Até onde a corda vai esticar com a briga entre Bolsonaro e o STF?
Bastava um olhar para Bolsonaro em 2018 e perceber que ele fora talhado para o combate e enfrentamento, nunca para a pacificação, negociação e concórdia
Da Redação
Publicado em 16 de agosto de 2021 às 09h23.
Aluizio Falcão Filho
Vivemos um cenário político de tensão e conflitos que era facílimo de se prever durante o ano de 2018. Quando corria a campanha eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro mostrou que ainda possuía o espírito bélico que o pautou durante os anos em que foi um deputado federal polêmico, excêntrico e conservador ao extremo. Houve, então, o atentado à vida do atual presidente em setembro. Isso o retirou da cena eleitoral e o manteve em silêncio durante um bom tempo. Seu processo de recuperação, inclusive, o deixou mais comedido.
O então postulante à presidência acabou concentrando a preferência da maioria do eleitorado como a perfeita antítese ao Partido dos Trabalhadores, desgastado por três mandatos e meio no Planalto e inúmeras acusações de corrupção. E, neste período, boa parte da população começou a enxergar um Bolsonaro que nunca existiu. Essa idealização veio até para justificar o voto em um nome criticado à exaustão por seu comportamento politicamente incorreto e beligerante.
Lembro de que, em janeiro de 2019, em uma conversa com empresários, me perguntaram sobre minhas expectativas sobre a presidência que se iniciava. A resposta: o presidente tinha um comportamento que sugeriria uma mistura de Jânio Quadros com Fernando Collor. Ou seja, haveria por parte dele interesse exagerado por temas esdrúxulos e teimosia suficiente para o levar a várias intrigas e brigas com a base aliada e a oposição. Essa previsão ainda está valendo, mas a vinda oficial do Centrão à base aliada o deixou, sob o aspecto de suporte político, parecido com todos seus antecessores de 1985 para cá, com exceção de Dilma Rousseff (que, na prática, nunca fez acordo com nenhum grupo político).
Bastava um olhar para Bolsonaro em 2018 e perceber que ele fora talhado para o combate e o enfrentamento, mas nunca para a pacificação, a negociação e concórdia. Tanto é que o apoio do Centrão foi comprado com muitos cargos e verbas e poucas palavras. Porém, nas ocasiões em que se fizeram acordos não fisiológicos, o presidente frequentemente não cumpriu sua parte. Um exemplo disso foi sua promessa de ficar quieto e respeitar o resultado da votação referente à chamada PEC do voto impresso.
No presente embate com o Supremo Tribunal Federal – ou melhor, com os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso –, Bolsonaro vai aumentando incessantemente o tom, incluindo ameaças de “ruptura institucional”. Isso, em um país que viveu duas ditaduras longevas no século 20, quer dizer uma coisa só: golpe militar. Felizmente, a maioria do comando das Forças Armadas parece não querer embarcar em uma aventura doidivanas de rompimento democrático.
A situação coloca toda a culpa na tensão atual em cima de Moraes e Barroso, lembrando que o presidente foi eleito para seu cargo e os ministros nomeados para entrar no Olimpo do Judiciário. Já a oposição aplaude as ações dos juízes da Alta Corte e aponta o presidente como culpado de todas as mazelas pelas quais passamos.
Bolsonaro foi eleito e os membros do Judiciário são escolhidos. Isso não deixa de ser verdade. Mas bem que Bolsonaro poderia entender que esses solavancos fazem mal para o país, especialmente quando nossa economia e ânimos estão esgarçados pela pandemia da Covid-19. Já os ministros, de seu lado, parecem estar cutucando a onça como se não houvesse amanhã – e, na interpretação de alguns, extrapolando suas funções.
Uma coisa é certa: os empresários estão fartos dessas brigas. O presidente ainda consegue o apoio de vários homens de negócios no país, é verdade, mas seu apoio na classe empresarial está diluindo rapidamente – assim como parte da classe média parece também entrar em profundo desencanto com o mandatário.
