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É mais forte que ele: Bolsonaro não consegue ficar quieto

"Mais uma vez, o presidente espalha fake news ou cede a teorias da conspiração. O que se espera de um mandatário é justamente o contrário"

Presidente Jair Bolsonaro (EVARISTO SA/AFP)
DR

Da Redação

Publicado em 12 de agosto de 2021 às 18h26.

Por Aluizio Falcão Filho

O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse a quem quisesse ouvir sobre a votação da Proposta de Emenda Constitucional que reestabeleceria o voto impresso no país: ““O presidente [Jair] Bolsonaro me garantiu que respeitaria o resultado do plenário”. Lira, assim, esperava que o assunto fosse encerrado e que a página sobre o sistema eleitoral vigente no país fosse virada, já que a situação não conseguiu os 308 votos necessários para efetuar a mudança na Carta.

Ontem mesmo, algumas horas depois da deliberação do plenário sobre o tema, o presidente aproveitou a costumeira parada no cercadinho do Palácio do Alvorada para dar seu recado: “Quero agradecer à metade do Parlamento que votou de forma favorável ao voto impresso, parte da outra metade que votou contra, que entendo votou chantageada. Uma outra parte que absteve, não todos, mas alguns lá não votaram por medo de retaliação”.

A quantidade de votos favoráveis não foi exatamente a metade da Câmara, mas essa é uma discussão menor. O ponto mais importante é que Bolsonaro afirma haver chantagem junto a uma enorme quantidade de parlamentares. O objetivo: para eles se posicionassem contrariamente ao retorno da votação em cédulas de papel. Neste caso, o chantagista seria ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Digamos que isso seja verdade. Barroso teria condições físicas de se encontrar ou mesmo telefonar para mais de duzentos parlamentares e coagi-los? Mais duas perguntas. A primeira: será que temos duas centenas de deputados com o rabo preso e obedientes a um juiz do Supremo? Segunda: como o presidente considera isso um fator atenuante, como se fosse normal alguém ceder a esse tipo de pressão?

Bolsonaro foi em frente: “A gente vê um cidadão andando pelos corredores da Câmara, repetindo exatamente o que disse o José Dirceu (referindo-se novamente a Barroso)”. O comentário do presidente tem origem em um vídeo que circulou nos últimos dias, no qual o presidente do TSE aparece dizendo uma frase assustadora: “Não se ganha eleição, se toma”.
Ocorre que o vídeo foi editado e a frase tirada de contexto. O juiz apenas estava citando uma frase dita por um deputado sobre o que acontecia na época em que os votos eram impressos e, portanto, sujeitos a fraudes.

Mais uma vez, o presidente espalha fake news ou cede a teorias da conspiração. O que se espera de um mandatário é justamente o contrário: alguém com ponderação para acalmar a sociedade, não a deixar constantemente sobressaltada. Ao agir dessa forma, Bolsonaro parece não perceber o peso de suas palavras. Ou, por outro lado, se comporta assim de caso pensado, o que pode ser interpretado como pura e simples irresponsabilidade.

Sabe-se que Lira está irritado, mas não surpreso. Foi alertado por vários deputados de que, após a votação da Câmara, o presidente da República iria dar declarações polêmicas e manter o ambiente pesado. O presidente da Câmara não gostou. Assinalou o comportamento de Jair Bolsonaro em seu caderninho e vai providenciar o troco na hora certa.

Para tentar desanuviar o clima, o ministro Ciro Nogueira entrou em ação para reconstruir pontes, procurando o presidente do STF, Luiz Fux, para uma conversa. Ciro é conhecido por sua capacidade de conseguir dar nó em pingo d’água. Conseguirá? Essa missão parece ser impossível, mas a lábia do senador é quase legendária.

Esse é mais um episódio em que Bolsonaro repete um de seus esquetes favoritos: prefere desabafar e agitar seu grupo de apoiadores mais fiéis do que colocar panos quentes no cenário político. A predileção do presidente por um ambiente conturbado é tamanha que se espera para hoje novos capítulos de destempero verbal e de confronto junto à Alta Corte.

Essa marcação cerrada tem ajudado a piorar a avaliação do Judiciário junto à sociedade. Na classe empresarial, são muitos aqueles que criticam o STF – e acabam sendo sensibilizados pelas críticas do presidente. Não se pode dizer que o Supremo tenha tido um comportamento irrepreensível no passado recente (a votação que decidiu proibir a recondução de Rodrigo Maia à presidência da Câmara pela terceira vez, para ficar em um exemplo, mostrou que há juízes com uma capacidade muito elástica na hora de interpretar a Constituição brasileira), o que tona o embate de Bolsonaro ainda mais agitado.

Nesta briga, todos saem perdendo. Bolsonaro sofre retaliações. O STF perde credibilidade. E os brasileiros são submetidos a um desgaste violento e desnecessário. Estamos lutando para recuperar a economia do país, devastada pela pandemia. A última coisa que precisamos agora é uma briga estendida entre dois dos três poderes da República. Mas é o que temos para o momento.

