E se os governadores perderem o comando das polícias estaduais?
O deputado Capitão Augusto, coordenador da “bancada da bala”, confirmou que existem propostas nesse sentido, mas rechaçou a ideia de que essa iniciativa seja um “autogolpe”
isabelarovaroto
Publicado em 12 de janeiro de 2021 às 07h42.
Ontem, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que há no Congresso Nacional pelo menos dois projetos que pretendem retirar a autoridade dos governadores em relação às polícias estaduais. Dessa forma, o comando dos esquadrões civis e militares ficariam sob o controle da União, cabendo ao mandatário estadual escolher a chefia policial através de uma listra tríplice elaborada pela própria corporação. Mais tarde, durante o dia, o deputado Capitão Augusto, coordenador da Frente Parlamentar de Segurança Pública (mais conhecida em Brasília como a “bancada da bala”), confirmou que existem propostas nesse sentido. O deputado, no entanto, rechaçou a ideia de que essa iniciativa seja uma espécie de “autogolpe” para aumentar os poderes policiais e dar autonomia total aos combatentes do crime.
A chamada bancada da bala é estimada em 306 deputados. Portanto, teoricamente, este grupo sozinho teria poderes para aprovar um projeto de lei que eleve a independência das polícias (ocorre, porém, que muitos destes mesmos parlamentares votariam a favor dos interesses de seus governadores – ou seja, uma plenária dessas seria uma verdadeira caixa de surpresas). O governo federal acompanha o desenrolar deste processo, diz o deputado Augusto, e será consultado mais tarde para que suas eventuais sugestões sejam incorporadas ao texto final.
Vamos sem mais delongas aos dois bodes que entraram na antessala dos governadores, em especial o de São Paulo, João Doria.
O primeiro ponto que se pode criticar no projeto é seu corporativismo. Uma lista tríplice seria elaborada por um grupo de elite para que os governadores escolham as chefias policiais e haveria regras muito rígidas para evitar demissões de cunho político. Sabemos que o serviço público, quando cobrado de forma independente pelos governos democraticamente eleitos, funciona muito melhor. Quando gozam de estabilidade ou têm o poder de driblar as orientações das autoridades, os resultados geralmente são pífios.
Segundo ponto: do jeito que está, os governos estaduais nunca poderão exercer qualquer tipo de comando sobre seu arcabouço policial – e ainda por cima terão de pagar suas contas. Os comandantes policiais simplesmente podem ignorar o que dizem os mandatários estaduais e dificilmente poderão ser derrubados. Esse quesito em particular ganha importância quando lembramos que o item “segurança” sempre está entre as principais preocupações do eleitorado, tanto é existem inúmeros parlamentares estaduais e federais com alcunhas como as de “delegado”, “capitão”, “policial”, “major” e “coronel”.
No entanto, há um terceiro bode, que atinge toda a sociedade: na prática, a União cria mais uma força armada nacional que teria um comando próprio (seriam criadas as figuras de generais de polícia, que não existem em países como Estados Unidos, Inglaterra e França – para ficar em uma lista mínima). Esses generais não teriam a qualidade de formação que seus colegas de 4 estrelas do Exército, por exemplo, possuem. Em tese, seriam comandantes de mais de 400 000 soldados, cabos, sargentos, tenentes, majores, capitães e coronéis. A título de comparação, temos 335 000 militares distribuídos em solo nacional.
Vamos imaginar o que Donald Trump tivesse tido uma ideia similar à da bancada da bala e, hoje, possuísse o comando de todos os policiais americanos. O que Trump faria em seus momentos de delírio, negando o resultado de uma eleição realizada dentro das regras, se tivesse o comando direto dessa força armada? Talvez a invasão do Congresso, dentro deste contexto, fosse fichinha perto do que poderia acontecer em várias cidades dos EUA.
E no Brasil? Correríamos o risco de criar mais um poder armado, com uma capilaridade bem maior que a do Exército, hoje ainda sofrendo os reflexos dos anos que ficou a pão e água, especialmente no governo Fernando Henrique Cardoso. O que poderia ocorrer aqui caso o poder de utilizar 400 000 policiais ficasse concentrado na União?
Estou sendo paranoico? Talvez. Mas, como disse Andy Grove, CEO da Intel nos anos 1990, “só os paranoicos sobrevivem”. Carrego esta máxima comigo desde que a ouvi pela primeira vez, em 1996, e não me arrependo até hoje.
