Fazer a coisa certa na economia ou tentar ganhar as eleições?
No fundo, o modelo democrático que prevê a reeleição induz os políticos a pensar em ciclos de quatro ou de oito anos
Da Redação
Publicado em 27 de janeiro de 2022 às 14h23.
Última atualização em 27 de janeiro de 2022 às 14h23.
Aluizio Falcão Filho
Utilizar truques econômicos para ganhar eleições é uma prática existente há muito tempo. Para ser mais exato, desde os anos do pós-guerra. Após 1945, a economia americana, assim como ocorria em vários países, seguiu totalmente a cartilha keynesiana segundo a qual o Estado tinha de intervir na economia para gerar empregos e, com isso, manter o consumo em alta. Empossado naquele ano, com a morte de Franklin Delano Roosevelt, o presidente Harry Truman manteve os gastos públicos no alto. Seu sucessor, Ike Eisenhower, seguiu à risca essa estratégia, embora tivesse reservas em relação às teses de John Maynard Keynes, especialmente no tocante aos seus efeitos sobre a inflação.
Eisenhower acabou gastando mais em defesa nos oito anos de mandato do que Roosevelt em toda a Segunda Guerra Mundial. E combateu eventuais engasgos de crescimento com dinheiro público investido em ações sociais, como a construção de rodovias. Mas, no último ano de mandato, resolveu que não queria fechar sua administração com um grande déficit (entre 1958 e 1959, as contas americanas ficaram negativas em US$ 13 bilhões). Cortou gastos e chegou ao final de 1960 com um superávit de US$ 259 milhões. Além disso, o Federal Reserve elevou fortemente as taxas de juros, apertando a política monetária.
Essas ações refrearam ligeiramente o crescimento do PIB naquele ano e tiveram impacto sobre o consumo da classe média, que vinha de uma década esplendorosa – não à toa, chamada de “Golden Age” (Era Dourada) por vários historiadores. Ao perceber que essa desaceleração criou descontentamento em parte do eleitorado, o então senador John Kennedy, candidato democrata à sucessão de Eisenhower, repisou insistentemente uma frase durante a campanha: “Vamos botar o país em movimento novamente”. Venceu o oponente por uma margem mínima, embora tenhamos de admitir que Richard Nixon era um candidato ruim quando comparado com o ar presidencial que a figura de Kennedy exalava — algo que ficou bastante claro no debate televisivo entre os dois (imagem).
Após a derrota dos republicanos em 1960, formou-se um consenso no mundo político – entre fazer a coisa certa e tentar ganhar as eleições, a segunda opção sempre vence. Esta estratégia foi adotada pela situação em praticamente todos os pleitos desde então. Vimos, por exemplo, a base aliada de José Sarney garantir ao eleitorado em 1986 que o congelamento de preços do Plano Cruzado seria mantido – apesar de todas as evidências em contrário. Dilma Rousseff, em sua reeleição, assegurou que manteria seu modelo econômico. Mas, uma vez reempossada, indicou o economista ortodoxo Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Hoje, vemos o governo, que em 2019 dizia seguir a agenda liberal, pisar fundo no acelerador dos gastos públicos para buscar a reeleição.
No fundo, o modelo democrático que prevê a reeleição induz os políticos a pensar em ciclos de quatro ou de oito anos. Na melhor das hipóteses, deixam para fazer a coisa certa no segundo mandato. Mas o que se vê frequentemente é o engajamento em uma candidatura de continuísmo, o que sempre faz impulsionar os gastos públicos em um círculo vicioso constante.
O fim da reeleição pode evitar a continuidade desse moto perpétuo. Mas o ideal seria contarmos com políticos que tivessem seus olhos postados no futuro, além de uma sociedade que também compreendesse a necessidade eventual de remédios amargos para resolver problemas da economia. Em dezembro, citei uma frase de humanista e escritor do século 19, James Freeman Clarke, que merece um repeteco: “O político pensa na próxima eleição; o estadista, na próxima geração”. Neste 2022 em que escolheremos nossos representantes nas urnas, precisamos lembrar deste ensinamento – e pensar bem na hora de votar.
