A recessão democrática e a sensação térmica na economia
"Às vezes, a sensação térmica na economia é diferente do que dizem os números", já diria o cientista político Murillo de Aragão
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Publicado em 12 de janeiro de 2024 às 13h57.
Como jornalista, adoro um jogo de palavras – ou o uso de expressões fora de seu contexto original. Recentemente, topei com dois exemplos linguísticos que podem ajudar a explicar determinados fenômenos que ocorrem no Brasil, tanto no cenário econômico quanto no panorama político.
Um deles é de autoria do cientista político Murillo de Aragão, proferida em uma edição de MONEY REPORT TV (todas as quintas-feiras, às 21:00, no canal BM&C News). Falávamos sobre a economia nacional, especialmente sobre o resultado do Produto Interno Bruto, que iria crescer mais de 3 %, contra uma percepção de que o cenário era negativo por parte de muitos empresários. Murillo, então, disse: “Às vezes, a sensação térmica na economia é diferente do que dizem os números”.
A analogia é bastante interessante. Muitas vezes, estamos em um local e os termômetros registram uma determinada temperatura. Mas a nossa impressão é a de que o clima está muito mais quente ou mais frio do que apontam os instrumentos. Com a economia, pode ocorrer algo semelhante – e foi o que ocorreu durante o ano passado. Os números indicam um crescimento expressivo do PIB. Mas muitas empresas tiveram de lidar com juros ainda altos e restrições de crédito por parte das instituições financeiras. O resultado? Um grande esforço para ficar em pé.
Assim, pode-se dizer que havia dois países. Um surfava uma onda positiva, com expansão de seus negócios; outro, porém, contentava-se em manter a cabeça acima do nível da água, acossado por um mercado competitivo e condições macroeconômicas difíceis.
O segundo exemplo eu li em um artigo do jornalista Martin Wolf, do Financial Times, e menciona um termo cunhado pelo sociólogo americano Larry Diamond, da Universidade de Stanford: “recessão democrática”. O casamento de uma palavra geralmente utilizada em um contexto econômico e outra mais apropriada a temas políticos explica bem uma parte do comportamento atual de nossa sociedade.
Essa expressão foi cunhada a partir de um estudo que mostra 25 colapsos nas democracias do mundo desde 2000. “Não apenas através de golpes militares ou executivos flagrantes, mas também através de degradações sutis e incrementais de direitos e procedimentos democráticos que finalmente empurram um sistema democrático para o autoritarismo”, escreveu Diamond.
(É preciso aqui esclarecer que esse termo é utilizado com frequência por intelectuais de Esquerda para analisar governos de Direita como os de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, no Brasil. Mesmo assim, ele serve bastante bem para explicar diversos comportamentos autoritários de indivíduos que juram estar defendendo a democracia, não importa o matiz ideológico)
Convenhamos: nos dois lados do Fla-Flu da ideologia, enxergamos pessoas que estão interessadas em solapar princípios democráticos ou reduzir liberdades individuais. Tudo é uma questão de conveniência. Bolsonaristas que pregavam a intervenção militar na avenida Paulista, anos atrás, são hoje arautos da liberdade de expressão em função da ação repressora do Supremo Tribunal Federal. E aqueles que sofreram com a censura na época da ditadura militar hoje aplaudem a Justiça quando magistrados calam influenciadores de Direita (o motivo, nesse caso, é a proliferação de fake news – só que a divulgação de notícias falsas não é privilégio de uma determinada vertente ideológica).
Trata-se, de fato, de uma recessão democrática. Mas, como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “o conceito de democracia é relativo”. Cada um de nós tem um arquétipo do que seria uma sociedade democrática. Na Direita, por exemplo, há muita gente que considera o atual regime uma “ditadura do Judiciário”. Mas os ministros do STF acreditam que estão fazendo seu trabalho em nome da democracia – com o aplauso da Esquerda.
Quem terá razão?
Enquanto os princípios democráticos estiverem sob ameaça e a liberdade de expressão for confrontada, correremos o risco de que a atual recessão vire uma depressão congênita – um equivalente político ao que ocorreu após a quebra da bolsa americana em 1929. Não podemos deixar isso acontecer. É preciso defender a democracia e combater os autoritários. Especialmente aqueles que se escondem embaixo da pele de cordeiros democráticos.
