H.G. Wells é um exemplo de inspiração contra o assédio moral na internet
Episódios mostram o autor disposto a enfrentar o perigo utilizando apenas uma arma: o seu intelecto. Com retidão, autocontrole e ponderação
isabelarovaroto
Publicado em 19 de novembro de 2020 às 08h02.
Última atualização em 19 de novembro de 2020 às 09h29.
O escritor Herbert George Wells, ao lado de Júlio Verne, foi um dos maiores desbravadores da ficção científica. Mas, enquanto o colega francês antecipou invenções que surgiram anos mais tarde, como o foguete e o submarino, Wells deixou a imaginação correr mais longe, escrevendo livros sobre invisibilidade (O Homem Invisível), alienígenas (Guerra dos Mundos), manipulação genética (A Ilha do Dr. Moreau) e viagem temporal (A Máquina do Tempo).
Em sua vida particular, H. G. Wells era turrão e gostava de um duelo intelectual. Em 1934, por exemplo, fez uma entrevista com Josef Stálin na qual passou boa parte do colóquio questionando os conceitos emitidos pelo líder comunista.
Em um determinado momento da entrevista, Stálin disse: “Por um lado, temos uma classe que possui bancos, minas, transportes, plantações nas colônias. Para essa gente, não existe outra coisa além de seu próprio interesse. Não se submete à vontade do coletivo, mas luta para subordiná-la aos seus desejos. Por outro lado, temos a classe dos despossuídos, dos explorados, que não possui fábricas ou bancos, que tem de sobreviver vendendo sua força de trabalho aos capitalistas e não tem meios para satisfazer as suas necessidades mais elementares. Como é possível conciliar interesses tão diferentes?”.
Wells, então, rebateu: “Protesto contra essa classificação simplista da humanidade em pobres e ricos. Existem muitas pessoas competentes que reconhecem que o atual sistema é insatisfatório e que desempenharão um importante papel na sociedade capitalista do futuro”.
Estamos falando de um escritor entrevistando um chefe de estado estrangeiro, conhecido pela facilidade e pela frieza com o qual se livrava de seus adversários, em uma terra desconhecida e em um período em que ele poderia desaparecer sem grandes suspeitas. Essa passagem, assim, é uma boa amostra da coragem de Wells, digna de admiração.
Em outra ocasião, mostrou bravura e destemor em uma rua perto de sua casa em Londres, bem frente ao Regent’s Park, um pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Um motorista de caminhão corpulento estacionou seu veículo e foi confrontá-lo na calçada por conta de algo que Wells escrevera em um jornal britânico. O caminhoneiro agarrou-o pelo colarinho e disse que iria socá-lo. O escritor, um sujeito de baixa estatura e com seus quilos a mais, fitou o oponente e disse: “Muito bem, dê o soco. Mas o senhor não vai ganhar a discussão mesmo assim”. Ele estendeu o queixo e esperou o impacto, mas o brigão o soltou e saiu resmungando.
Estes dois episódios nos mostram alguém disposto a enfrentar o perigo, representado por um déspota sanguinário ou por um valentão, utilizando apenas uma arma: o seu intelecto. Com retidão, autocontrole e ponderação.
H. G. Wells, com esse comportamento, nos ensina como enfrentar o assédio moral que existe nas redes sociais.
Muitas vezes, abandonamos discussões digitais porque nos assustamos com o grau de agressividade que vem do outro lado. Deixar para lá é um comportamento padrão entre aqueles que têm mais o que fazer do que viver uma vida estritamente virtual. Porém, toda a vez que abandonamos um debate acalorado sem colocar o nosso ponto de vista, estamos anabolizando a atitude desses arruaceiros cibernéticos. A cada discussão que perdemos por W.O. reforçamos, na cabeça de nossos oponentes, que a agressividade pode ser recompensada. Esses adeptos do bullying digital interpretam a desistência de seus rivais não como uma falta de paciência para discutir. Na cabeça deles, a desistência ocorreu porque têm razão, seja por causa da argumentação ou por conta da enorme hostilidade eletrônica.
Depois de ler sobre esses dois momentos na vida de Wells, eu – que já desisti de inúmeras batalhas online – resolvi ir em frente nessas discussões virtuais e decidi que só deixarei o octógono digital depois de ouvir o outro lado, pensar a respeito e deixar bem claro o meu ponto de vista, sem desmerecer o oponente. Também tentarei segurar o ímpeto de ganhar o embate forçando a barra ou distorcendo argumentos.
