As avós das Fake News já circulavam rápido no século passado
Existe uma solução para um problema antigo que apenas foi turbinado pela tecnologia? A resposta é simples: não
Publicado em 25 de novembro de 2020 às, 19h02.
Última atualização em 25 de novembro de 2020 às, 20h17.
Numa época em que não havia internet e as ligações telefônicas internacionais demoravam horas para ser completadas, o secretário de Estado Cordell Hull, durante da Segunda Guerra Mundial, disse uma frase que cai feito uma luva para os tempos atuais: “Uma mentira pode dar a volta ao mundo antes que a verdade tenha tempo de vestir suas calças”. Esta máxima, que volta e meia é erroneamente atribuída a Winston Churchill, foi dita por alguém que sofreu na pele os efeitos perversos de uma mentira.
Como autoridade máxima americana a negociar com os japoneses a retirada de tropas do Oceano Pacífico, Hull foi enganado nas negociações, esticadas até que o Japão pudesse bombardear a base militar de Pear Harbor, no Havaí, num episódio que ficou conhecido como o “Dia da Infâmia”.
Segundo os dicionários, a palavra “infâmia” pode ser definida de várias formas. Uma delas é: “ato ou dito considerado condenável do ponto de vista moral e social, maldade ou vileza que afeta a honra ou a credibilidade de uma pessoa ou instituição”. A frase de Hull, assim, combinada com a definição do termo que batiza o bombardeio de Pear Harbor, consegue capturar perfeitamente uma praga da modernidade – as Fake News.
O secretário Hull, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz e foi quem ocupou este cargo por mais tempo na história dos EUA (onze anos), não teve de lidar com uma rede digital de militantes cujo propósito é difamar ou desinformar as pessoas.
Mas o que fazia as mentiras circularem rapidamente na primeira metade do século passado é o mesmo motivo que impulsiona o ritmo das inverdades divulgadas da rede, que transitam numa velocidade seis vezes maior que uma postagem sobre algo verdadeiro.
O combustível das mentiras analógicas e o das Fake News digitais é rigorosamente igual: a identificação dos mensageiros com o conteúdo das lorotas.
Muitos internautas têm um “a-ha moment” quando leem Fake News na rede. É aquele instante em que muitos exclamam para si: “é isso!”. A identificação com o que está escrito é tanta que ninguém se preocupa em checar se a informação é fidedigna. Aliás, verificar a veracidade seria inútil entre os mais radicais, uma vez que existe uma corrente de extremistas que não acreditam nas agências de checagem ou nos grandes veículos de comunicação.,
Existe uma solução para um problema antigo que apenas foi turbinado pela tecnologia? A resposta é simples: não.
As Fake News sempre existiram entre nós, mas tinham um alcance limitado. As redes sociais se tornaram um terreno fértil para mentiras e desinformações e viraram um veículo rápido para disseminar absurdos que vão de insultos a teorias da conspiração. De um lado, temos pessoas mal intencionadas que desejam, forçando a barra, difundir uma ideia. De outro, inocentes úteis (e sofrendo de uma ansiedade crônica) à disposição, além de robôs que podem ser facilmente acionados. A soma desses dois fatores provoca uma disseminação instantânea de impropérios ou bazófias. Infelizmente, nada indica que esse quadro vá mudar tão cedo.
Para cada ação há uma reação. Por isso, se combatemos as Fake News com agências de checagem e jornalistas especialmente destacados para pesquisar os boatos que surgem na rede, haverá um movimento para enfrentar aqueles que expõem as falsidades. Os “deep fakes” são um exemplo deste revanchismo. Outra maneira é o conjunto de tentativas, nos EUA, de se criar falsos mecanismos de “fact-checking”, com o propósito de corroborar informações falsas e gerar confusão na mente dos internautas.
Voltando a Cordell Hull. Em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel, ele afirmou: “Nenhuma máquina social, mesmo que bem construída, pode ser efetiva a não ser que exista uma grande determinação e força de vontade para fazê-la funcionar. O teste crucial para a humanidade e para as nações é, a despeito do sofrimento e do aprendizado recentes, colocar de lado a suspeita, preconceito e interesses estreitos e de curto prazo para nos unirmos em torno de um objetivo maior. Esse interesse comum, irresistível e ofuscante, é a paz duradoura, cuja moldura dos novos poderes da ciência e da tecnologia pode ser utilizada para chegarmos aos limites jamais sonhados do bem-estar da humanidade”.
Se substituirmos a palavra “paz” por “tolerância”, teremos neste depoimento a inspiração necessária para tomarmos o caminho certo e encontrarmos uma fórmula segura que combata as Fake News e seus efeitos nefastos na sociedade.