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Fernanda Young: nunca te vi, sempre te admirei

Não, não é aniversário da morte dela ou de seu nascimento. Tampouco hoje é alguma efeméride relacionada a essa escritora. Então, por que falar dela?

Fernanda Young. (Andrew Toth/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de setembro de 2021 às 08h48.

Por Aluizio Falcão Filho

Não, não é aniversário da morte de Fernanda Young ou de seu nascimento. Tampouco hoje é alguma efeméride relacionada a essa escritora. Então, por que falar dela? É que, nesta semana, voltou a circular pelas redes sociais a última coluna que publicou antes de morrer por conta de um severo ataque de asma. O texto, um petardo contra o ultraconservadorismo rastaquera e tacanho, é extremamente atual.

O início da crônica, batizada de “Bando de Cafonas”, é primoroso. Como os acordes da canção “Satisfaction”, dos Rolling Stones, que anunciam o que está por vir em grande estilo, este primeiro parágrafo descortina brilhantemente o tema a ser discutido sem entregar o ouro: “A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias”.

“Mau gosto existencial”. Uau... essa é uma frase que eu gostaria de ter escrito. Fernanda Young consegue captar a essência do ressentimento que move um determinado tipo de pessoa de forma extraordinária: “O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. [...] Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos”.

Ouvi falar nela primeira vez em 2003. Tinha assumido a direção de redação da revista Época e procurava alguém para escrever crônicas quinzenais e revezar com Mário Prata. Conversei com amigos e pedi sugestões. A jornalista Sônia Racy me sugeriu Maitê Proença, que ainda não tinha assumido sua vertente literária. A publicitária Maria Lúcia Cucci, que também é madrinha da minha filha, falou em uma dupla de roteiristas (Young e seu marido, Alexandre Machado) responsável pelo seriado “Os Normais”, que eu adorava.

Recebi outras sugestões, mas fiquei entusiasmado com essas duas possibilidades. Falei com Maitê no Rio e acertamos tudo. Mas achei que a dupla Young-Machado poderia render mais que uma crônica – talvez uma seção fixa. Procura daqui, puxa dali e consegui o celular de Machado. Eram, porém, tempos pré-smartphone. O tal número caia sempre na caixa postal e deixei alguns recados. Nunca obtive resposta (talvez o número nem fosse dele) e acabei desistindo.

Como naquele filme “Nunca te vi, sempre te amei” (84 Charing Cross Road), com Anne Bancroft e Anthony Hopkins, fiquei seguindo à distância sua carreira e me divertia particularmente com sua participação no programa “Saia Justa”. Lembro de um episódio absolutamente hilariante na qual as apresentadoras combinaram de participar vestidas de três formas diferentes: como elas queriam ser, como elas achavam que eram e como as pessoas achavam que elas seriam. No último bloco, Fernanda Young apareceu vestida de Napoleão. Astrid Fontenelle, se não me engano, pergunta o porquê daquela escolha. A resposta: “Porque as pessoas me acham maluca, ué”.

Em 2007, tive uma surpresa agradável.

Tinha lançado um livro que misturava história e ficção envolvendo Santos Dumont e Júlio Verne) , que havia sido resenhado pela imprensa. Alguns dias depois do lançamento, um amigo me telefonou e disse que eu deveria comprar a revista Caras daquela semana, pois iria gostar de uma determinada matéria. Não falou mais nada. Intrigado, fui até à banca e vi que havia uma matéria sobre as publicações que as celebridades estavam lendo. Descobri, atônito, que Fernanda Young era minha leitora. “É o primeiro livro que Aluizio Falcão escreve. Li a resenha no jornal e achei muito interessante”.

Naquela época não havia redes sociais e não conhecia ninguém em comum. Nunca pude agradecer a recomendação e me conformei em segui-la pelos programas que redigia e, às vezes, atuava (como na impagável série “Surtadas na Yoga”). E também em suas crônicas em “O Globo”.
Aquela figura tatuada e rebelde, que chocava muitas pessoas pelo visual e comportamento, era de uma sensibilidade absurda e possuía um poder de observação que só os grandes escritores conseguem desenvolver. Basta ler suas últimas palavras publicadas para perceber isso: “Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país”.

Imagino o que ela poderia ter escrito nesses últimos dois anos. Certamente contribuiria maciçamente para o debate nacional e seria uma das vozes mais comentadas de nosso tempo (para o bem o para o mal). Fernanda, onde quer que você esteja, agradeço por ter sido seu leitor e por você ter lido minha única obra de ficção. Sabe como eu me sinto agora? Naquela base do “nunca te vi, sempre te admirei”.