Isso tudo vai se manter até 2021? Difícil de fazer alguma previsão, especialmente se houver uma forte retomada da economia e o novo programa de assistencialismo fizer sucesso. Uma coisa, porém, é certa. Há uma fração considerável que não votará em Bolsonaro por não gostar do que enxerga na figura do presidente. A economia pode até bombar, mas essa fatia do eleitorado não mudará de opinião. Neste sentido, pode se abster, votar nulo ou em branco – mas irá rejeitar o atual comandante do país.
A contenda com o Supremo parece ter entrado em um momento de máxima eletricidade. Quem vai recuar? Bolsonaro ou os ministros?
No Supremo, a causa de Barroso, principalmente, é comprada por muitos dos demais magistrados. O cargo que o ministro acumula, o de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, já foi ocupado por outros membros da Alta Corte. Assim, quando Bolsonaro fala em fraudes eleitorais, atinge também outros colegas de Barroso. Com essa disposição de falar mal do voto eletrônico, o presidente conseguiu uma façanha: reaproximar inimigos históricos como o atual presidente do TSE e Gilmar Mendes. Os dois se odeiam, mas fizeram uma trégua estratégica para se unirem em torno da defesa do sistema eleitoral vigente.
Quem poderia costurar uma eventual détente?
Um dos nomes habilitados para negociar a paz entre os poderes é o vice-presidente Hamilton Mourão. Mas Bolsonaro insiste em hostilizá-lo e deixá-lo de fora do núcleo de poder. Outro possível candidato seria o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira. Mas ele ainda não engoliu os comentários do presidente após a votação da PEC que mudaria o sistema de voto brasileiro.
Resta, assim, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que conta com a ajuda do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Conseguirá essa dupla amainar o estresse que permeia as relações entre Bolsonaro e o STF?
Ao prometer que irá processar Barroso e Moraes no Senado (o caminho legal quando se acusa um ministro do Supremo de alguma irregularidade), Jair Bolsonaro vai precisar da boa vontade de uma figura com a qual se desentendeu no passado recente – o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, que já deu todas as pistas de que não pautará esses processos contra os juízes.
Quando a intenção de Pacheco for oficial e irreversível, o que fará Bolsonaro? Virá com uma nova bravata, ameaçando uma nova ruptura? Ou vai agir de acordo com o que se espera de um presidente da República, buscando o entendimento?
As perguntas são retóricas, pois a resposta todo mundo já sabe qual é.
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Aluizio Falcão Filho
Vivemos um cenário político de tensão e conflitos que era facílimo de se prever durante o ano de 2018. Quando corria a campanha eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro mostrou que ainda possuía o espírito bélico que o pautou durante os anos em que foi um deputado federal polêmico, excêntrico e conservador ao extremo. Houve, então, o atentado à vida do atual presidente em setembro. Isso o retirou da cena eleitoral e o manteve em silêncio durante um bom tempo. Seu processo de recuperação, inclusive, o deixou mais comedido.
O então postulante à presidência acabou concentrando a preferência da maioria do eleitorado como a perfeita antítese ao Partido dos Trabalhadores, desgastado por três mandatos e meio no Planalto e inúmeras acusações de corrupção. E, neste período, boa parte da população começou a enxergar um Bolsonaro que nunca existiu. Essa idealização veio até para justificar o voto em um nome criticado à exaustão por seu comportamento politicamente incorreto e beligerante.
Lembro de que, em janeiro de 2019, em uma conversa com empresários, me perguntaram sobre minhas expectativas sobre a presidência que se iniciava. A resposta: o presidente tinha um comportamento que sugeriria uma mistura de Jânio Quadros com Fernando Collor. Ou seja, haveria por parte dele interesse exagerado por temas esdrúxulos e teimosia suficiente para o levar a várias intrigas e brigas com a base aliada e a oposição. Essa previsão ainda está valendo, mas a vinda oficial do Centrão à base aliada o deixou, sob o aspecto de suporte político, parecido com todos seus antecessores de 1985 para cá, com exceção de Dilma Rousseff (que, na prática, nunca fez acordo com nenhum grupo político).
