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A religião de um ministro do STF não deveria importar

No Brasil a religião evangélica acabou sendo uma espécie de certificação inquestionável de conservadorismo

BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 7 de outubro de 2020 às 08h46.

Última atualização em 7 de outubro de 2020 às 08h49.

O presidente Jair Bolsonaro disse, meses atrás, que poderia indicar, para a vaga do decano Celso de Mello, prestes a se aposentar do Supremo Tribunal Federal, um ministro “terrivelmente evangélico”. De lá para cá, muitas coisas mudaram no governo e, de qualquer forma, a tal promessa não foi cumprida. Por fim, há alguns dias, o desembargador Kassio Nunes Marques, um católico, foi indicado à vaga (sob acusações, para variar, de apresentar um currículo turbinado).

Algumas hostes pentecostais – tendo o pastor Silas Malafaia à frente – protestaram (Malafaia, por sinal, ponderou que seus queixumes tinham mais a ver com uma suposta origem esquerdista de Marques, indicado à nata do Judiciário por Dilma Rousseff).

Essa situação nos leva a uma discussão um pouco mais ampla: a religião de um jurista deveria importar? Nos Estados Unidos, há uma variável que se mostra importante no momento em que escolhas são feitas na Alta Corte: o grau de conservadorismo. O credo religioso de quem recebeu a indicação? Raramente é algo digno de debate.

Mudando para outra profissão: vamos supor que alguém tenha um problema súbito de saúde e tenha de ser operado. Ao conhecer o cirurgião que irá conduzir a operação, alguém pergunta se o médico é evangélico, judeu, católico, ateu, espírita ou umbandista? Dificilmente.
O exemplo da medicina é importante porque mostra uma situação limite na qual importa apenas a capacidade técnica do profissional envolvido. Nessas horas, na maioria esmagadora dos casos, as famílias querem saber apenas das habilidades terrenas do especialista. Suas crenças religiosas acabam ficando em segundo ou até terceiro plano.

Aqui no Brasil, no entanto, a religião evangélica acabou sendo uma espécie de certificação inquestionável de conservadorismo. De fato, para aqueles que são religiosos e seguem a Bíblia com afinco, os costumes são vistos sob uma ótica nada progressistas. Mas, por outro lado, há católicos extremamente conservadores. O conservadorismo de costumes não é algo exclusivo das religiões pentecostais.

A visão conservadora, diga-se, é algo que está disseminado também entre os chamados católicos não praticantes. Trata-se de uma visão de mundo que independe da leitura frequente das escrituras sagradas.

Obviamente, não se pode generalizar. Mas os católicos se fixam mais nos textos do Novo Testamento. Muitos evangélicos, por outro lado, se atêm nos autores do Velho Testamento. Uma das principais diferenças entre as duas partes do livro está na capacidade de exercer a tolerância – um tema que permeia a história de Jesus Cristo, contra inúmeras narrativas em que a ira divina é despejada sobre alguns povos, segundo vários profetas das escrituras mais antigas. Talvez aqui esteja uma diferença crucial na análise das religiões cristãs. Em tese, assim, um evangélico seria mais rígido em relação às leis divinas do que um católico. Mas isso está mais inserido em uma batalha de estereótipos, sem que necessariamente exista respaldo na realidade nua e crua dos fatos.

A lei brasileira, ao contrário da legislação americana, é baseada em textos rebuscados e de difícil compreensão. Aqui, não damos tanta importância à jurisprudência e queremos regular absolutamente tudo em nossos textos jurídicos. O resultado disso tudo é um mar de batalhas judiciais, associado a um protagonismo desnecessário de juízes, desembargadores e ministros.

Os recentes acontecimentos na esfera política acabaram criando mais fogueiras das vaidades no mundo do Judiciário. No caso da vaga que se abre agora, Bolsonaro viu, há alguns meses, a oportunidade de colocar alguém alinhado com seus pensamentos e soltou o termo “evangélico” como uma espécie de carimbo garantidor do conservadorismo.

Mas a leitura da Bíblia é sabidamente uma atividade que requer forte capacidade de interpretação, aliada a um conhecimento profundo de personagens históricos e religiosos. O estudo da Lei, entretanto, deveria caminhar em sentido contrário e prover uma só resposta, não permitindo ilações ou leitura das entrelinhas.

Na prática, porém, não é o que acontece. Hoje, o destino de milhares de pessoas, diariamente, está na mão de profissionais da Justiça, pagos com dinheiro público para julgar o que diz a Carta e os códigos legais. O julgamento dessas pessoas precisa ter equilíbrio, retidão e legitimidade, além de conhecimento técnico. Kassio Nunes Marques reúne tais qualidades? Há várias pessoas do mundo jurídico que gostaram da indicação e respondem afirmativamente a essa questão. Será a voz conservadora da qual precisa Jair Bolsonaro? Ainda é cedo para saber. Se abraçar causas contrárias à do presidente não terá sido o primeiro a trair quem o indicou – e nem será o último.

