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Haddad: talvez seja melhor pensar sem falar do que falar sem pensar

No curto prazo, não há a menor condição de se minar a autoridade de Lira

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Diogo Zacarias/Flickr)

Publicado em 16 de agosto de 2023 às 13h18.

Última atualização em 16 de agosto de 2023 às 13h18.

O humorista e escritor Jô Soares tinha uma frase instigante: “melhor pensar sem falar do que falar sem pensar”. Esta máxima poderia servir de conselho para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele declarou, em gravação divulgada na segunda-feira, que “a Câmara está com um poder muito grande, e ela não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo”.

A reação veio a galope. O presidente da Câmara, Arthur Lira, iria ter uma reunião com líderes partidários para discutir a votação do Arcabouço Fiscal – uma das prioridades do governo. Mas, diante da declaração do ministro, preferiu desmarcar o encontro. E mandou um recado a Haddad: ele deveria esclarecer o tema através da imprensa. “Manifestações enviesadas e descontextualizadas não contribuem no processo de diálogo e construção de pontos tão necessários para que o país avance”, alfinetou Lira.

Haddad seguiu o conselho e disse que estava se referindo às gestões passadas – não à atual, nem a Arthur Lira em particular. Se isso é verdade, o ministro tem uma forma peculiar de utilizar os tempos verbais – usando o presente para falar do passado.

A declaração desastrosa de Haddad é um exemplo típico de quem, em um desabafo, falou sem pensar. Não que ele estivesse errado. A Câmara, de fato, criou um enorme protagonismo – especialmente desde a presidência de Eduardo Cunha – e acabou ofuscando o Senado. Além disso, está enquadrando o Executivo, impedindo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incorra em radicalismos. Talvez Haddad tenha se expressado em um momento de inconformismo e dito mais do que deveria. Ou quisesse passar um recado a Lira, para desmenti-lo em seguida.

O fato é que Lira manda – e manda muito. A ponto de exigir participação de seu partido no governo sem oferecer a tradicional contrapartida de garantir votos em favor dos projetos patrocinados pelo Planalto. Trata-se de algo inédito na política brasileira. Mesmo assim, o governo segue seus estudos para acomodar os interesses do Centrão na Esplanada dos Ministérios.

Essa cutucada seguida de recuo é muito desgastante para Haddad e Lula. Quando o ministro da Fazenda precisa se retratar, usando desculpas esfarrapadas para justificar o que foi dito com todas as letras, manda um claro sinal de fraqueza para a sociedade.

No curto prazo, não há a menor condição de se minar a autoridade de Lira. Algumas investigações que pairavam sobre o presidente Câmara, por exemplo, foram devidamente engavetadas pelo Supremo Tribunal Federal e não mais preocupam o deputado. O Planalto tem dificuldades para aumentar seu cacife e a única saída possível é continuar refém do Centrão.

Lira vai voltar às boas com Haddad e Lula, mas a malcriação do ministro vai custar caro. O governo é uma espécie de passageiro no táxi do Centrão. A cada tentativa de desembarcar do carro, o motorista não só acelera como também liga a bandeira 2.

Com o tempo, a conta vai ficando cada vez mais difícil de pagar – e a dinâmica do processo vai enfurecendo motorista e passageiro em proporções gigantescas. Esse tipo de relacionamento nunca termina bem. E pode trazer prejuízos para os dois lados.

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O humorista e escritor Jô Soares tinha uma frase instigante: “melhor pensar sem falar do que falar sem pensar”. Esta máxima poderia servir de conselho para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele declarou, em gravação divulgada na segunda-feira, que “a Câmara está com um poder muito grande, e ela não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo”.

A reação veio a galope. O presidente da Câmara, Arthur Lira, iria ter uma reunião com líderes partidários para discutir a votação do Arcabouço Fiscal – uma das prioridades do governo. Mas, diante da declaração do ministro, preferiu desmarcar o encontro. E mandou um recado a Haddad: ele deveria esclarecer o tema através da imprensa. “Manifestações enviesadas e descontextualizadas não contribuem no processo de diálogo e construção de pontos tão necessários para que o país avance”, alfinetou Lira.

Haddad seguiu o conselho e disse que estava se referindo às gestões passadas – não à atual, nem a Arthur Lira em particular. Se isso é verdade, o ministro tem uma forma peculiar de utilizar os tempos verbais – usando o presente para falar do passado.

A declaração desastrosa de Haddad é um exemplo típico de quem, em um desabafo, falou sem pensar. Não que ele estivesse errado. A Câmara, de fato, criou um enorme protagonismo – especialmente desde a presidência de Eduardo Cunha – e acabou ofuscando o Senado. Além disso, está enquadrando o Executivo, impedindo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incorra em radicalismos. Talvez Haddad tenha se expressado em um momento de inconformismo e dito mais do que deveria. Ou quisesse passar um recado a Lira, para desmenti-lo em seguida.

O fato é que Lira manda – e manda muito. A ponto de exigir participação de seu partido no governo sem oferecer a tradicional contrapartida de garantir votos em favor dos projetos patrocinados pelo Planalto. Trata-se de algo inédito na política brasileira. Mesmo assim, o governo segue seus estudos para acomodar os interesses do Centrão na Esplanada dos Ministérios.

Essa cutucada seguida de recuo é muito desgastante para Haddad e Lula. Quando o ministro da Fazenda precisa se retratar, usando desculpas esfarrapadas para justificar o que foi dito com todas as letras, manda um claro sinal de fraqueza para a sociedade.

No curto prazo, não há a menor condição de se minar a autoridade de Lira. Algumas investigações que pairavam sobre o presidente Câmara, por exemplo, foram devidamente engavetadas pelo Supremo Tribunal Federal e não mais preocupam o deputado. O Planalto tem dificuldades para aumentar seu cacife e a única saída possível é continuar refém do Centrão.

Lira vai voltar às boas com Haddad e Lula, mas a malcriação do ministro vai custar caro. O governo é uma espécie de passageiro no táxi do Centrão. A cada tentativa de desembarcar do carro, o motorista não só acelera como também liga a bandeira 2.

Com o tempo, a conta vai ficando cada vez mais difícil de pagar – e a dinâmica do processo vai enfurecendo motorista e passageiro em proporções gigantescas. Esse tipo de relacionamento nunca termina bem. E pode trazer prejuízos para os dois lados.

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