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De que valem ideias liberais sem inteligência emocional?

Brasil e Argentina são nações polarizadas e têm líderes que vivem provocando a oposição; não à toa, os índices de aprovação dos presidentes são parecidos

Javier Milei, presidente da Argentina, durante evento em Buenos Aires (Luis Robayo/AFP)

Publicado em 22 de março de 2024 às 15h55.

Durante a campanha de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro foi ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Em um determinado momento, foi chamado a contar um sonho seu. A resposta: “Fazer do Brasil um país liberal”. Eleito, Bolsonaro chamou um dos maiores nomes do liberalismo brasileiro, o economista Paulo Guedes, para comandar a pasta da Fazenda. E Guedes conseguiu implementar várias medidas liberalizantes que desamarraram a atividade empresarial.

Mas o ex-ministro acabou tendo seu trabalho tolhido pelo estilo beligerante de Bolsonaro, que brigava até com a própria sombra. Depois de ficar às turras com o Congresso durante dezoito meses e ter enormes dificuldades para fazer seguir sua agenda de trabalho, o Planalto finalmente fechou um acordo com o Centrão e seguiu em frente.

Mas o ex-presidente, de tempos em tempos, escolhia alguém para se desentender – muitas vezes, seus próprios aliados. De briga em briga, foi perdendo popularidade e queimando capital político. Diante disso, imaginemos por um instante o que poderia ter sido esse governo se Bolsonaro tivesse se contido e não fosse tão belicoso. Provavelmente, a agenda liberal teria prosperado muito mais – especialmente no tocante ao processo de privatizações.

Talvez Bolsonaro não seja o estereótipo do liberal brasileiro, mas deve ter sido o único presidente que abraçou para valer a causa do liberalismo. Na hora em que sua reeleição ficou mais difícil, porém, lançou mão de medidas populistas e armou uma bomba fiscal de efeito retardado para 2023.

Hoje, Javier Milei desponta como o único defensor da causa liberal na América Latina. Mas também é devoto do belicismo, constantemente provocando os oponentes e chamando-os para o ringue (nesse aspecto, é parecido com Bolsonaro, embora existam várias diferenças entre os dois). Com um temperamento agressivo, o presidente argentino tem dificuldades de se relacionar com o Congresso e sofreu recentemente uma derrota no Senado, que não aprovou o decretaço que instituía suas medidas iniciais de governo.

Brasil e Argentina são nações polarizadas e têm líderes que vivem provocando a oposição (aqui, com o sinal trocado). Não é à toa que os índices de aprovação dos presidentes sejam parecidos, assim como os de desaprovação.

Diante dessa divisão, seria prudente partir para o confronto? Será que não falta a Milei (como faltou a Bolsonaro) um pouco de inteligência emocional? Política é exercida através do relacionamento humano. Não adianta tentar aprovar suas medidas com socos e pontapés. Isso, pelo contrário, afasta ainda mais os opositores ou os isentões.

Talvez a inteligência emocional que falta a Milei e a Bolsonaro também seja escassa na mente de vários líderes do liberalismo brasileiro. Os liberais, de maneira geral, fixam seu discurso no controle de gastos públicos na crítica ao gigantismo do Estado aqui no país – o que, do ponto de vista racional, está absolutamente certo.

Só que a mensagem subliminar que se passa ao bater diuturnamente nessa tecla é a de que os liberais são pessoas privilegiadas querendo fazer ajustes fiscais às custas da população pobre (algo que é explorado pela ala esquerdista). Há, porém, outros argumentos que podem ser utilizados junto à sociedade. Pagar menos impostos quando o Estado diminui é um deles; ter melhores condições para montar seu próprio negócio e prosperar é outro; possuir maior liberdade de expressão é mais um.

Curiosamente, os esquerdistas se parecem, neste quesito, com os evangélicos – embora estes dois grupos sejam diametralmente opostos no espectro ideológico. Os evangélicos propõem que a riqueza e a prosperidade sejam sinais de salvação na vida eterna; já os católicos dizem que apenas os pobres serão salvos no mundo espiritual.

Na prática, os católicos – como os liberais – pregam que haverá a felicidade na próxima temporada; os evangélicos – e a esquerda – querem ser felizes imediatamente. Qual dos dois discursos terá maior apelo junto à sociedade?

Se os profetas liberais quiserem ser ouvidos pela multidão, é preciso mudar o discurso, mas mantendo as ideias originais. No mundo digital, em que as pessoas estão viciadas na dopamina fácil das redes sociais, ninguém quer saber de sacrifícios – ou, pelo menos, não querem ouvir primeiro o lado ruim e depois escutar o bom. Sem uma boa estratégia de comunicação, o liberalismo corre o risco de se transformar em um grupo de iniciados e de gênios incompreendidos. Se não entender o que a massa quer ouvir, estará condenado a ser apenas um grupo elitista que pregará entre seus convertidos.

