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Considerações sobre o turismo da vacina

Com quarentena ou não, o turismo de vacina cresce diariamente, atraindo inclusive a classe média alta

Vacinas contra o coronavírus (Malte Mueller/Getty Images)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 5 de maio de 2021 às 08h00.

Desde que as vacinas contra a Covid-19 começaram a chegar no Brasil, criou-se uma discussão sobre o dilema moral de se oferecer imunizantes no mercado privado. Finalmente, no início de abril, a Câmara aprovou um projeto de lei que permite às empresas a compra de vacinas, desde que doem uma quantidade igual de doses ao Sistema Único de Saúde. No entanto, a demanda mundial e a escassez de insumos vai provocar algum tipo de demora neste processo.

O debate sobre o dilema moral, no entanto, estava mais centrado na possibilidade segundo a qual os mais abastados poderiam furar a fila e ser vacinados antes da população mais carente. Nos últimos dias, porém, essa discussão caiu por terra – o turismo internacional da vacinamostra que os ricos vão furar a fila de qualquer jeito.

Muitos brasileiros estão tomando voos para o México, onde precisam passar por uma quarentena de quinze dias. Após este período, têm autorização para entrar nos Estados Unidos (Miami tem sido o destino preferido) e procurar postos de vacinação. Os imunizantes podem ser injetados no sistema público, marcando horário, ou através das redes de farmácias, através de doses pagas.

Essa quarentena no México é um tanto curiosa. O país teve, até agora, 217 000 mortes por Covid-19 – muito menos que o Brasil, que ultrapassou a marca de 400 000 óbitos decorrentes da pandemia. A velocidade de contágio em território mexicano é de fato menor que a brasileira, mas não podemos dizer que a situação está totalmente controlada por lá – a ponto de ser um local para se fazer um pit stop sem riscos de contaminação (de qualquer forma, é compreensível que os Estados Unidos tenham maior condescendência sanitária com um país fronteiriço do que com o Brasil).

Com quarentena ou não, o turismo de vacina cresce diariamente, atraindo inclusive a classe média alta. O fato de o trabalho remoto estar totalmente disseminado nas empresas apenas ajuda na disseminação deste fenômeno – que, é importante frisar, não está ao alcance de muita gente, especialmente com a cotação do dólar próxima a R$ 5,50.

Críticos da vacinação particular ponderam que a entrada das empresas no mercado de imunizantes pode atrasar a processo como um todo, uma vez que haverá novos compradores no mercado, reduzindo a oferta para o governo brasileiro. Isso pode até ser verdade, mas é uma situação decorrente da escassez que vivemos em função do atraso do Ministério da Saúde em preparar uma inoculação em massa para os brasileiros.

Se o governo tivesse aceitado conversar mais rapidamente com os fornecedores internacionais (como comprovam onze ofícios enviados ao Ministério da Saúde por laboratórios que queriam vender seus produtos ainda no segundo semestre de 2020), teríamos um índice de vacinação bem superior ao atual e poderíamos vender doses inoculantes em nossas farmácias sem ter medo de promover uma discriminação social.

Diante da escassez, porém, o mercado sempre encontra saídas para atender à demanda latente. Felizmente, o caminho do turismo foi encontrado foi dentro dos preceitos da lei – ao contrário daqueles malucos que se reuniram em uma garagem de ônibus, na calada da noite, para fazer um drive-thru clandestino de vacinação.

De agora em diante, a vacinação – privada ou pública – deverá ser um hábito. E, ao invés das campanhas de vacinação contra a gripe comum, geralmente voltadas a grupos de risco específicos, toda a sociedade será chamada para se imunizar contra as novas cepas da Covid que estão surgindo e vão continuar a aparecer.

O grande desafio será trazer os negacionistas para este mutirão. Afinal, estas pessoas, ao recusar os antígenos, podem se contaminar com as novas cepas e passar adiante o vírus, amplificando desnecessariamente a pandemia.

Um artigo recente publicado no New York Times mostra que dificilmente os Estados Unidos conseguirão obter a chamada imunidade de rebanho, uma vez que as taxas diárias de vacinação não crescem, sugerindo que boa parte da população não irá se imunizar. Este é um cenário que pode se repetir por aqui, embora o Brasil tenha uma tradição maior em imunização maciça do que os EUA. Neste caso, o coronavírus passará a ser o que os especialistas em saúde chamam de ameaça controlada, causando ondas e hospitalizações aqui e ali. Para enfrentar este perigo iminente, precisaremos de um nível de conscientização que ainda está longe de se obter – especialmente quando um assunto tão sério como a pandemia deixa de ser debatido no campo científico e é contaminado por interesses políticos, embaralhando o debate e dando corda ao negacionismo.

