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Como a candidatura de Lula pode interferir no governo

Bolsonaro terá de se movimentar em quatro frentes se acreditar que a candidatura petista é um entrave à reeleição

O ex-presidente Lula em entrevista em São Bernardo do Campo após STF anular condenações (Amanda Perobelli/Reuters)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 11 de março de 2021 às 09h49.

Última atualização em 11 de março de 2021 às 11h59.

O que podemos esperar do governo de Jair Bolsonaro agora que Luiz Inácio Lula da Silva é novamente candidato à presidência da República, depois da canetada do ministro Edson Fachin?

Bolsonaro terá de se movimentar em quatro frentes se acreditar que a candidatura petista é um entrave à reeleição.

A primeira é colocar a vacinação em prumo. Ontem mesmo já se viu um Bolsonaro diferente, vestindo máscara e falando bem das vacinas. O núcleo duro do Planalto já captou a mensagem das pesquisas: as pessoas querem ser vacinadas e se incomodavam com as palavras do presidente sobre os imunizantes. As críticas de Lula à estratégia do governo no combate à pandemia, em seu discurso de quarta-feira, tiveram um efeito imediato. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse ontem que abriu negociações com a Pfizer e com a Janssen, enquanto os filhos do mandatário foram às redes sociais garantir que o pai nunca foi contra as vacinas que anulam o coronavírus. O próprio evento no qual Bolsonaro usou máscara foi para anunciar um projeto que facilita a compra de substâncias vacinantes.

O segundo ponto será o de reforçar os programas sociais. Nos últimos dois anos, com as mudanças anunciadas no Bolsa Família e com o auxílio emergencial, o governo ganhou uma popularidade razoável em cima das classes menos favorecidas – antes, um terreno em que o Partido dos Trabalhadores, com Lula em particular, andava sozinho e desenvolto. Agora, esse eleitor será disputado e é de se esperar que Bolsonaro perca algum terreno dentro deste grupo.

Este movimento é imprescindível para enfrentar a candidatura de Lula, que fez do Bolsa Família uma espécie de unanimidade nacional. Hoje, não existe nenhum candidato que tenha coragem de questionar esse programa. Mas, na campanha de 2018, era comum ouvir de bolsonaristas mais radicais de que o Bolsa Família privilegiava preguiçosos e vagabundos e que o próximo governo iria cancelar essa “boquinha”. Ao assumir o Planalto, no entanto, Bolsonaro abraçou essas iniciativas e até redigiu um plano para incrementá-las. Portanto, se esse governo não mexeu nessa vaca sagrada, nenhum outro irá fazê-lo.

Com a disputa entre Bolsonaro e Lula, o eleitorado de menor renda deverá ser cindido entre os dois, deixando pouco ou nenhum espaço para os ditos candidatos de centro, como João Doria e Luciano Huck, ou de centro-esquerda, como Ciro Gomes.

Para implementar um programa que diminua o brilho da estrela petista, o governo precisará de apoio político. E aqui é que entra a terceira frente de atuação de Bolsonaro. Ele terá de agradar mais a sua bancada de apoio. Só que o preço da bandeirada do Centrão aumentou – e não foi pouco. Os líderes deste bloco sabem que a dependência de Bolsonaro em relação ao seu suporte cresceu e estão dispostos a cobrar por isso.

É de se esperar, assim, uma rodada significativa de mudanças no primeiro escalão do governo e em algumas estatais. Indicados do Centrão vão aumentar sua participação no governo, mas os militares do Planalto vão continuar com sua exigência mínima: os presenteados com cargos precisam ter a ficha limpa.

Por fim, os assessores mais próximos do presidente começam a lembrá-lo que ele precisa fazer algum tipo de agrado ao empresariado, especialmente para reduzir a imagem populista que irá recrudescer com o aumento de ações sociais. Este seria a quarta frente a ser trabalhada pelo Planalto.

Por isso, é de esperar que o ministério da Economia passe a trabalhar com rapidez em reformas que melhorem a vida do empresário. Algumas medidas já foram criadas, mas a iniciativa privada precisa de mais ações, especialmente de uma reforma tributária que facilite o cálculo e a cobrança de impostos (reduzir as alíquotas, entretanto, ficaria para depois — se é que isso algum dia vai acontecer).