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Por Aluizio Falcão Filho

O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse a quem quisesse ouvir sobre a votação da Proposta de Emenda Constitucional que reestabeleceria o voto impresso no país: ““O presidente [Jair] Bolsonaro me garantiu que respeitaria o resultado do plenário”. Lira, assim, esperava que o assunto fosse encerrado e que a página sobre o sistema eleitoral vigente no país fosse virada, já que a situação não conseguiu os 308 votos necessários para efetuar a mudança na Carta.

Ontem mesmo, algumas horas depois da deliberação do plenário sobre o tema, o presidente aproveitou a costumeira parada no cercadinho do Palácio do Alvorada para dar seu recado: “Quero agradecer à metade do Parlamento que votou de forma favorável ao voto impresso, parte da outra metade que votou contra, que entendo votou chantageada. Uma outra parte que absteve, não todos, mas alguns lá não votaram por medo de retaliação”.

A quantidade de votos favoráveis não foi exatamente a metade da Câmara, mas essa é uma discussão menor. O ponto mais importante é que Bolsonaro afirma haver chantagem junto a uma enorme quantidade de parlamentares. O objetivo: para eles se posicionassem contrariamente ao retorno da votação em cédulas de papel. Neste caso, o chantagista seria ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Digamos que isso seja verdade. Barroso teria condições físicas de se encontrar ou mesmo telefonar para mais de duzentos parlamentares e coagi-los? Mais duas perguntas. A primeira: será que temos duas centenas de deputados com o rabo preso e obedientes a um juiz do Supremo? Segunda: como o presidente considera isso um fator atenuante, como se fosse normal alguém ceder a esse tipo de pressão?

Bolsonaro foi em frente: “A gente vê um cidadão andando pelos corredores da Câmara, repetindo exatamente o que disse o José Dirceu (referindo-se novamente a Barroso)”. O comentário do presidente tem origem em um vídeo que circulou nos últimos dias, no qual o presidente do TSE aparece dizendo uma frase assustadora: “Não se ganha eleição, se toma”.
Ocorre que o vídeo foi editado e a frase tirada de contexto. O juiz apenas estava citando uma frase dita por um deputado sobre o que acontecia na época em que os votos eram impressos e, portanto, sujeitos a fraudes.

Mais uma vez, o presidente espalha fake news ou cede a teorias da conspiração. O que se espera de um mandatário é justamente o contrário: alguém com ponderação para acalmar a sociedade, não a deixar constantemente sobressaltada. Ao agir dessa forma, Bolsonaro parece não perceber o peso de suas palavras. Ou, por outro lado, se comporta assim de caso pensado, o que pode ser interpretado como pura e simples irresponsabilidade.

Sabe-se que Lira está irritado, mas não surpreso. Foi alertado por vários deputados de que, após a votação da Câmara, o presidente da República iria dar declarações polêmicas e manter o ambiente pesado. O presidente da Câmara não gostou. Assinalou o comportamento de Jair Bolsonaro em seu caderninho e vai providenciar o troco na hora certa.

Para tentar desanuviar o clima, o ministro Ciro Nogueira entrou em ação para reconstruir pontes, procurando o presidente do STF, Luiz Fux, para uma conversa. Ciro é conhecido por sua capacidade de conseguir dar nó em pingo d’água. Conseguirá? Essa missão parece ser impossível, mas a lábia do senador é quase legendária.

Esse é mais um episódio em que Bolsonaro repete um de seus esquetes favoritos: prefere desabafar e agitar seu grupo de apoiadores mais fiéis do que colocar panos quentes no cenário político. A predileção do presidente por um ambiente conturbado é tamanha que se espera para hoje novos capítulos de destempero verbal e de confronto junto à Alta Corte.

Essa marcação cerrada tem ajudado a piorar a avaliação do Judiciário junto à sociedade. Na classe empresarial, são muitos aqueles que criticam o STF – e acabam sendo sensibilizados pelas críticas do presidente. Não se pode dizer que o Supremo tenha tido um comportamento irrepreensível no passado recente (a votação que decidiu proibir a recondução de Rodrigo Maia à presidência da Câmara pela terceira vez, para ficar em um exemplo, mostrou que há juízes com uma capacidade muito elástica na hora de interpretar a Constituição brasileira), o que tona o embate de Bolsonaro ainda mais agitado.

Nesta briga, todos saem perdendo. Bolsonaro sofre retaliações. O STF perde credibilidade. E os brasileiros são submetidos a um desgaste violento e desnecessário. Estamos lutando para recuperar a economia do país, devastada pela pandemia. A última coisa que precisamos agora é uma briga estendida entre dois dos três poderes da República. Mas é o que temos para o momento.

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