Bastava um olhar para Bolsonaro em 2018 e perceber que ele fora talhado para o combate e o enfrentamento, mas nunca para a pacificação, a negociação e concórdia. Tanto é que o apoio do Centrão foi comprado com muitos cargos e verbas e poucas palavras. Porém, nas ocasiões em que se fizeram acordos não fisiológicos, o presidente frequentemente não cumpriu sua parte. Um exemplo disso foi sua promessa de ficar quieto e respeitar o resultado da votação referente à chamada PEC do voto impresso.
No presente embate com o Supremo Tribunal Federal – ou melhor, com os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso –, Bolsonaro vai aumentando incessantemente o tom, incluindo ameaças de “ruptura institucional”. Isso, em um país que viveu duas ditaduras longevas no século 20, quer dizer uma coisa só: golpe militar. Felizmente, a maioria do comando das Forças Armadas parece não querer embarcar em uma aventura doidivanas de rompimento democrático.
A situação coloca toda a culpa na tensão atual em cima de Moraes e Barroso, lembrando que o presidente foi eleito para seu cargo e os ministros nomeados para entrar no Olimpo do Judiciário. Já a oposição aplaude as ações dos juízes da Alta Corte e aponta o presidente como culpado de todas as mazelas pelas quais passamos.
Bolsonaro foi eleito e os membros do Judiciário são escolhidos. Isso não deixa de ser verdade. Mas bem que Bolsonaro poderia entender que esses solavancos fazem mal para o país, especialmente quando nossa economia e ânimos estão esgarçados pela pandemia da Covid-19. Já os ministros, de seu lado, parecem estar cutucando a onça como se não houvesse amanhã – e, na interpretação de alguns, extrapolando suas funções.
Uma coisa é certa: os empresários estão fartos dessas brigas. O presidente ainda consegue o apoio de vários homens de negócios no país, é verdade, mas seu apoio na classe empresarial está diluindo rapidamente – assim como parte da classe média parece também entrar em profundo desencanto com o mandatário.
Isso tudo vai se manter até 2021? Difícil de fazer alguma previsão, especialmente se houver uma forte retomada da economia e o novo programa de assistencialismo fizer sucesso. Uma coisa, porém, é certa. Há uma fração considerável que não votará em Bolsonaro por não gostar do que enxerga na figura do presidente. A economia pode até bombar, mas essa fatia do eleitorado não mudará de opinião. Neste sentido, pode se abster, votar nulo ou em branco – mas irá rejeitar o atual comandante do país.
A contenda com o Supremo parece ter entrado em um momento de máxima eletricidade. Quem vai recuar? Bolsonaro ou os ministros?
No Supremo, a causa de Barroso, principalmente, é comprada por muitos dos demais magistrados. O cargo que o ministro acumula, o de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, já foi ocupado por outros membros da Alta Corte. Assim, quando Bolsonaro fala em fraudes eleitorais, atinge também outros colegas de Barroso. Com essa disposição de falar mal do voto eletrônico, o presidente conseguiu uma façanha: reaproximar inimigos históricos como o atual presidente do TSE e Gilmar Mendes. Os dois se odeiam, mas fizeram uma trégua estratégica para se unirem em torno da defesa do sistema eleitoral vigente.
Quem poderia costurar uma eventual détente?
Um dos nomes habilitados para negociar a paz entre os poderes é o vice-presidente Hamilton Mourão. Mas Bolsonaro insiste em hostilizá-lo e deixá-lo de fora do núcleo de poder. Outro possível candidato seria o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira. Mas ele ainda não engoliu os comentários do presidente após a votação da PEC que mudaria o sistema de voto brasileiro.
Resta, assim, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que conta com a ajuda do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Conseguirá essa dupla amainar o estresse que permeia as relações entre Bolsonaro e o STF?
Ao prometer que irá processar Barroso e Moraes no Senado (o caminho legal quando se acusa um ministro do Supremo de alguma irregularidade), Jair Bolsonaro vai precisar da boa vontade de uma figura com a qual se desentendeu no passado recente – o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, que já deu todas as pistas de que não pautará esses processos contra os juízes.
Quando a intenção de Pacheco for oficial e irreversível, o que fará Bolsonaro? Virá com uma nova bravata, ameaçando uma nova ruptura? Ou vai agir de acordo com o que se espera de um presidente da República, buscando o entendimento?
As perguntas são retóricas, pois a resposta todo mundo já sabe qual é.
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