Essa proposta precisa ser acompanhada de perto pela sociedade brasileira. Suas implicações podem ser extremamente desastrosas para o país caso façamos pouco caso de suas reais chances de aprovação no Congresso.
Ontem, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que há no Congresso Nacional pelo menos dois projetos que pretendem retirar a autoridade dos governadores em relação às polícias estaduais. Dessa forma, o comando dos esquadrões civis e militares ficariam sob o controle da União, cabendo ao mandatário estadual escolher a chefia policial através de uma listra tríplice elaborada pela própria corporação. Mais tarde, durante o dia, o deputado Capitão Augusto, coordenador da Frente Parlamentar de Segurança Pública (mais conhecida em Brasília como a “bancada da bala”), confirmou que existem propostas nesse sentido. O deputado, no entanto, rechaçou a ideia de que essa iniciativa seja uma espécie de “autogolpe” para aumentar os poderes policiais e dar autonomia total aos combatentes do crime.
A chamada bancada da bala é estimada em 306 deputados. Portanto, teoricamente, este grupo sozinho teria poderes para aprovar um projeto de lei que eleve a independência das polícias (ocorre, porém, que muitos destes mesmos parlamentares votariam a favor dos interesses de seus governadores – ou seja, uma plenária dessas seria uma verdadeira caixa de surpresas). O governo federal acompanha o desenrolar deste processo, diz o deputado Augusto, e será consultado mais tarde para que suas eventuais sugestões sejam incorporadas ao texto final.
Vamos sem mais delongas aos dois bodes que entraram na antessala dos governadores, em especial o de São Paulo, João Doria.
O primeiro ponto que se pode criticar no projeto é seu corporativismo. Uma lista tríplice seria elaborada por um grupo de elite para que os governadores escolham as chefias policiais e haveria regras muito rígidas para evitar demissões de cunho político. Sabemos que o serviço público, quando cobrado de forma independente pelos governos democraticamente eleitos, funciona muito melhor. Quando gozam de estabilidade ou têm o poder de driblar as orientações das autoridades, os resultados geralmente são pífios.
Segundo ponto: do jeito que está, os governos estaduais nunca poderão exercer qualquer tipo de comando sobre seu arcabouço policial – e ainda por cima terão de pagar suas contas. Os comandantes policiais simplesmente podem ignorar o que dizem os mandatários estaduais e dificilmente poderão ser derrubados. Esse quesito em particular ganha importância quando lembramos que o item “segurança” sempre está entre as principais preocupações do eleitorado, tanto é existem inúmeros parlamentares estaduais e federais com alcunhas como as de “delegado”, “capitão”, “policial”, “major” e “coronel”.
No entanto, há um terceiro bode, que atinge toda a sociedade: na prática, a União cria mais uma força armada nacional que teria um comando próprio (seriam criadas as figuras de generais de polícia, que não existem em países como Estados Unidos, Inglaterra e França – para ficar em uma lista mínima). Esses generais não teriam a qualidade de formação que seus colegas de 4 estrelas do Exército, por exemplo, possuem. Em tese, seriam comandantes de mais de 400 000 soldados, cabos, sargentos, tenentes, majores, capitães e coronéis. A título de comparação, temos 335 000 militares distribuídos em solo nacional.
Vamos imaginar o que Donald Trump tivesse tido uma ideia similar à da bancada da bala e, hoje, possuísse o comando de todos os policiais americanos. O que Trump faria em seus momentos de delírio, negando o resultado de uma eleição realizada dentro das regras, se tivesse o comando direto dessa força armada? Talvez a invasão do Congresso, dentro deste contexto, fosse fichinha perto do que poderia acontecer em várias cidades dos EUA.
E no Brasil? Correríamos o risco de criar mais um poder armado, com uma capilaridade bem maior que a do Exército, hoje ainda sofrendo os reflexos dos anos que ficou a pão e água, especialmente no governo Fernando Henrique Cardoso. O que poderia ocorrer aqui caso o poder de utilizar 400 000 policiais ficasse concentrado na União?
Estou sendo paranoico? Talvez. Mas, como disse Andy Grove, CEO da Intel nos anos 1990, “só os paranoicos sobrevivem”. Carrego esta máxima comigo desde que a ouvi pela primeira vez, em 1996, e não me arrependo até hoje.
Essa proposta precisa ser acompanhada de perto pela sociedade brasileira. Suas implicações podem ser extremamente desastrosas para o país caso façamos pouco caso de suas reais chances de aprovação no Congresso.