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É possível ser otimista no Brasil de hoje?

“Tudo demorando em ser tão ruim”, cantavam Gilberto Gil e Caetano Veloso. Esse é o espírito dos tempos atuais

 (Amanda Perobelli/Reuters)
(Amanda Perobelli/Reuters)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 25 de março de 2021 às, 08h53.

Vamos ser sinceros. Estamos passando por um momento difícil. Um cenário sanitário caótico, no qual temos mais de 3 000 mortes registradas diariamente em nosso país. Uma economia que sofre os efeitos da pandemia, além de uma inflação que é turbinada pela sazonalidade e um déficit público crescente. Além disso, um panorama político bastante confuso, que antecede uma eleição presidencial que se tornou imprevisível.

São elementos que nos colocam em frente a um futuro desconhecido, o que causa insegurança e temor. Trata-se de uma reação natural da raça humana nesses momentos: o indivíduo se prepara para o pior ou não consegue enxergar uma saída. “Tudo demorando em ser tão ruim”, cantavam Gilberto Gil e Caetano Veloso na canção “Desde Que o Samba é Samba”. Esse é o espírito dos tempos atuais.

O sentimento de insegurança e a incapacidade de enxergar a famosa luz ao final do túnel levam muitos a um estado latente de pessimismo. Na política, bolsonaristas culpam a imprensa e a esquerda por tudo de ruim que estamos vivendo. A esquerda demoniza o governo e vive imersa em críticas. Quem está no centro, ouve os dois lados e acaba dando razão, alternadamente, a ambos. O resultado? O desânimo se abate sobre os três grupos.

No combate à pandemia, temos um colisão diária entre grupos negacionistas e adeptos da ciência. Argumentos são esgrimidos de um lado e de outro, sem que ninguém consiga convencer o oponente. O resultado desse embate é a agressividade – e, mais uma vez, o derrotismo.

Por fim, temos ainda o grupo dos nostálgicos, pessoas que estão acima dos 50 anos e ficam trocando mensagens pela rede social exaltando os tempos de outrora. Como era bom brincar na rua, não usar capacete andando de moto, pedir a bênção aos pais e outras coisas. Isso foi ótimo para essa geração. Mas o tempo passou e, para os jovens de agora, o mundo é diferente. O mundo que os baby boomers conheceram está acabando a olhos vistos – e muitas pessoas se incomodam com isso. O resultado dessa pregação inútil da nostalgia? Mais ceticismo em relação ao futuro.

(Um comentário complementar aqui: sou um baby boomer e, quando adolescente, cansei de ouvir dos mais velhos que tempo bom mesmo era o dos anos 1940 e 1950. Como se vê, essa busca pela nostalgia é cíclica)

Muitos de nós estão preocupados com a situação atual. Isso é normal e, diga-se, desejável. O mar não está para peixe e precisamos nos preocupar. Esse é o ponto principal para buscarmos as soluções que necessitamos. Mas preocupação é uma coisa; pessimismo é outra.

A imprensa ajuda a ficarmos nesse atoleiro, pois lemos, ouvimos e assistimos várias desgraças diariamente. Mas jornais, revistas e emissoras apenas narram o que está acontecendo ao nosso redor. O professor de economia do Dartmouth College, Bruno Sacerdote, acredita que os veículos estão apenas dando ao público aquilo que ele deseja consumir. “Seres humanos, especialmente aqueles que consomem a grande mídia, gostam de negatividade nas reportagens”, afirmou ele ao New York Times em artigo publicado ontem na seção “The Morning”. “Os grandes veículos, assim, estão respondendo à demanda do público”.

Talvez nessa hora de descontentamento generalizado os empreendedores tenham algo a ensinar. O espírito dessas pessoas é moldado com fé no futuro. E fé (não estou me referindo à religião) é algo que que mantém as pessoas longe da negatividade. Estamos vivendo um momento horroroso, mas ele não vai durar para sempre – e isso vale para qualquer aspecto de nossa vida.

Estamos desanimados. Mas vamos pensar em nossos avôs. Eles enfrentaram duas guerras mundiais e ainda encararam uma gripe espanhola no meio. Palmas para eles, que criaram nossos pais e os prepararam para a vida. O segredo deles? A perseverança, o estoicismo e a capacidade de superação.

Precisamos nos espelhar nesses exemplos e naqueles que surgem à frente, mesmo diante de tantas adversidades. Uma amostra de confiança no futuro surgiu ontem: o Carrefour, que tem o brasileiro Abilio Diniz como grande acionista e membro do Conselho de Administração, anunciou a compra da rede Big por R$ 7,5 bilhões. Em meio à pandemia, cenário econômico difícil e um panorama político difícil de ler. Mesmo assim, o grupo francês mostrou fé no Brasil e em nosso mercado.

Voltando à música de Gil e Caetano. O restante da letra mostra que, dentro de nós, há formas singelas de espantar o sentimento de derrota: “Mas alguma coisa acontece/No quando agora em mim/Cantando eu mando a tristeza embora/ O samba ainda vai nascer/O samba ainda não chegou/O samba não vai morrer/Veja, o dia ainda não raiou/O samba é o pai do prazer/ O samba é o filho da dor/ O grande poder transformador”.

Mais do que nunca, precisamos nos transformar e exercer o poder dessa transformação. Antes que o pessimismo nos devore.