O presidente Jair Bolsonaro disse, meses atrás, que poderia indicar, para a vaga do decano Celso de Mello, prestes a se aposentar do Supremo Tribunal Federal, um ministro “terrivelmente evangélico”. De lá para cá, muitas coisas mudaram no governo e, de qualquer forma, a tal promessa não foi cumprida. Por fim, há alguns dias, o desembargador Kassio Nunes Marques, um católico, foi indicado à vaga (sob acusações, para variar, de apresentar um currículo turbinado).

Algumas hostes pentecostais – tendo o pastor Silas Malafaia à frente – protestaram (Malafaia, por sinal, ponderou que seus queixumes tinham mais a ver com uma suposta origem esquerdista de Marques, indicado à nata do Judiciário por Dilma Rousseff).

Essa situação nos leva a uma discussão um pouco mais ampla: a religião de um jurista deveria importar? Nos Estados Unidos, há uma variável que se mostra importante no momento em que escolhas são feitas na Alta Corte: o grau de conservadorismo. O credo religioso de quem recebeu a indicação? Raramente é algo digno de debate.

Mudando para outra profissão: vamos supor que alguém tenha um problema súbito de saúde e tenha de ser operado. Ao conhecer o cirurgião que irá conduzir a operação, alguém pergunta se o médico é evangélico, judeu, católico, ateu, espírita ou umbandista? Dificilmente.
O exemplo da medicina é importante porque mostra uma situação limite na qual importa apenas a capacidade técnica do profissional envolvido. Nessas horas, na maioria esmagadora dos casos, as famílias querem saber apenas das habilidades terrenas do especialista. Suas crenças religiosas acabam ficando em segundo ou até terceiro plano.

Aqui no Brasil, no entanto, a religião evangélica acabou sendo uma espécie de certificação inquestionável de conservadorismo. De fato, para aqueles que são religiosos e seguem a Bíblia com afinco, os costumes são vistos sob uma ótica nada progressistas. Mas, por outro lado, há católicos extremamente conservadores. O conservadorismo de costumes não é algo exclusivo das religiões pentecostais.

A visão conservadora, diga-se, é algo que está disseminado também entre os chamados católicos não praticantes. Trata-se de uma visão de mundo que independe da leitura frequente das escrituras sagradas.

Obviamente, não se pode generalizar. Mas os católicos se fixam mais nos textos do Novo Testamento. Muitos evangélicos, por outro lado, se atêm nos autores do Velho Testamento. Uma das principais diferenças entre as duas partes do livro está na capacidade de exercer a tolerância – um tema que permeia a história de Jesus Cristo, contra inúmeras narrativas em que a ira divina é despejada sobre alguns povos, segundo vários profetas das escrituras mais antigas. Talvez aqui esteja uma diferença crucial na análise das religiões cristãs. Em tese, assim, um evangélico seria mais rígido em relação às leis divinas do que um católico. Mas isso está mais inserido em uma batalha de estereótipos, sem que necessariamente exista respaldo na realidade nua e crua dos fatos.

A lei brasileira, ao contrário da legislação americana, é baseada em textos rebuscados e de difícil compreensão. Aqui, não damos tanta importância à jurisprudência e queremos regular absolutamente tudo em nossos textos jurídicos. O resultado disso tudo é um mar de batalhas judiciais, associado a um protagonismo desnecessário de juízes, desembargadores e ministros.

Os recentes acontecimentos na esfera política acabaram criando mais fogueiras das vaidades no mundo do Judiciário. No caso da vaga que se abre agora, Bolsonaro viu, há alguns meses, a oportunidade de colocar alguém alinhado com seus pensamentos e soltou o termo “evangélico” como uma espécie de carimbo garantidor do conservadorismo.

Mas a leitura da Bíblia é sabidamente uma atividade que requer forte capacidade de interpretação, aliada a um conhecimento profundo de personagens históricos e religiosos. O estudo da Lei, entretanto, deveria caminhar em sentido contrário e prover uma só resposta, não permitindo ilações ou leitura das entrelinhas.

Na prática, porém, não é o que acontece. Hoje, o destino de milhares de pessoas, diariamente, está na mão de profissionais da Justiça, pagos com dinheiro público para julgar o que diz a Carta e os códigos legais. O julgamento dessas pessoas precisa ter equilíbrio, retidão e legitimidade, além de conhecimento técnico. Kassio Nunes Marques reúne tais qualidades? Há várias pessoas do mundo jurídico que gostaram da indicação e respondem afirmativamente a essa questão. Será a voz conservadora da qual precisa Jair Bolsonaro? Ainda é cedo para saber. Se abraçar causas contrárias à do presidente não terá sido o primeiro a trair quem o indicou – e nem será o último.

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