Em tempo de fake news, temos que lidar também com as “wrong news”
Mesmo com todo cuidado, o jornalismo não é uma ciência exata e várias bolas acabam passando por debaixo das pernas, entrando vergonhosamente no gol
Bibiana Guaraldi
Publicado em 8 de janeiro de 2021 às 08h57.
Última atualização em 8 de janeiro de 2021 às 09h01.
Nós, jornalistas, somos treinados para não errar. É nossa obrigação checar e rechecar uma informação para não publicar algo que seja falso e ter de passar pelo vexame de uma errata. Neste contexto, temos que lidar diariamente com toneladas de fake news que chegam até nós via redes sociais, muitas vezes a bordo de posts de pessoas bem informadas (neste caso, é possível que a ansiedade em informar o círculo de amizades fale mais alto; se for uma notícia bombástica, muitos atuam na base do “atire primeiro e pergunte depois”).
Mesmo com todo esse cuidado, o jornalismo não é exatamente uma ciência exata e várias bolas acabam passando por debaixo das pernas, entrando vergonhosamente, em lentidão excruciante, no gol. Nessa semana, tivemos um caso desses. Uma nota despretensiosa do Correio Braziliense informava sobre os planos da NASA em colocar uma mulher no grupo de astronautas que deverá pousar na lua em 2024. Só que, em vez de creditar o primeiro passo em solo lunar a Neil Armstrong (aquele que disse, antes de pisar superfície do satélite terrestre, a célebre frase: “É um pequeno passo para um homem, mas um gigantesco salto para a Humanidade”), o redator escreveu o nome do músico Louis Armstrong (foto).
Uma tremenda mancada, corrigida segundos após a publicação. Mas o engano ficou tempo suficiente na rede para que milhares de pessoas vissem o texto original e salvassem sua imagem. Rapidamente, memes com a imagem do inesquecível “Satchmo” em roupa de astronauta surgiram na rede.
Apesar de tudo, esse não foi o maior erro já publicado na imprensa. Cito de memória duas outras enormes barrigas (como são chamadas essas trapalhadas no jargão jornalístico) – uma na Folha de São Paulo e outra na revista Veja (a da Folha foi impressa na edição de 7 de dezembro de 1994).
Talvez a errata publicada no dia seguinte seja mais eloquente que o erro propriamente dito: “Diferentemente do que foi publicado no texto “Artistas ‘periféricos’ passam despercebidos”, à pág. 5-3 da edição de ontem da Ilustrada, Jesus não foi enforcado, mas crucificado, e a frase “No princípio era o Verbo” está no Novo, não no Velho Testamento”.
Bem, até os ateus mais radicais sabem que o símbolo da Igreja Católica remete a um episódio plenamente difundido – o da crucificação de Jesus Cristo. Trata-se de um erro tão grotesco que entrou para a galeria dos maiores desatinos já cometidos na imprensa brasileira. O pior é que o autor da matéria não foi um estagiário ou um novato e sim um jornalista culto e respeitado não apenas na redação da Folha como em demais veículos.
O outro equívoco que rivaliza com este também foi cometido por um profissional de alta estirpe, que chegou ao comando de um importante veículo ao longo de sua carreira. Corria o ano de 1983 e a revista New Science, seguindo uma tradição humorística, publicou uma reportagem falsa em sua edição, alusiva ao primeiro de abril. Nesta matéria, dizia-se que na Universidade de Hamburgo (primeira pista sobre a brincadeira), dois cientistas, Barry McDonald e William Wimpe (segunda pista do chiste, pois os dois sobrenomes remetem a renomadas redes de hambúrgueres) tinham sintetizado a fusão das células de um boi e de um tomateiro.
O resultado desta manipulação genética seria uma planta capaz de produzir frutos com uma casca mais grossa e 50 % de proteína animal. A matéria chamava esses vegetais de “boimates” e tinha até um diagrama que mostrava, passo a passo, o feito científico.
O texto foi publicado e o correspondente da revista na Alemanha foi alvo de um puxão de orelhas. Como este grande avanço da ciência havia passado batido por ele, que deveria prestar atenção às atividades das universidades germânicas, entre as quais a de Hamburgo? Bem, o jornalista baseado em terras teutônicas foi investigar o fato e descobriu que tudo não passava de uma brincadeira. A redação não se deu por vencida e começou um trabalho paralelo de apuração, tentando falar com a redação da revista científica que tinha publicado o artigo original.
Enquanto isso, o jornal O Estado de S. Paulo percebera a barriga e ficou esperando pela errata de Veja. Como a revista demorou para reconhecer o erro, no dia 26 de junho, o jornal publicou uma reportagem mostrando a impossibilidade de sintetizar um “boimate”, afirmando inclusive que a reportagem original da New Science era uma brincadeira. Na semana seguinte, finalmente, Veja publicou uma retratação e pediu desculpas aos leitores, dizendo se tratar de “um lastimável equívoco”.
