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Como absorver a cultura de uma empresa apenas pelo home office?

Trabalhar não é somente executar tarefas. Existe algo além disso, que ocorre em segundo plano em nossas vidas: a absorção da cultura da empresa

Home office: trabalhar de casa impede contato com diferentes vieses da empresa (Irina_Strelnikova/Getty Images)
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felipegiacomelli

Publicado em 4 de setembro de 2020 às 09h13.

Em uma “live” recente de Money Report, o diretor geral da Tishman Speyer no Brasil, Daniel Cherman, fez um desabafo: “Como alguém que entrou na empresa e trabalhou apenas em Home Office pode absorver a cultura de onde trabalha?”. Discutimos um pouco mais essa questão, até que ele se lembrou de um rapaz contratado no início da pandemia, que tinha começado a frequentar o escritório há poucos dias. Cherman disse que iria perguntar a este colaborador o que ele tinha achado de estar fisicamente na empresa onde trabalha, depois de meses só falando com os outros através do computador. A resposta: “Aprendi mais em uma semana no escritório do que nos quatro meses que fiquei em casa”.

Trabalhar não é somente executar tarefas. Existe algo além disso, que ocorre em segundo plano em nossas vidas profissionais: a absorção da cultura da empresa onde trabalhamos. Toda companhia (grande, média ou pequena) tem valores, regras e manuais de conduta. Mas a cultura é algo diferente, que pode inclusive ser contrária ao que dizem os tutoriais de comportamento.

A cultura de uma empresa só se conhece quando convivemos com colegas, chefes e chefes dos chefes. Quando trabalhei na Editora Abril, entre as décadas de 1980 e 1990, absorvi, aos poucos, esse conhecimento tácito. Depois de um tempo, percebi que a cultura da empresa permeava diferentes áreas, que possuíam suas subculturas. O prédio da Marginal do Tietê, que na época abrigava Veja e Exame, além de boa parte da diretoria da empresa, tinha um conjunto de valores, crenças, rituais e normas. Já o prédio do Brooklin Novo, o das revistas mensais, seguia uma linha ligeiramente diferente. Essas duas escolas acabaram se fundindo quando a empresa abrigou todas as revistas num único imóvel na Marginal Pinheiros.

Absorve-se o jeito de pensar e agir de uma empresa por observação. Muitos simplesmente copiam o comportamento alheio – são poucos os que refletem sobre isso e usam essa informação a seu favor. Percebe-se, com esse estudo informal, inclusive, o que pode ser levado em consideração em eventuais promoções.
O exemplo que vem da chefia, neste caso, é um dos mais importantes sinais. Gerentes e diretores representam a verdadeira cultura empresarial. São eles que, de fato, implantam a visão que é imaginada pelo fundador, pelo CEO ou pelo Conselho de Administração.

Inúmeras vezes percebi, ao longo da vida jornalística, que os CEOs tocavam uma companhia que só existia na cabeça deles. Talvez, anos atrás, aquela empresa imaginada por eles até existiu, mas foi sendo transformada aos poucos pelos executivos que, na prática, colocavam a engrenagem para funcionar.

No caso da Abril de 30 anos atrás, a cultura da empresa vinha principalmente dos insights de Roberto Civita, mas também contava com a colaboração dos jornalistas José Roberto Guzzo (no prédio da Marginal Tietê) e Thomaz Souto Corrêa (no Brooklin Novo). Havia contribuições ocasionais, vindas da área comercial, mas essa era uma empresa que tinha forte influência de seus editores – gente curtida em redações, da época em que o barulho das máquinas de escrever era comum, assim como a fumaça dos cigarros consumidos por oito entre dez profissionais de imprensa. Essa época, que muitos consideram romântica, era marcada por longas jornadas de trabalho e uma preocupação com o esmero estilístico nos textos que talvez fosse demasiado.

Enquanto esteve vivo, o pai de Roberto, Victor, analisava todas as capas publicadas por sua empresa. Não as aprovava – os diretores de redação tinham essa primazia. Mas, um ou dois dias após o lançamento de cada publicação, vinha um envelope pardo, com a capa da revista recortada e anotações do fundador da Abril – desde um lacônico “Capa OK”, passando por alguma bronca (“Logo mal”) ou um elogio (“Ótima”). Quando colocadas em ordem de lançamento, podia-se entender a lógica do “seu” Victor ao julgar uma capa, logo ele que criara tantas publicações e conhecia tanto o mercado editorial. Num conjunto de capas, por exemplo, estava uma oportunidade para entender um pouco do que estava por trás daquela empresa e de suas fundações.

