A tese do "fruto de árvore venenosa" e suas consequências nefastas
Esta expressão, usada pela 1ª vez pelo juiz americano Felix Frankfurter, foi criada para descartar em julgamento qualquer evidência obtida de forma ilegal
Publicado em 17 de novembro de 2021 às, 11h01.
Última atualização em 17 de novembro de 2021 às, 11h03.
Por Aluizio Falcão Filho
Nos Estados Unidos, os tribunais, volta e meia, estão discutindo a tese do fruto de uma árvore venenosa (“fruit of the poisonous tree). Esta expressão, usada pela primeira vez em 1939 pelo juiz da Suprema Corte Felix Frankfurter (imagem), foi criada para descartar em um julgamento qualquer evidência obtida de forma ilegal. Assim, se a fonte (ou a árvore) de onde se obteve uma determinada prova (ou fruto) estiver contaminada, toda a sua cadeia deverá ser desprezada.
Aqui no Brasil, no entanto, isso nem sempre ocorre. No caso da chamada Vaza-Jato, muitos juristas afirmaram que os grampos revelados, com diálogos entre os membros da Operação Lava-Jato, deveriam ser desprezados do ponto de vista legal, uma vez que foram obtidos por hackers. Mas, apesar disso, esses conteúdos foram determinantes na sentença do Supremo Tribunal Federal que julgou o ex-ministro Sergio Moro parcial em sua conduta durante a força-tarefa que colocou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e diversos políticos na cadeia.
Apesar de não ter grande efeito do ponto de vista jurídico, percebe-se que o debate político tem utilizado fortemente este tipo de argumento. Figuras da direita ou da esquerda utilizam frequentemente a fonte de determinados argumentos para desqualificar seus interlocutores.
Um caso típico é o da CPI da Pandemia, que teve como relator Renan Calheiros e presidente Omar Aziz. Houve inúmeros exageros por parte da dupla e o plenário ferveu várias vezes, com gritos e protestos quase diários. Pode-se dizer o mesmo da tropa de choque do governo que conduziu os embates dentro da Comissão.
Mas apontou-se frequentemente o passado de Renan, sob o qual pesam graves acusações de corrupção, como uma forma de diminuir o peso de determinadas informações que foram obtidas durante diligências ou depoimentos. Vamos supor que o senador alagoano seja o pilantra que muitos dizem ser. Isso invalida todas as conclusões que estão no relatório final?
Houve um debate sem fim nos últimos meses sobre a eficácia das vacinas, amenizado pela redução expressiva de mortes causadas pela Covid-19, mesmo nos países em que tivemos um novo ciclo de contaminação, como na Alemanha e na Áustria. Mas, no auge dessas discussões, era muito comum ouvir que as fontes utilizadas para defender o uso de vacinas eram “de esquerda” e que, por isso, deveriam ser esquecidas. Ou que o termo “negacionista” era uma narrativa esquerdista para colocar em descrédito quem não queria se vacinar (o fenômeno “negacionista”, porém, é antigo e totalmente apartidário; começou a crescer nos anos 1990 em comunidades alternativas que pregavam uma vida natural – pessoas que dificilmente votariam em candidatos conservadores ou de direita).
Críticas internacionais ao governo de Jair Bolsonaro, dentro deste raciocínio, deveriam ser igualmente abandonadas, pois partiriam de uma imprensa esquerdista ou de governos europeus socialistas.
O outro lado também pode ser lembrado aqui. Há várias iniciativas do Ministério da Economia que podem ser aplaudidas – duas delas promulgadas da semana passada. Uma delas foi a simplificação das regras trabalhistas infralegais (as que podem ser mudadas sem autorização do Congresso). Nesta canetada, cerca de mil decretos, portarias, instruções normativas trabalhistas foram reduzidas a apenas 15 normas. Além disso, o governo também anunciou que a desoneração da Folha de Pagamentos, que teria fim em dezembro, terá duração de mais dois anos. Muitos oposicionistas, no entanto, ignoraram tais iniciativas, pois não querem reconhecer medidas positivas de um governo que está sob uma saraivada de desaprovações.
O bom senso, no entanto, nos faz reconhecer acertos ou concordar com argumentos que venham de adversários – desde que façam sentido. Mas o clima que se instaurou no Brasil nos leva a ignorar o equilíbrio e a prudência.
Ultimamente, porém, o desgosto dos brasileiros com os rumos da economia pode elevar ainda mais a octanagem dessas discussões. Vemos, neste cenário, dois mundos paralelos. Em um, o ministro Paulo Guedes diz que a economia brasileira vai bem e melhor que a média mundial (algo que não corresponde à frieza dos números projetados por entidades como o Fundo Monetário Nacional ou mesmo pelo boletim Focus, editado pelo Banco Central). Em outro, temos pesquisas nas quais o governo sofre índices de rejeição acima dos 50 % na maioria dos estados brasileiros (como na pesquisa da Quaest revelada ontem pela Folha de S. Paulo).
Essas pesquisas, no entanto, são rejeitadas pelos apoiadores do presidente. Um dos argumentos frequentes utilizados por eles é que, se dependesse das pesquisas, o PT teria vencido as urnas em 2018. Algumas pesquisas podem ter vícios ou má-fé na elaboração de suas premissas. Mas há uma convergência entre as conclusões de todos os institutos de pesquisa. Haveria um conluio entre todos eles? Dificilmente.
Quando há muito em jogo, o melhor é deixar a emoção de lado e tentar extrair conclusões importantes das críticas adversárias. Quando tentamos entender o outro lado, vamos fatalmente descobrir um jeito de melhorar nossa conduta ou – na pior das hipóteses – nosso poder de argumentação. Mas há dois obstáculos neste processo: a teimosia e a raiva. Se ficarmos escravizados por esse comportamento, dificilmente vamos evoluir e encontrar soluções para um Brasil melhor que este no qual vivemos.