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Bolsonaro começou a perder o apoio da elite. Pode reverter esse quadro?

Há uma forte semelhança entre os estilos de Jair Bolsonaro e Donald Trump. O que aconteceu nos Estados Unidos pode ocorrer aqui?

Presidente da República, Jair Bolsonaro (Evaristo Sá/AFP)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 22 de janeiro de 2021 às 10h44.

Última atualização em 22 de janeiro de 2021 às 10h47.

Política é algo imprevisível e gera surpresas o tempo todo. No início do ano passado, por exemplo, a reeleição de Donald Trump parecia ser uma barbada, apesar do estilo truculento do hoje ex-presidente. A economia andava bem, o desemprego atingia nível mínimo e Joe Biden era visto como um candidato fraco. Mas a pandemia veio e mudou o cenário completamente.

Com a economia paralisada, a personalidade torpe de Trump passou a incomodar. Como se sabe, eleições são movidas a antagonismos e a comparações. E Biden se transformou em um antípoda do ocupante da Casa Branca, com um discurso conciliador e toques de acolhimento. Assim, sua figura um tanto anódina ganhou ares de estadista quando comparado ao jeitão troglodita de Trump.

Daí para a vitória foi um pulo, apesar das contestações de fraude feitas pelos trumpistas (até agora, sem nenhuma prova). O discurso de posse de Biden reflete o movimento que o levou à Casa Branca. Democrata, ele citou um único presidente do passado, o republicado Abraham Lincoln, que disse, referindo-se à ordem executiva que extinguiu a escravidão em todo o território americano: “Se meu nome entrar para a história, será por causa deste ato. E minha alma inteira está nesse ato”. Em seguida, Biden arrematou: “Neste dia de janeiro, toda a minha alma está nesse propósito: unir a América, unir nosso povo, unir nossa nação”.

Essa abordagem é exatamente a oposta de seu antecessor, que apostava no conflito permanente e foi derrotado nas urnas. Há uma forte semelhança entre os estilos de Jair Bolsonaro e Donald Trump. O que aconteceu nos Estados Unidos pode ocorrer aqui?

Ainda é cedo para afirmar alguma coisa. Afinal, ainda estamos longe do primeiro turno, em outubro do ano que vem. Mas há uma semelhança clara entre eleitores brasileiros e americanos: uma mudança de comportamento que surgiu com a pandemia e se refletiu na rejeição ao conflito permanente. Com a perspectiva concreta de ser atingida por algo tão letal como o coronavírus, a maioria da sociedade rejeitou teorias da conspiração – muitas das quais propagadas pelo presidente – e se posicionou a favor das vacinas.

Foi nesse momento que o governo perdeu a mão. Ao minimizar a vacina e insistir na cloroquina como medicamento profilático, Bolsonaro sensibilizou apenas seus seguidores mais fiéis. Aqueles que queriam ser vacinados e tinham medo da doença (que tem índice alto de letalidade, é preciso repetir) não se sentiram mais representados por um mandatário que não tem empatia e produziu inúmeras frases infelizes ao longo de 2020 (“país de maricas”, “gripezinha”, “e daí?”, “coronavírus está superdimensionado” e muitas outras).

O efeito desta atitude agressiva já se faz ver, mas ainda não atingiu a grande massa. A aprovação do governo, por conta do auxílio emergencial, ainda está alta entre quem ganha menos de 3 salários mínimos. Mas, caso haja um corte destes benefícios (há limitações sérias de caixa no Tesouro), esses números podem cair.

Já em relação à elite e à classe média, o cenário é outro. Esses eleitores começam a criticar abertamente Bolsonaro nas redes sociais – e, muitas vezes, esses apupos vêm de pessoas que sufragaram o então candidato do PSL nas urnas. Mas essas críticas não necessariamente significam uma rejeição absoluta: se houver um segundo turno, em 2022, entre o presidente e um candidato de esquerda, é provável que esse eleitor, mesmo a contragosto, vote em Bolsonaro. Em compensação, milhões de pessoas podem escolher como adversário do presidente um nome mais moderado que o atual chefe de Estado. Assim, se houver uma final entre a situação e um candidato com maior empatia, o resultado pode ser ruim para o Palácio do Planalto.

Dentro deste cenário hipotético, quem seria o Joe Biden brasileiro?

Vários nomes concorrem para isso, como Sérgio Moro, Luciano Huck e João Doria. Desses, o governador de São Paulo conseguiu maior projeção, seja por ter emplacado a CoronaVac ou por ter antagonizado com Bolsonaro na imprensa. Mas Doria precisa ainda fazer as pazes com o eleitorado da capital de seu estado, ainda inconformado com a renúncia à prefeitura apenas 14 meses após a posse.

Mas, como política é algo imprevisível, esses paulistanos podem passar apoiar Doria por conta de seu esforço para viabilizar a vacinação. Só que, neste panorama de fatores inesperados, um novo nome pode surgir para rivalizar com o presidente e deixar os atuais oposicionistas para trás.