O governo poderá reagir de outras formas. Mas deve se movimentar para diminuir a força de Lula. Em uma pesquisa divulgada ontem, Bolsonaro está à frente com 31% das intenções de voto, seguido por Lula, com 21%. Em seguida estão o ex-juiz Sergio Moro (sem partido, 10%), Ciro Gomes (PDT, 9%), o apresentador Luciano Huck (sem partido, 7%), João Doria (PSDB, 4%), João Amoêdo (NOVO, 2%) e Marina Silva (Rede, 1%). Em um hipotético segundo turno, Bolsonaro fica com 43%, diante de 39% de Lula. Trata-se de uma distância pequena, especialmente quando levamos em consideração que 15 % optariam pelos votos brancos ou nulos e 3 % não souberam responder.

Lula não perdeu tempo. Ele já fez ontem um discurso seguido de coletiva no qual se mostrou diametralmente contrário a cada bandeira defendida pelo oponente. Insistiu que foi inocentado (o que não é verdade, já que o processo foi anulado, algo bem diferente) e que o Brasil de sua época era melhor do que o atual. Fez questão de criticar a agenda de privatizações, que ainda não ocorreu, e defendeu as estatais como uma forma de bombar a economia, continuando a se apoiar em ideias antigas e ineficazes.

A fala do ex-presidente indica que teremos mais uma eleição de extremos. Em um primeiro momento, as candidaturas moderadas (incluindo as que ainda não se manifestaram) vão demorar para pegar tração e podem ficar assim até o momento do pleito. A única chance que esses moderados podem ter está no bombardeio enorme que haverá entre Lula e Bolsonaro. Esta troca de chumbo pode ferir mortalmente um dos dois – ou até ambos.

O problema de Lula é justamente a rejeição que ele e o PT ainda carregam. Uma pesquisa encomendada e divulgada ontem pela revista Veja mostra que 57 % dos entrevistados consideram justas as condenações do ex-presidente na Lava-Jato. No mesmo estudo, 57,5 % discordaram da decisão de Fachin em anular os processos e 31 % concordaram. Essas respostas, em tese, tornam a vida do petista difícil em um segundo turno com Bolsonaro.

O risco de Bolsonaro está justamente nessa provável rejeição de Lula. O presidente pode se sentir confortável e apostar na tese de que a popularidade de Lula é suficiente para colocá-lo no segundo turno, mas incapaz de elegê-lo. Dessa forma, ele poderia radicalizar o discurso, agradando sua base mais fiel de apoiadores e acreditando que os eleitores antipetistas o seguiriam de qualquer jeito.

Se fizer essa aposta, Bolsonaro poderia elevar a própria rejeição e provocar um número recorde de abstenções, votos nulos e brancos na segunda etapa das eleições de 2022. Nesta hipótese, o resultado final das urnas seria absolutamente imprevisível.

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A primeira é colocar a vacinação em prumo. Ontem mesmo já se viu um Bolsonaro diferente, vestindo máscara e falando bem das vacinas. O núcleo duro do Planalto já captou a mensagem das pesquisas: as pessoas querem ser vacinadas e se incomodavam com as palavras do presidente sobre os imunizantes. As críticas de Lula à estratégia do governo no combate à pandemia, em seu discurso de quarta-feira, tiveram um efeito imediato. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse ontem que abriu negociações com a Pfizer e com a Janssen, enquanto os filhos do mandatário foram às redes sociais garantir que o pai nunca foi contra as vacinas que anulam o coronavírus. O próprio evento no qual Bolsonaro usou máscara foi para anunciar um projeto que facilita a compra de substâncias vacinantes.

O segundo ponto será o de reforçar os programas sociais. Nos últimos dois anos, com as mudanças anunciadas no Bolsa Família e com o auxílio emergencial, o governo ganhou uma popularidade razoável em cima das classes menos favorecidas – antes, um terreno em que o Partido dos Trabalhadores, com Lula em particular, andava sozinho e desenvolto. Agora, esse eleitor será disputado e é de se esperar que Bolsonaro perca algum terreno dentro deste grupo.

Este movimento é imprescindível para enfrentar a candidatura de Lula, que fez do Bolsa Família uma espécie de unanimidade nacional. Hoje, não existe nenhum candidato que tenha coragem de questionar esse programa. Mas, na campanha de 2018, era comum ouvir de bolsonaristas mais radicais de que o Bolsa Família privilegiava preguiçosos e vagabundos e que o próximo governo iria cancelar essa “boquinha”. Ao assumir o Planalto, no entanto, Bolsonaro abraçou essas iniciativas e até redigiu um plano para incrementá-las. Portanto, se esse governo não mexeu nessa vaca sagrada, nenhum outro irá fazê-lo.

