Homeschooling: um caminho para o obscurantismo?
Quando se trata de educação, são tantas variáveis em jogo que apenas as boas intenções não são suficientes para se fazer uma escolha certa
Publicado em 7 de abril de 2021 às, 09h00.
O filósofo hispano-americano George Santayana dizia que “uma criança educada apenas pela escola é uma criança sem educação”. Por trás da frase de Santayana está a necessidade de se estabelecer um compasso moral por parte da família aos infantes – e por “moral” entendamos os ensinamentos sobre conceitos de justiça e dignidade, sem entrar necessariamente em questões sobre puritanismo.
Não sou professor ou educador. Mas tenho dois filhos em idade escolar e me preocupo sobremaneira com a educação formal e informal destes jovens – especialmente da caçula, que acaba de completar treze anos e está plenamente disposta a provar ao mundo que não é mais uma criança. Por isso, acompanho com grande interesse o debate sobre a educação em casa, o chamado homeschooling, que é alvo de um projeto na Câmara Federal, relatado pela deputada paranaense Luísa Canziani.
Trata-se de um tema árido. Mas algumas informações valiosas podem ser encontradas após a leitura de pesquisas sobre o assunto. Uma delas está no site da Secretaria de Educação dos Estados Unidos. Data de oito anos atrás, mas explica que 91 % dos defensores da educação em casa têm restrições ao ambiente das escolas tradicionais; 77 % são movidos por uma necessidade de orientação de valores; e 64 % querem dar um tipo de instrução religiosa que não é oferecida no sistema educacional corrente.
Embora outra pesquisa mostre também, nos EUA, um número razoável de negros e hispânicos que optam por esse sistema de educação para proteger seus filhos de manifestações racistas, é possível ver que o interesse maior deste grupo de pais é afastar as crianças das chamadas más companhias e, ao mesmo tempo, elevar a educação religiosa dos alunos.
Ou seja, estamos falando de um estrato mais conservador da sociedade – aqui no Brasil, talvez os mais conservadores entre os conservadores.
Algumas dúvidas surgem ao analisarmos esse processo. Uma delas é: como os genitores encontrarão tempo para oferecer cinco ou seis horas diárias de educação aos filhos? Mais que isso: como planejar a distribuição de conteúdo educacional ao longo de um ano sem o auxílio de um pedagogo? E como saber qual é a melhor forma de educar o seu filho?
Enquanto o aluno está no Fundamental I, é relativamente simples ensinar em casa todas as matérias. Mas, após o Fundamental II, o jogo fica mais pesado. Não é à toa que, neste estágio, todas as escolas oferecem um professor diferente para cada matéria. Neste caso, exige-se do pai ou da mãe uma desenvoltura em matérias tão díspares como matemática e ciências ou português e geografia. Isso é possível? É improvável, mas pode ser obtido por alguns indivíduos. A maioria, porém, terá dificuldade em ensinar algo mais complicado. Um exemplo? Logaritmos ou óptica geométrica, dois quesitos que precisam ser aprendidos no Ensino Médio.
Nos Estados Unidos, há cerca de 57 milhões de estudantes no que se chama K-12 (“kindergarden to 12th grade” ou do jardim da infância à última série do Ensino Médio). As estatísticas sobre homeschooling variam de 3 milhões a 9 milhões de estudantes aprendendo em casa. Como se vê, ainda estamos falando de uma minoria – mas o governo americano estabelece algumas regras para quem quiser aderir ao ensino domiciliar.
Como ocorre com frequência nos EUA, esse assunto é regido pelos 50 estados e cada um deles tem sua forma de lidar com o tema. Alguns exigem a supervisão de uma escola; outros querem que um dos pais seja professor certificado; há aqueles que fazem os pais passarem por um teste avaliativo para checar habilidades educacionais.
Existe uma queixa razoável na classe média brasileira de que muitos professores são de esquerda e que isso tem grande relevância na formação dos jovens estudantes. Assim, o homeschooling seria uma forma de evitar esse tipo de interferência na formação do caráter dos alunos.
Por outro lado, mesmo que exista uma boa vontade enorme por parte dos pais, dificilmente ele educarão uma criança melhor que os professores. Isso combinado a um ensino religioso exagerado pode trazer efeitos negativos na performance da criança e até colaborar para a expansão do obscurantismo, especialmente no que diz respeito a matérias científicas.
Estamos em uma era na qual muitos pais, por conta do excesso de trabalho, acabaram terceirizando a educação de seus filhos para as escolas. Com a pandemia, isso mudou – até porque passou a existir uma convivência forçada dentro das famílias. O homeschooling é o oposto da terceirização educacional, com efeitos imprevisíveis aqui no Brasil, pois evita a criação de ferramentas para o convívio em grupo ou a autodefesa contra ameaças ou bullying.
Em escolas ou em casa, aquilo que aprendemos é uma das coisas mais importantes da vida e o que nos define como pessoas e cidadãos. É como disse Albert Einstein: “Educação é o que fica dentro de nós depois que esquecemos o que aprendemos na escola”.
Por maior que seja a controvérsia sobre o assunto, uma coisa é certa: aqueles que são a favor e contra o homeschooling têm dentro de si as melhores intenções, pois todos os pais querem sempre o melhor para seus filhos. Mas, quando se trata de educação, são tantas variáveis em jogo que apenas as boas intenções não são suficientes para se fazer uma escolha certa.