Como jornalista, adoro um jogo de palavras – ou o uso de expressões fora de seu contexto original. Recentemente, topei com dois exemplos linguísticos que podem ajudar a explicar determinados fenômenos que ocorrem no Brasil, tanto no cenário econômico quanto no panorama político.
Um deles é de autoria do cientista político Murillo de Aragão, proferida em uma edição de MONEY REPORT TV (todas as quintas-feiras, às 21:00, no canal BM&C News). Falávamos sobre a economia nacional, especialmente sobre o resultado do Produto Interno Bruto, que iria crescer mais de 3 %, contra uma percepção de que o cenário era negativo por parte de muitos empresários. Murillo, então, disse: “Às vezes, a sensação térmica na economia é diferente do que dizem os números”.
A analogia é bastante interessante. Muitas vezes, estamos em um local e os termômetros registram uma determinada temperatura. Mas a nossa impressão é a de que o clima está muito mais quente ou mais frio do que apontam os instrumentos. Com a economia, pode ocorrer algo semelhante – e foi o que ocorreu durante o ano passado. Os números indicam um crescimento expressivo do PIB. Mas muitas empresas tiveram de lidar com juros ainda altos e restrições de crédito por parte das instituições financeiras. O resultado? Um grande esforço para ficar em pé.
Assim, pode-se dizer que havia dois países. Um surfava uma onda positiva, com expansão de seus negócios; outro, porém, contentava-se em manter a cabeça acima do nível da água, acossado por um mercado competitivo e condições macroeconômicas difíceis.
O segundo exemplo eu li em um artigo do jornalista Martin Wolf, do Financial Times, e menciona um termo cunhado pelo sociólogo americano Larry Diamond, da Universidade de Stanford: “recessão democrática”. O casamento de uma palavra geralmente utilizada em um contexto econômico e outra mais apropriada a temas políticos explica bem uma parte do comportamento atual de nossa sociedade.
Essa expressão foi cunhada a partir de um estudo que mostra 25 colapsos nas democracias do mundo desde 2000. “Não apenas através de golpes militares ou executivos flagrantes, mas também através de degradações sutis e incrementais de direitos e procedimentos democráticos que finalmente empurram um sistema democrático para o autoritarismo”, escreveu Diamond.
(É preciso aqui esclarecer que esse termo é utilizado com frequência por intelectuais de Esquerda para analisar governos de Direita como os de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, no Brasil. Mesmo assim, ele serve bastante bem para explicar diversos comportamentos autoritários de indivíduos que juram estar defendendo a democracia, não importa o matiz ideológico)
Convenhamos: nos dois lados do Fla-Flu da ideologia, enxergamos pessoas que estão interessadas em solapar princípios democráticos ou reduzir liberdades individuais. Tudo é uma questão de conveniência. Bolsonaristas que pregavam a intervenção militar na avenida Paulista, anos atrás, são hoje arautos da liberdade de expressão em função da ação repressora do Supremo Tribunal Federal. E aqueles que sofreram com a censura na época da ditadura militar hoje aplaudem a Justiça quando magistrados calam influenciadores de Direita (o motivo, nesse caso, é a proliferação de fake news – só que a divulgação de notícias falsas não é privilégio de uma determinada vertente ideológica).
Trata-se, de fato, de uma recessão democrática. Mas, como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “o conceito de democracia é relativo”. Cada um de nós tem um arquétipo do que seria uma sociedade democrática. Na Direita, por exemplo, há muita gente que considera o atual regime uma “ditadura do Judiciário”. Mas os ministros do STF acreditam que estão fazendo seu trabalho em nome da democracia – com o aplauso da Esquerda.
Quem terá razão?
Enquanto os princípios democráticos estiverem sob ameaça e a liberdade de expressão for confrontada, correremos o risco de que a atual recessão vire uma depressão congênita – um equivalente político ao que ocorreu após a quebra da bolsa americana em 1929. Não podemos deixar isso acontecer. É preciso defender a democracia e combater os autoritários. Especialmente aqueles que se escondem embaixo da pele de cordeiros democráticos.