Se gerentes e diretores podem transformar a vida de um colaborador no curto prazo, os CEOs é que vão promovê-lo no longo prazo, especialmente quando as empresas giram em torno destas figuras. Isso ocorreu em companhias como TAM, Nike e Apple. Entender a mente de seus fundadores era imprescindível para quem tinha ambição e desejava crescer nessas estruturas.

Nessas horas, é importante estar no radar do Estado Maior. Quando completei 29 anos, ganhei uma promoção na Abril que me deu direito a frequentar uma reunião anual, em que Roberto Civita conduzia com seus principais executivos. Informalmente, esse encontro era chamado de “A Fala do Trono” – e, aos poucos, o próprio Roberto passou a se referir ao tal evento dessa forma.

Na primeira vez em que estive na “Fala do Trono”, o presidente da empresa descascou o time executivo, pois o resultado daquele ano tinha tudo para ser ruim. Foram cinquenta minutos de bronca – e daquelas bem dadas. Ao final, terminou seu discurso e disse que estava pronto para responder às perguntas da plateia. Fez-se um silêncio sepulcral. Então, eu – com a irresponsabilidade dos jovens – levantei a mão e pedi o microfone. Roberto olhou para mim e disse: “Rapaz de coragem”. Perguntei o que ele achava de uma solução adotada na época pela Time Inc. e se aquilo poderia ser implementado no Brasil. Ele respondeu à questão e, ao final do encontro, pediu a uma assessora que falasse comigo e pegasse meu nome. Entrei no radar do chefe desta maneira. Dois anos depois, eu me sentaria ao lado dele num almoço de final do ano, quando ele chamou os jovens talentos da empresa para ficar em sua mesa.

Curiosamente, dois anos depois, todos os que compartilharam esse almoço com ele tinham saído da Abril, eu inclusive. Mas isso é assunto para outra ocasião. Voltando ao tema inicial: a opção pelo Home Office pode parecer algo sedutor e que privilegia a qualidade de vida. Mas essa escolha de trabalhar em casa irá colocá-lo no radar da chefia? Colocará um holofote sobre suas conquistas? Ajudará a criar empatia com mentores que poderão empurrar a sua carreira para cima? Se você respondeu “não” a pelo menos duas dessas perguntas, reflita se o Home Office é de fato uma boa solução para você.

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Em uma “live” recente de Money Report, o diretor geral da Tishman Speyer no Brasil, Daniel Cherman, fez um desabafo: “Como alguém que entrou na empresa e trabalhou apenas em Home Office pode absorver a cultura de onde trabalha?”. Discutimos um pouco mais essa questão, até que ele se lembrou de um rapaz contratado no início da pandemia, que tinha começado a frequentar o escritório há poucos dias. Cherman disse que iria perguntar a este colaborador o que ele tinha achado de estar fisicamente na empresa onde trabalha, depois de meses só falando com os outros através do computador. A resposta: “Aprendi mais em uma semana no escritório do que nos quatro meses que fiquei em casa”.

Trabalhar não é somente executar tarefas. Existe algo além disso, que ocorre em segundo plano em nossas vidas profissionais: a absorção da cultura da empresa onde trabalhamos. Toda companhia (grande, média ou pequena) tem valores, regras e manuais de conduta. Mas a cultura é algo diferente, que pode inclusive ser contrária ao que dizem os tutoriais de comportamento.

A cultura de uma empresa só se conhece quando convivemos com colegas, chefes e chefes dos chefes. Quando trabalhei na Editora Abril, entre as décadas de 1980 e 1990, absorvi, aos poucos, esse conhecimento tácito. Depois de um tempo, percebi que a cultura da empresa permeava diferentes áreas, que possuíam suas subculturas. O prédio da Marginal do Tietê, que na época abrigava Veja e Exame, além de boa parte da diretoria da empresa, tinha um conjunto de valores, crenças, rituais e normas. Já o prédio do Brooklin Novo, o das revistas mensais, seguia uma linha ligeiramente diferente. Essas duas escolas acabaram se fundindo quando a empresa abrigou todas as revistas num único imóvel na Marginal Pinheiros.