Até quando resistirei? Não sei. Mas é melhor resistir, como Wells, do que não fazer nada.
O escritor Herbert George Wells, ao lado de Júlio Verne, foi um dos maiores desbravadores da ficção científica. Mas, enquanto o colega francês antecipou invenções que surgiram anos mais tarde, como o foguete e o submarino, Wells deixou a imaginação correr mais longe, escrevendo livros sobre invisibilidade (O Homem Invisível), alienígenas (Guerra dos Mundos), manipulação genética (A Ilha do Dr. Moreau) e viagem temporal (A Máquina do Tempo).
Em sua vida particular, H. G. Wells era turrão e gostava de um duelo intelectual. Em 1934, por exemplo, fez uma entrevista com Josef Stálin na qual passou boa parte do colóquio questionando os conceitos emitidos pelo líder comunista.
Em um determinado momento da entrevista, Stálin disse: “Por um lado, temos uma classe que possui bancos, minas, transportes, plantações nas colônias. Para essa gente, não existe outra coisa além de seu próprio interesse. Não se submete à vontade do coletivo, mas luta para subordiná-la aos seus desejos. Por outro lado, temos a classe dos despossuídos, dos explorados, que não possui fábricas ou bancos, que tem de sobreviver vendendo sua força de trabalho aos capitalistas e não tem meios para satisfazer as suas necessidades mais elementares. Como é possível conciliar interesses tão diferentes?”.
Wells, então, rebateu: “Protesto contra essa classificação simplista da humanidade em pobres e ricos. Existem muitas pessoas competentes que reconhecem que o atual sistema é insatisfatório e que desempenharão um importante papel na sociedade capitalista do futuro”.
Estamos falando de um escritor entrevistando um chefe de estado estrangeiro, conhecido pela facilidade e pela frieza com o qual se livrava de seus adversários, em uma terra desconhecida e em um período em que ele poderia desaparecer sem grandes suspeitas. Essa passagem, assim, é uma boa amostra da coragem de Wells, digna de admiração.
Em outra ocasião, mostrou bravura e destemor em uma rua perto de sua casa em Londres, bem frente ao Regent’s Park, um pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Um motorista de caminhão corpulento estacionou seu veículo e foi confrontá-lo na calçada por conta de algo que Wells escrevera em um jornal britânico. O caminhoneiro agarrou-o pelo colarinho e disse que iria socá-lo. O escritor, um sujeito de baixa estatura e com seus quilos a mais, fitou o oponente e disse: “Muito bem, dê o soco. Mas o senhor não vai ganhar a discussão mesmo assim”. Ele estendeu o queixo e esperou o impacto, mas o brigão o soltou e saiu resmungando.
Estes dois episódios nos mostram alguém disposto a enfrentar o perigo, representado por um déspota sanguinário ou por um valentão, utilizando apenas uma arma: o seu intelecto. Com retidão, autocontrole e ponderação.
H. G. Wells, com esse comportamento, nos ensina como enfrentar o assédio moral que existe nas redes sociais.
Muitas vezes, abandonamos discussões digitais porque nos assustamos com o grau de agressividade que vem do outro lado. Deixar para lá é um comportamento padrão entre aqueles que têm mais o que fazer do que viver uma vida estritamente virtual. Porém, toda a vez que abandonamos um debate acalorado sem colocar o nosso ponto de vista, estamos anabolizando a atitude desses arruaceiros cibernéticos. A cada discussão que perdemos por W.O. reforçamos, na cabeça de nossos oponentes, que a agressividade pode ser recompensada. Esses adeptos do bullying digital interpretam a desistência de seus rivais não como uma falta de paciência para discutir. Na cabeça deles, a desistência ocorreu porque têm razão, seja por causa da argumentação ou por conta da enorme hostilidade eletrônica.
Depois de ler sobre esses dois momentos na vida de Wells, eu – que já desisti de inúmeras batalhas online – resolvi ir em frente nessas discussões virtuais e decidi que só deixarei o octógono digital depois de ouvir o outro lado, pensar a respeito e deixar bem claro o meu ponto de vista, sem desmerecer o oponente. Também tentarei segurar o ímpeto de ganhar o embate forçando a barra ou distorcendo argumentos.
Até quando resistirei? Não sei. Mas é melhor resistir, como Wells, do que não fazer nada.