Aluizio Falcão Filho
Utilizar truques econômicos para ganhar eleições é uma prática existente há muito tempo. Para ser mais exato, desde os anos do pós-guerra. Após 1945, a economia americana, assim como ocorria em vários países, seguiu totalmente a cartilha keynesiana segundo a qual o Estado tinha de intervir na economia para gerar empregos e, com isso, manter o consumo em alta. Empossado naquele ano, com a morte de Franklin Delano Roosevelt, o presidente Harry Truman manteve os gastos públicos no alto. Seu sucessor, Ike Eisenhower, seguiu à risca essa estratégia, embora tivesse reservas em relação às teses de John Maynard Keynes, especialmente no tocante aos seus efeitos sobre a inflação.
Eisenhower acabou gastando mais em defesa nos oito anos de mandato do que Roosevelt em toda a Segunda Guerra Mundial. E combateu eventuais engasgos de crescimento com dinheiro público investido em ações sociais, como a construção de rodovias. Mas, no último ano de mandato, resolveu que não queria fechar sua administração com um grande déficit (entre 1958 e 1959, as contas americanas ficaram negativas em US$ 13 bilhões). Cortou gastos e chegou ao final de 1960 com um superávit de US$ 259 milhões. Além disso, o Federal Reserve elevou fortemente as taxas de juros, apertando a política monetária.
Essas ações refrearam ligeiramente o crescimento do PIB naquele ano e tiveram impacto sobre o consumo da classe média, que vinha de uma década esplendorosa – não à toa, chamada de “Golden Age” (Era Dourada) por vários historiadores. Ao perceber que essa desaceleração criou descontentamento em parte do eleitorado, o então senador John Kennedy, candidato democrata à sucessão de Eisenhower, repisou insistentemente uma frase durante a campanha: “Vamos botar o país em movimento novamente”. Venceu o oponente por uma margem mínima, embora tenhamos de admitir que Richard Nixon era um candidato ruim quando comparado com o ar presidencial que a figura de Kennedy exalava — algo que ficou bastante claro no debate televisivo entre os dois (imagem).
Após a derrota dos republicanos em 1960, formou-se um consenso no mundo político – entre fazer a coisa certa e tentar ganhar as eleições, a segunda opção sempre vence. Esta estratégia foi adotada pela situação em praticamente todos os pleitos desde então. Vimos, por exemplo, a base aliada de José Sarney garantir ao eleitorado em 1986 que o congelamento de preços do Plano Cruzado seria mantido – apesar de todas as evidências em contrário. Dilma Rousseff, em sua reeleição, assegurou que manteria seu modelo econômico. Mas, uma vez reempossada, indicou o economista ortodoxo Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Hoje, vemos o governo, que em 2019 dizia seguir a agenda liberal, pisar fundo no acelerador dos gastos públicos para buscar a reeleição.
No fundo, o modelo democrático que prevê a reeleição induz os políticos a pensar em ciclos de quatro ou de oito anos. Na melhor das hipóteses, deixam para fazer a coisa certa no segundo mandato. Mas o que se vê frequentemente é o engajamento em uma candidatura de continuísmo, o que sempre faz impulsionar os gastos públicos em um círculo vicioso constante.
O fim da reeleição pode evitar a continuidade desse moto perpétuo. Mas o ideal seria contarmos com políticos que tivessem seus olhos postados no futuro, além de uma sociedade que também compreendesse a necessidade eventual de remédios amargos para resolver problemas da economia. Em dezembro, citei uma frase de humanista e escritor do século 19, James Freeman Clarke, que merece um repeteco: “O político pensa na próxima eleição; o estadista, na próxima geração”. Neste 2022 em que escolheremos nossos representantes nas urnas, precisamos lembrar deste ensinamento – e pensar bem na hora de votar.