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Durante a campanha de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro foi ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Em um determinado momento, foi chamado a contar um sonho seu. A resposta: “Fazer do Brasil um país liberal”. Eleito, Bolsonaro chamou um dos maiores nomes do liberalismo brasileiro, o economista Paulo Guedes, para comandar a pasta da Fazenda. E Guedes conseguiu implementar várias medidas liberalizantes que desamarraram a atividade empresarial.

Mas o ex-ministro acabou tendo seu trabalho tolhido pelo estilo beligerante de Bolsonaro, que brigava até com a própria sombra. Depois de ficar às turras com o Congresso durante dezoito meses e ter enormes dificuldades para fazer seguir sua agenda de trabalho, o Planalto finalmente fechou um acordo com o Centrão e seguiu em frente.

Mas o ex-presidente, de tempos em tempos, escolhia alguém para se desentender – muitas vezes, seus próprios aliados. De briga em briga, foi perdendo popularidade e queimando capital político. Diante disso, imaginemos por um instante o que poderia ter sido esse governo se Bolsonaro tivesse se contido e não fosse tão belicoso. Provavelmente, a agenda liberal teria prosperado muito mais – especialmente no tocante ao processo de privatizações.

Talvez Bolsonaro não seja o estereótipo do liberal brasileiro, mas deve ter sido o único presidente que abraçou para valer a causa do liberalismo. Na hora em que sua reeleição ficou mais difícil, porém, lançou mão de medidas populistas e armou uma bomba fiscal de efeito retardado para 2023.

Hoje, Javier Milei desponta como o único defensor da causa liberal na América Latina. Mas também é devoto do belicismo, constantemente provocando os oponentes e chamando-os para o ringue (nesse aspecto, é parecido com Bolsonaro, embora existam várias diferenças entre os dois). Com um temperamento agressivo, o presidente argentino tem dificuldades de se relacionar com o Congresso e sofreu recentemente uma derrota no Senado, que não aprovou o decretaço que instituía suas medidas iniciais de governo.

Brasil e Argentina são nações polarizadas e têm líderes que vivem provocando a oposição (aqui, com o sinal trocado). Não é à toa que os índices de aprovação dos presidentes sejam parecidos, assim como os de desaprovação.

Diante dessa divisão, seria prudente partir para o confronto? Será que não falta a Milei (como faltou a Bolsonaro) um pouco de inteligência emocional? Política é exercida através do relacionamento humano. Não adianta tentar aprovar suas medidas com socos e pontapés. Isso, pelo contrário, afasta ainda mais os opositores ou os isentões.

Talvez a inteligência emocional que falta a Milei e a Bolsonaro também seja escassa na mente de vários líderes do liberalismo brasileiro. Os liberais, de maneira geral, fixam seu discurso no controle de gastos públicos na crítica ao gigantismo do Estado aqui no país – o que, do ponto de vista racional, está absolutamente certo.

Só que a mensagem subliminar que se passa ao bater diuturnamente nessa tecla é a de que os liberais são pessoas privilegiadas querendo fazer ajustes fiscais às custas da população pobre (algo que é explorado pela ala esquerdista). Há, porém, outros argumentos que podem ser utilizados junto à sociedade. Pagar menos impostos quando o Estado diminui é um deles; ter melhores condições para montar seu próprio negócio e prosperar é outro; possuir maior liberdade de expressão é mais um.

Curiosamente, os esquerdistas se parecem, neste quesito, com os evangélicos – embora estes dois grupos sejam diametralmente opostos no espectro ideológico. Os evangélicos propõem que a riqueza e a prosperidade sejam sinais de salvação na vida eterna; já os católicos dizem que apenas os pobres serão salvos no mundo espiritual.

Na prática, os católicos – como os liberais – pregam que haverá a felicidade na próxima temporada; os evangélicos – e a esquerda – querem ser felizes imediatamente. Qual dos dois discursos terá maior apelo junto à sociedade?

Se os profetas liberais quiserem ser ouvidos pela multidão, é preciso mudar o discurso, mas mantendo as ideias originais. No mundo digital, em que as pessoas estão viciadas na dopamina fácil das redes sociais, ninguém quer saber de sacrifícios – ou, pelo menos, não querem ouvir primeiro o lado ruim e depois escutar o bom. Sem uma boa estratégia de comunicação, o liberalismo corre o risco de se transformar em um grupo de iniciados e de gênios incompreendidos. Se não entender o que a massa quer ouvir, estará condenado a ser apenas um grupo elitista que pregará entre seus convertidos.

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