Com a disputa entre Bolsonaro e Lula, o eleitorado de menor renda deverá ser cindido entre os dois, deixando pouco ou nenhum espaço para os ditos candidatos de centro, como João Doria e Luciano Huck, ou de centro-esquerda, como Ciro Gomes.

Para implementar um programa que diminua o brilho da estrela petista, o governo precisará de apoio político. E aqui é que entra a terceira frente de atuação de Bolsonaro. Ele terá de agradar mais a sua bancada de apoio. Só que o preço da bandeirada do Centrão aumentou – e não foi pouco. Os líderes deste bloco sabem que a dependência de Bolsonaro em relação ao seu suporte cresceu e estão dispostos a cobrar por isso.

É de se esperar, assim, uma rodada significativa de mudanças no primeiro escalão do governo e em algumas estatais. Indicados do Centrão vão aumentar sua participação no governo, mas os militares do Planalto vão continuar com sua exigência mínima: os presenteados com cargos precisam ter a ficha limpa.

Por fim, os assessores mais próximos do presidente começam a lembrá-lo que ele precisa fazer algum tipo de agrado ao empresariado, especialmente para reduzir a imagem populista que irá recrudescer com o aumento de ações sociais. Este seria a quarta frente a ser trabalhada pelo Planalto.

Por isso, é de esperar que o ministério da Economia passe a trabalhar com rapidez em reformas que melhorem a vida do empresário. Algumas medidas já foram criadas, mas a iniciativa privada precisa de mais ações, especialmente de uma reforma tributária que facilite o cálculo e a cobrança de impostos (reduzir as alíquotas, entretanto, ficaria para depois — se é que isso algum dia vai acontecer).

O governo poderá reagir de outras formas. Mas deve se movimentar para diminuir a força de Lula. Em uma pesquisa divulgada ontem, Bolsonaro está à frente com 31% das intenções de voto, seguido por Lula, com 21%. Em seguida estão o ex-juiz Sergio Moro (sem partido, 10%), Ciro Gomes (PDT, 9%), o apresentador Luciano Huck (sem partido, 7%), João Doria (PSDB, 4%), João Amoêdo (NOVO, 2%) e Marina Silva (Rede, 1%). Em um hipotético segundo turno, Bolsonaro fica com 43%, diante de 39% de Lula. Trata-se de uma distância pequena, especialmente quando levamos em consideração que 15 % optariam pelos votos brancos ou nulos e 3 % não souberam responder.

Lula não perdeu tempo. Ele já fez ontem um discurso seguido de coletiva no qual se mostrou diametralmente contrário a cada bandeira defendida pelo oponente. Insistiu que foi inocentado (o que não é verdade, já que o processo foi anulado, algo bem diferente) e que o Brasil de sua época era melhor do que o atual. Fez questão de criticar a agenda de privatizações, que ainda não ocorreu, e defendeu as estatais como uma forma de bombar a economia, continuando a se apoiar em ideias antigas e ineficazes.

A fala do ex-presidente indica que teremos mais uma eleição de extremos. Em um primeiro momento, as candidaturas moderadas (incluindo as que ainda não se manifestaram) vão demorar para pegar tração e podem ficar assim até o momento do pleito. A única chance que esses moderados podem ter está no bombardeio enorme que haverá entre Lula e Bolsonaro. Esta troca de chumbo pode ferir mortalmente um dos dois – ou até ambos.

O problema de Lula é justamente a rejeição que ele e o PT ainda carregam. Uma pesquisa encomendada e divulgada ontem pela revista Veja mostra que 57 % dos entrevistados consideram justas as condenações do ex-presidente na Lava-Jato. No mesmo estudo, 57,5 % discordaram da decisão de Fachin em anular os processos e 31 % concordaram. Essas respostas, em tese, tornam a vida do petista difícil em um segundo turno com Bolsonaro.

O risco de Bolsonaro está justamente nessa provável rejeição de Lula. O presidente pode se sentir confortável e apostar na tese de que a popularidade de Lula é suficiente para colocá-lo no segundo turno, mas incapaz de elegê-lo. Dessa forma, ele poderia radicalizar o discurso, agradando sua base mais fiel de apoiadores e acreditando que os eleitores antipetistas o seguiriam de qualquer jeito.

Se fizer essa aposta, Bolsonaro poderia elevar a própria rejeição e provocar um número recorde de abstenções, votos nulos e brancos na segunda etapa das eleições de 2022. Nesta hipótese, o resultado final das urnas seria absolutamente imprevisível.

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