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Desde que as vacinas contra a Covid-19 começaram a chegar no Brasil, criou-se uma discussão sobre o dilema moral de se oferecer imunizantes no mercado privado. Finalmente, no início de abril, a Câmara aprovou um projeto de lei que permite às empresas a compra de vacinas, desde que doem uma quantidade igual de doses ao Sistema Único de Saúde. No entanto, a demanda mundial e a escassez de insumos vai provocar algum tipo de demora neste processo.

O debate sobre o dilema moral, no entanto, estava mais centrado na possibilidade segundo a qual os mais abastados poderiam furar a fila e ser vacinados antes da população mais carente. Nos últimos dias, porém, essa discussão caiu por terra – o turismo internacional da vacinamostra que os ricos vão furar a fila de qualquer jeito.

Muitos brasileiros estão tomando voos para o México, onde precisam passar por uma quarentena de quinze dias. Após este período, têm autorização para entrar nos Estados Unidos (Miami tem sido o destino preferido) e procurar postos de vacinação. Os imunizantes podem ser injetados no sistema público, marcando horário, ou através das redes de farmácias, através de doses pagas.

Essa quarentena no México é um tanto curiosa. O país teve, até agora, 217 000 mortes por Covid-19 – muito menos que o Brasil, que ultrapassou a marca de 400 000 óbitos decorrentes da pandemia. A velocidade de contágio em território mexicano é de fato menor que a brasileira, mas não podemos dizer que a situação está totalmente controlada por lá – a ponto de ser um local para se fazer um pit stop sem riscos de contaminação (de qualquer forma, é compreensível que os Estados Unidos tenham maior condescendência sanitária com um país fronteiriço do que com o Brasil).

Com quarentena ou não, o turismo de vacina cresce diariamente, atraindo inclusive a classe média alta. O fato de o trabalho remoto estar totalmente disseminado nas empresas apenas ajuda na disseminação deste fenômeno – que, é importante frisar, não está ao alcance de muita gente, especialmente com a cotação do dólar próxima a R$ 5,50.

Críticos da vacinação particular ponderam que a entrada das empresas no mercado de imunizantes pode atrasar a processo como um todo, uma vez que haverá novos compradores no mercado, reduzindo a oferta para o governo brasileiro. Isso pode até ser verdade, mas é uma situação decorrente da escassez que vivemos em função do atraso do Ministério da Saúde em preparar uma inoculação em massa para os brasileiros.

Se o governo tivesse aceitado conversar mais rapidamente com os fornecedores internacionais (como comprovam onze ofícios enviados ao Ministério da Saúde por laboratórios que queriam vender seus produtos ainda no segundo semestre de 2020), teríamos um índice de vacinação bem superior ao atual e poderíamos vender doses inoculantes em nossas farmácias sem ter medo de promover uma discriminação social.

Diante da escassez, porém, o mercado sempre encontra saídas para atender à demanda latente. Felizmente, o caminho do turismo foi encontrado foi dentro dos preceitos da lei – ao contrário daqueles malucos que se reuniram em uma garagem de ônibus, na calada da noite, para fazer um drive-thru clandestino de vacinação.

De agora em diante, a vacinação – privada ou pública – deverá ser um hábito. E, ao invés das campanhas de vacinação contra a gripe comum, geralmente voltadas a grupos de risco específicos, toda a sociedade será chamada para se imunizar contra as novas cepas da Covid que estão surgindo e vão continuar a aparecer.

O grande desafio será trazer os negacionistas para este mutirão. Afinal, estas pessoas, ao recusar os antígenos, podem se contaminar com as novas cepas e passar adiante o vírus, amplificando desnecessariamente a pandemia.

Um artigo recente publicado no New York Times mostra que dificilmente os Estados Unidos conseguirão obter a chamada imunidade de rebanho, uma vez que as taxas diárias de vacinação não crescem, sugerindo que boa parte da população não irá se imunizar. Este é um cenário que pode se repetir por aqui, embora o Brasil tenha uma tradição maior em imunização maciça do que os EUA. Neste caso, o coronavírus passará a ser o que os especialistas em saúde chamam de ameaça controlada, causando ondas e hospitalizações aqui e ali. Para enfrentar este perigo iminente, precisaremos de um nível de conscientização que ainda está longe de se obter – especialmente quando um assunto tão sério como a pandemia deixa de ser debatido no campo científico e é contaminado por interesses políticos, embaralhando o debate e dando corda ao negacionismo.

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