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Por Aluizio Falcão Filho

Não, não é aniversário da morte de Fernanda Young ou de seu nascimento. Tampouco hoje é alguma efeméride relacionada a essa escritora. Então, por que falar dela? É que, nesta semana, voltou a circular pelas redes sociais a última coluna que publicou antes de morrer por conta de um severo ataque de asma. O texto, um petardo contra o ultraconservadorismo rastaquera e tacanho, é extremamente atual.

O início da crônica, batizada de “Bando de Cafonas”, é primoroso. Como os acordes da canção “Satisfaction”, dos Rolling Stones, que anunciam o que está por vir em grande estilo, este primeiro parágrafo descortina brilhantemente o tema a ser discutido sem entregar o ouro: “A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias”.

“Mau gosto existencial”. Uau... essa é uma frase que eu gostaria de ter escrito. Fernanda Young consegue captar a essência do ressentimento que move um determinado tipo de pessoa de forma extraordinária: “O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. [...] Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos”.

Ouvi falar nela primeira vez em 2003. Tinha assumido a direção de redação da revista Época e procurava alguém para escrever crônicas quinzenais e revezar com Mário Prata. Conversei com amigos e pedi sugestões. A jornalista Sônia Racy me sugeriu Maitê Proença, que ainda não tinha assumido sua vertente literária. A publicitária Maria Lúcia Cucci, que também é madrinha da minha filha, falou em uma dupla de roteiristas (Young e seu marido, Alexandre Machado) responsável pelo seriado “Os Normais”, que eu adorava.

Recebi outras sugestões, mas fiquei entusiasmado com essas duas possibilidades. Falei com Maitê no Rio e acertamos tudo. Mas achei que a dupla Young-Machado poderia render mais que uma crônica – talvez uma seção fixa. Procura daqui, puxa dali e consegui o celular de Machado. Eram, porém, tempos pré-smartphone. O tal número caia sempre na caixa postal e deixei alguns recados. Nunca obtive resposta (talvez o número nem fosse dele) e acabei desistindo.

Como naquele filme “Nunca te vi, sempre te amei” (84 Charing Cross Road), com Anne Bancroft e Anthony Hopkins, fiquei seguindo à distância sua carreira e me divertia particularmente com sua participação no programa “Saia Justa”. Lembro de um episódio absolutamente hilariante na qual as apresentadoras combinaram de participar vestidas de três formas diferentes: como elas queriam ser, como elas achavam que eram e como as pessoas achavam que elas seriam. No último bloco, Fernanda Young apareceu vestida de Napoleão. Astrid Fontenelle, se não me engano, pergunta o porquê daquela escolha. A resposta: “Porque as pessoas me acham maluca, ué”.

Em 2007, tive uma surpresa agradável.

Tinha lançado um livro que misturava história e ficção envolvendo Santos Dumont e Júlio Verne) , que havia sido resenhado pela imprensa. Alguns dias depois do lançamento, um amigo me telefonou e disse que eu deveria comprar a revista Caras daquela semana, pois iria gostar de uma determinada matéria. Não falou mais nada. Intrigado, fui até à banca e vi que havia uma matéria sobre as publicações que as celebridades estavam lendo. Descobri, atônito, que Fernanda Young era minha leitora. “É o primeiro livro que Aluizio Falcão escreve. Li a resenha no jornal e achei muito interessante”.

Naquela época não havia redes sociais e não conhecia ninguém em comum. Nunca pude agradecer a recomendação e me conformei em segui-la pelos programas que redigia e, às vezes, atuava (como na impagável série “Surtadas na Yoga”). E também em suas crônicas em “O Globo”.
Aquela figura tatuada e rebelde, que chocava muitas pessoas pelo visual e comportamento, era de uma sensibilidade absurda e possuía um poder de observação que só os grandes escritores conseguem desenvolver. Basta ler suas últimas palavras publicadas para perceber isso: “Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país”.

Imagino o que ela poderia ter escrito nesses últimos dois anos. Certamente contribuiria maciçamente para o debate nacional e seria uma das vozes mais comentadas de nosso tempo (para o bem o para o mal). Fernanda, onde quer que você esteja, agradeço por ter sido seu leitor e por você ter lido minha única obra de ficção. Sabe como eu me sinto agora? Naquela base do “nunca te vi, sempre te admirei”.

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