagem) usava e abusava deste artifício. Certa vez, estava debatendo com um deputado que propunha o desmembramento do Ministério da Agricultura para criar uma pasta exclusiva para a pesca. O primeiro-ministro era contra a ideia. E a destruiu evocando um prato nacional, “Fish and Chips” (peixe e batatas – tudo frito). “Vamos deixar as coisas como estão”, disse ele. “As relações entre os peixes e as batatas são muito firmes em nosso país, como você sabe”.

Mas ele também era conhecido por ser ácido e fulminante com seus interlocutores durante festas, jantares e coquetéis.

Ele tinha embates constantes com a viscondessa Nancy Astor, que foi a primeira mulher a fazer parte da Câmara dos Comuns, na Grã-Bretanha. Logo que ela assumiu a cadeira parlamentar, Churchill, em um ataque machista típico da primeira metade do Século 20, quis alfinetá-la. Afirmou que ter uma representante do sexo feminino no Parlamento era como topar com uma mulher no banheiro masculino. Lady Astor retrucou: “Você não é bonito para ter esse tipo de receio”.

Chá envenenado

Em outra ocasião, depois de uma discussão áspera em um jantar a rigor, disse que se Churchill fosse casado com ela, iria envenenar o chá dele. “Minha senhora, se eu fosse seu marido”, redarguiu o primeiro-ministro, “eu tomaria esse chá”.

Mas Churchill era capaz de deixar a ironia de lado e partir para o chute nas canelas, especialmente quando o criticavam sobre seu consumo de bebidas alcóolicas. Em outro duelo verbal com Astor, eles se encontraram em uma festa e, para variar, o premiê estava sob o efeito de várias doses de uísque. “Winston, você está bêbado”. Ele respondeu cruelmente: “E você é feia; mas, amanhã, quando eu acordar, estarei sóbrio – e você continuará feia”.

Astor não era feia – e provavelmente Churchill se arrependeu do comentário misógino na manhã seguinte.

A tirada de Elizabeth Bibesco

Os embates entre os dois foram acompanhados pela escritora Elizabeth Bibesco, filha de um ex-premiê britânico (H.H. Asquith) e casada com um príncipe romeno. Ela era admiradora de Lady Astor, que esteve na lista de execuções programadas pelos nazistas caso conseguissem invadir a Grã-Bretanha. Mesmo assim, ficava hipnotizada com a verve de Churchill e se divertia com suas tiradas irônicas.

Bibesco, que morou em Paris durante boa parte de sua vida, mas sempre acompanhava os grandes eventos sociais em Londres, acreditava que ironizar os antagonistas era algo imprescindível na vida de qualquer um: “A ironia é uma espécie de higiene da mente”, dizia ela. Ou seja, a ironia limpa nossos pensamentos e dá frescor à mente. Exorciza os sentimentos de raiva e nos deixa levitando. É, sem dúvida alguma, um hábito antigo que precisamos retomar.

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Ser irônico é uma arte para poucos – e parece estar em extinção. Requer raciocínio rápido, com pitadas de acidez e jocosidade combinadas. Trata-se de uma habilidade muito praticada no passado, quase inexistente nos dias de hoje. O que sobrou, na atualidade das mídias digitais, é o tom irônico – uma tentativa de causar no opositor o mesmo efeito que uma frase lapidar e destruidora.

A Inglaterra é o berço da ironia, que é exercida tanto no universo da política como nos ambientes privados. Winston Churchill (imagem) usava e abusava deste artifício. Certa vez, estava debatendo com um deputado que propunha o desmembramento do Ministério da Agricultura para criar uma pasta exclusiva para a pesca. O primeiro-ministro era contra a ideia. E a destruiu evocando um prato nacional, “Fish and Chips” (peixe e batatas – tudo frito). “Vamos deixar as coisas como estão”, disse ele. “As relações entre os peixes e as batatas são muito firmes em nosso país, como você sabe”.

Mas ele também era conhecido por ser ácido e fulminante com seus interlocutores durante festas, jantares e coquetéis.

Ele tinha embates constantes com a viscondessa Nancy Astor, que foi a primeira mulher a fazer parte da Câmara dos Comuns, na Grã-Bretanha. Logo que ela assumiu a cadeira parlamentar, Churchill, em um ataque machista típico da primeira metade do Século 20, quis alfinetá-la. Afirmou que ter uma representante do sexo feminino no Parlamento era como topar com uma mulher no banheiro masculino. Lady Astor retrucou: “Você não é bonito para ter esse tipo de receio”.

Chá envenenado

Em outra ocasião, depois de uma discussão áspera em um jantar a rigor, disse que se Churchill fosse casado com ela, iria envenenar o chá dele. “Minha senhora, se eu fosse seu marido”, redarguiu o primeiro-ministro, “eu tomaria esse chá”.

Mas Churchill era capaz de deixar a ironia de lado e partir para o chute nas canelas, especialmente quando o criticavam sobre seu consumo de bebidas alcóolicas. Em outro duelo verbal com Astor, eles se encontraram em uma festa e, para variar, o premiê estava sob o efeito de várias doses de uísque. “Winston, você está bêbado”. Ele respondeu cruelmente: “E você é feia; mas, amanhã, quando eu acordar, estarei sóbrio – e você continuará feia”.

Astor não era feia – e provavelmente Churchill se arrependeu do comentário misógino na manhã seguinte.

A tirada de Elizabeth Bibesco

Os embates entre os dois foram acompanhados pela escritora Elizabeth Bibesco, filha de um ex-premiê britânico (H.H. Asquith) e casada com um príncipe romeno. Ela era admiradora de Lady Astor, que esteve na lista de execuções programadas pelos nazistas caso conseguissem invadir a Grã-Bretanha. Mesmo assim, ficava hipnotizada com a verve de Churchill e se divertia com suas tiradas irônicas.

Bibesco, que morou em Paris durante boa parte de sua vida, mas sempre acompanhava os grandes eventos sociais em Londres, acreditava que ironizar os antagonistas era algo imprescindível na vida de qualquer um: “A ironia é uma espécie de higiene da mente”, dizia ela. Ou seja, a ironia limpa nossos pensamentos e dá frescor à mente. Exorciza os sentimentos de raiva e nos deixa levitando. É, sem dúvida alguma, um hábito antigo que precisamos retomar.

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