Em janeiro de 1993, por exemplo, o ministro da economia era Eliseu Resende e o país lutava contra o dragão da hiperinflação. Dentro desse contexto, se falava em poucos candidatos para a eleição presidencial do ano seguinte. Em maio de 1993, no entanto, Fernando Henrique Cardoso foi nomeado o chefão da economia e em fevereiro de 1994 lançou o Plano Real. A inflação foi finalmente controlada e FHC se desincompatibilizou do cargo para concorrer à presidência, para a qual foi eleito com 54 % dos votos em um só turno.

Esse fenômeno pode acontecer de novo? Com certeza. Resta saber se ele vai se repetir em 2022 ou em outra eleição posterior.

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Com a economia paralisada, a personalidade torpe de Trump passou a incomodar. Como se sabe, eleições são movidas a antagonismos e a comparações. E Biden se transformou em um antípoda do ocupante da Casa Branca, com um discurso conciliador e toques de acolhimento. Assim, sua figura um tanto anódina ganhou ares de estadista quando comparado ao jeitão troglodita de Trump.

Daí para a vitória foi um pulo, apesar das contestações de fraude feitas pelos trumpistas (até agora, sem nenhuma prova). O discurso de posse de Biden reflete o movimento que o levou à Casa Branca. Democrata, ele citou um único presidente do passado, o republicado Abraham Lincoln, que disse, referindo-se à ordem executiva que extinguiu a escravidão em todo o território americano: “Se meu nome entrar para a história, será por causa deste ato. E minha alma inteira está nesse ato”. Em seguida, Biden arrematou: “Neste dia de janeiro, toda a minha alma está nesse propósito: unir a América, unir nosso povo, unir nossa nação”.

Essa abordagem é exatamente a oposta de seu antecessor, que apostava no conflito permanente e foi derrotado nas urnas. Há uma forte semelhança entre os estilos de Jair Bolsonaro e Donald Trump. O que aconteceu nos Estados Unidos pode ocorrer aqui?

Ainda é cedo para afirmar alguma coisa. Afinal, ainda estamos longe do primeiro turno, em outubro do ano que vem. Mas há uma semelhança clara entre eleitores brasileiros e americanos: uma mudança de comportamento que surgiu com a pandemia e se refletiu na rejeição ao conflito permanente. Com a perspectiva concreta de ser atingida por algo tão letal como o coronavírus, a maioria da sociedade rejeitou teorias da conspiração – muitas das quais propagadas pelo presidente – e se posicionou a favor das vacinas.

Foi nesse momento que o governo perdeu a mão. Ao minimizar a vacina e insistir na cloroquina como medicamento profilático, Bolsonaro sensibilizou apenas seus seguidores mais fiéis. Aqueles que queriam ser vacinados e tinham medo da doença (que tem índice alto de letalidade, é preciso repetir) não se sentiram mais representados por um mandatário que não tem empatia e produziu inúmeras frases infelizes ao longo de 2020 (“país de maricas”, “gripezinha”, “e daí?”, “coronavírus está superdimensionado” e muitas outras).

O efeito desta atitude agressiva já se faz ver, mas ainda não atingiu a grande massa. A aprovação do governo, por conta do auxílio emergencial, ainda está alta entre quem ganha menos de 3 salários mínimos. Mas, caso haja um corte destes benefícios (há limitações sérias de caixa no Tesouro), esses números podem cair.

Já em relação à elite e à classe média, o cenário é outro. Esses eleitores começam a criticar abertamente Bolsonaro nas redes sociais – e, muitas vezes, esses apupos vêm de pessoas que sufragaram o então candidato do PSL nas urnas. Mas essas críticas não necessariamente significam uma rejeição absoluta: se houver um segundo turno, em 2022, entre o presidente e um candidato de esquerda, é provável que esse eleitor, mesmo a contragosto, vote em Bolsonaro. Em compensação, milhões de pessoas podem escolher como adversário do presidente um nome mais moderado que o atual chefe de Estado. Assim, se houver uma final entre a situação e um candidato com maior empatia, o resultado pode ser ruim para o Palácio do Planalto.

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Vários nomes concorrem para isso, como Sérgio Moro, Luciano Huck e João Doria. Desses, o governador de São Paulo conseguiu maior projeção, seja por ter emplacado a CoronaVac ou por ter antagonizado com Bolsonaro na imprensa. Mas Doria precisa ainda fazer as pazes com o eleitorado da capital de seu estado, ainda inconformado com a renúncia à prefeitura apenas 14 meses após a posse.

Mas, como política é algo imprevisível, esses paulistanos podem passar apoiar Doria por conta de seu esforço para viabilizar a vacinação. Só que, neste panorama de fatores inesperados, um novo nome pode surgir para rivalizar com o presidente e deixar os atuais oposicionistas para trás.

Em janeiro de 1993, por exemplo, o ministro da economia era Eliseu Resende e o país lutava contra o dragão da hiperinflação. Dentro desse contexto, se falava em poucos candidatos para a eleição presidencial do ano seguinte. Em maio de 1993, no entanto, Fernando Henrique Cardoso foi nomeado o chefão da economia e em fevereiro de 1994 lançou o Plano Real. A inflação foi finalmente controlada e FHC se desincompatibilizou do cargo para concorrer à presidência, para a qual foi eleito com 54 % dos votos em um só turno.

Esse fenômeno pode acontecer de novo? Com certeza. Resta saber se ele vai se repetir em 2022 ou em outra eleição posterior.

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