Absorve-se o jeito de pensar e agir de uma empresa por observação. Muitos simplesmente copiam o comportamento alheio – são poucos os que refletem sobre isso e usam essa informação a seu favor. Percebe-se, com esse estudo informal, inclusive, o que pode ser levado em consideração em eventuais promoções.
O exemplo que vem da chefia, neste caso, é um dos mais importantes sinais. Gerentes e diretores representam a verdadeira cultura empresarial. São eles que, de fato, implantam a visão que é imaginada pelo fundador, pelo CEO ou pelo Conselho de Administração.

Inúmeras vezes percebi, ao longo da vida jornalística, que os CEOs tocavam uma companhia que só existia na cabeça deles. Talvez, anos atrás, aquela empresa imaginada por eles até existiu, mas foi sendo transformada aos poucos pelos executivos que, na prática, colocavam a engrenagem para funcionar.

No caso da Abril de 30 anos atrás, a cultura da empresa vinha principalmente dos insights de Roberto Civita, mas também contava com a colaboração dos jornalistas José Roberto Guzzo (no prédio da Marginal Tietê) e Thomaz Souto Corrêa (no Brooklin Novo). Havia contribuições ocasionais, vindas da área comercial, mas essa era uma empresa que tinha forte influência de seus editores – gente curtida em redações, da época em que o barulho das máquinas de escrever era comum, assim como a fumaça dos cigarros consumidos por oito entre dez profissionais de imprensa. Essa época, que muitos consideram romântica, era marcada por longas jornadas de trabalho e uma preocupação com o esmero estilístico nos textos que talvez fosse demasiado.

Enquanto esteve vivo, o pai de Roberto, Victor, analisava todas as capas publicadas por sua empresa. Não as aprovava – os diretores de redação tinham essa primazia. Mas, um ou dois dias após o lançamento de cada publicação, vinha um envelope pardo, com a capa da revista recortada e anotações do fundador da Abril – desde um lacônico “Capa OK”, passando por alguma bronca (“Logo mal”) ou um elogio (“Ótima”). Quando colocadas em ordem de lançamento, podia-se entender a lógica do “seu” Victor ao julgar uma capa, logo ele que criara tantas publicações e conhecia tanto o mercado editorial. Num conjunto de capas, por exemplo, estava uma oportunidade para entender um pouco do que estava por trás daquela empresa e de suas fundações.

Se gerentes e diretores podem transformar a vida de um colaborador no curto prazo, os CEOs é que vão promovê-lo no longo prazo, especialmente quando as empresas giram em torno destas figuras. Isso ocorreu em companhias como TAM, Nike e Apple. Entender a mente de seus fundadores era imprescindível para quem tinha ambição e desejava crescer nessas estruturas.

Nessas horas, é importante estar no radar do Estado Maior. Quando completei 29 anos, ganhei uma promoção na Abril que me deu direito a frequentar uma reunião anual, em que Roberto Civita conduzia com seus principais executivos. Informalmente, esse encontro era chamado de “A Fala do Trono” – e, aos poucos, o próprio Roberto passou a se referir ao tal evento dessa forma.

Na primeira vez em que estive na “Fala do Trono”, o presidente da empresa descascou o time executivo, pois o resultado daquele ano tinha tudo para ser ruim. Foram cinquenta minutos de bronca – e daquelas bem dadas. Ao final, terminou seu discurso e disse que estava pronto para responder às perguntas da plateia. Fez-se um silêncio sepulcral. Então, eu – com a irresponsabilidade dos jovens – levantei a mão e pedi o microfone. Roberto olhou para mim e disse: “Rapaz de coragem”. Perguntei o que ele achava de uma solução adotada na época pela Time Inc. e se aquilo poderia ser implementado no Brasil. Ele respondeu à questão e, ao final do encontro, pediu a uma assessora que falasse comigo e pegasse meu nome. Entrei no radar do chefe desta maneira. Dois anos depois, eu me sentaria ao lado dele num almoço de final do ano, quando ele chamou os jovens talentos da empresa para ficar em sua mesa.

Curiosamente, dois anos depois, todos os que compartilharam esse almoço com ele tinham saído da Abril, eu inclusive. Mas isso é assunto para outra ocasião. Voltando ao tema inicial: a opção pelo Home Office pode parecer algo sedutor e que privilegia a qualidade de vida. Mas essa escolha de trabalhar em casa irá colocá-lo no radar da chefia? Colocará um holofote sobre suas conquistas? Ajudará a criar empatia com mentores que poderão empurrar a sua carreira para cima? Se você respondeu “não” a pelo menos duas dessas perguntas, reflita se o Home Office é de fato uma boa solução para você.

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