Como resposta ao artigo do Estadão, choveram cartas de leitores. A mais divertida delas propunha que os estudos da Universidade de Hamburgo fossem estendidos ao feijoeiro e ao porco, criando então o “porcojão”. Esta descoberta científica seria um sucesso inequívoco em nosso país, pois traria em um só produto o prato favorito dos brasileiros – a feijoada completa.
Nós, jornalistas, somos treinados para não errar. É nossa obrigação checar e rechecar uma informação para não publicar algo que seja falso e ter de passar pelo vexame de uma errata. Neste contexto, temos que lidar diariamente com toneladas de fake news que chegam até nós via redes sociais, muitas vezes a bordo de posts de pessoas bem informadas (neste caso, é possível que a ansiedade em informar o círculo de amizades fale mais alto; se for uma notícia bombástica, muitos atuam na base do “atire primeiro e pergunte depois”).
Mesmo com todo esse cuidado, o jornalismo não é exatamente uma ciência exata e várias bolas acabam passando por debaixo das pernas, entrando vergonhosamente, em lentidão excruciante, no gol. Nessa semana, tivemos um caso desses. Uma nota despretensiosa do Correio Braziliense informava sobre os planos da NASA em colocar uma mulher no grupo de astronautas que deverá pousar na lua em 2024. Só que, em vez de creditar o primeiro passo em solo lunar a Neil Armstrong (aquele que disse, antes de pisar superfície do satélite terrestre, a célebre frase: “É um pequeno passo para um homem, mas um gigantesco salto para a Humanidade”), o redator escreveu o nome do músico Louis Armstrong (foto).
Uma tremenda mancada, corrigida segundos após a publicação. Mas o engano ficou tempo suficiente na rede para que milhares de pessoas vissem o texto original e salvassem sua imagem. Rapidamente, memes com a imagem do inesquecível “Satchmo” em roupa de astronauta surgiram na rede.
Apesar de tudo, esse não foi o maior erro já publicado na imprensa. Cito de memória duas outras enormes barrigas (como são chamadas essas trapalhadas no jargão jornalístico) – uma na Folha de São Paulo e outra na revista Veja (a da Folha foi impressa na edição de 7 de dezembro de 1994).
Talvez a errata publicada no dia seguinte seja mais eloquente que o erro propriamente dito: “Diferentemente do que foi publicado no texto “Artistas ‘periféricos’ passam despercebidos”, à pág. 5-3 da edição de ontem da Ilustrada, Jesus não foi enforcado, mas crucificado, e a frase “No princípio era o Verbo” está no Novo, não no Velho Testamento”.
Bem, até os ateus mais radicais sabem que o símbolo da Igreja Católica remete a um episódio plenamente difundido – o da crucificação de Jesus Cristo. Trata-se de um erro tão grotesco que entrou para a galeria dos maiores desatinos já cometidos na imprensa brasileira. O pior é que o autor da matéria não foi um estagiário ou um novato e sim um jornalista culto e respeitado não apenas na redação da Folha como em demais veículos.
O outro equívoco que rivaliza com este também foi cometido por um profissional de alta estirpe, que chegou ao comando de um importante veículo ao longo de sua carreira. Corria o ano de 1983 e a revista New Science, seguindo uma tradição humorística, publicou uma reportagem falsa em sua edição, alusiva ao primeiro de abril. Nesta matéria, dizia-se que na Universidade de Hamburgo (primeira pista sobre a brincadeira), dois cientistas, Barry McDonald e William Wimpe (segunda pista do chiste, pois os dois sobrenomes remetem a renomadas redes de hambúrgueres) tinham sintetizado a fusão das células de um boi e de um tomateiro.
O resultado desta manipulação genética seria uma planta capaz de produzir frutos com uma casca mais grossa e 50 % de proteína animal. A matéria chamava esses vegetais de “boimates” e tinha até um diagrama que mostrava, passo a passo, o feito científico.
O texto foi publicado e o correspondente da revista na Alemanha foi alvo de um puxão de orelhas. Como este grande avanço da ciência havia passado batido por ele, que deveria prestar atenção às atividades das universidades germânicas, entre as quais a de Hamburgo? Bem, o jornalista baseado em terras teutônicas foi investigar o fato e descobriu que tudo não passava de uma brincadeira. A redação não se deu por vencida e começou um trabalho paralelo de apuração, tentando falar com a redação da revista científica que tinha publicado o artigo original.
Enquanto isso, o jornal O Estado de S. Paulo percebera a barriga e ficou esperando pela errata de Veja. Como a revista demorou para reconhecer o erro, no dia 26 de junho, o jornal publicou uma reportagem mostrando a impossibilidade de sintetizar um “boimate”, afirmando inclusive que a reportagem original da New Science era uma brincadeira. Na semana seguinte, finalmente, Veja publicou uma retratação e pediu desculpas aos leitores, dizendo se tratar de “um lastimável equívoco”.
Como resposta ao artigo do Estadão, choveram cartas de leitores. A mais divertida delas propunha que os estudos da Universidade de Hamburgo fossem estendidos ao feijoeiro e ao porco, criando então o “porcojão”. Esta descoberta científica seria um sucesso inequívoco em nosso país, pois traria em um só produto o prato favorito dos brasileiros – a feijoada completa.