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A oposição consegue reconhecer os acertos do governo?

Trata-se de uma tarefa dificílima, que exige uma vitória incontestável da razão sobre as emoções

Palácio do Planalto (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
DR

Da Redação

Publicado em 2 de julho de 2021 às 08h36.

Última atualização em 2 de julho de 2021 às 08h37.

Aluizio Falcão Filho

Estado e governo são termos que se confundem – e muitos dicionários até misturam esses conceitos. Na prática, no entanto, Estado é a estrutura de poderes políticos de uma nação. E o governo é um destes poderes (Executivo), o sistema através do qual se administra um país. Muitas decisões de governo têm impacto no Estado, assim como certas ações do Legislativo e do Judiciário. Mas, diante desse panorama, é possível ser contra o governo e a favor do Estado?

Trata-se de uma tarefa dificílima, que exige uma vitória incontestável da razão sobre as emoções.

Tomemos como exemplo o Plano Real, que completou 27 anos ontem. Lançado em julho de 1994, foi acusado por Luiz Inácio Lula da Silva de ser um “estelionato eleitoral”, medida cosmética para combater a espiral inflacionária até às eleições daquele ano e privilegiar a candidatura de Fernando Henrique Cardoso.

Tornar a moeda estável foi uma tentativa do governo Itamar Franco para consertar um problema que contaminava a estrutura do Estado, a espinha dorsal da Nação e o poder de compra da sociedade. Hoje, quase três décadas depois, não há dúvida de que a iniciativa teve sucesso.

Naquela época, porém, houve torcida por parte do Partido dos Trabalhadores para que a estabilização da moeda desse errado. Em 1994, quando trabalhava na revista EXAME, fizemos um seminário em parceria com o então Banco Garantia, capitaneado por Jorge Paulo Lemann. O evento, que durou dois dias, era voltado para os maiores investidores institucionais do mundo, que vieram ao Brasil para entender as perspectivas do nosso país depois da eleição presidencial que seria realizada em novembro.

No primeiro dia, tivemos um almoço com Fernando Henrique Cardoso; no segundo, com Luiz Inácio Lula da Silva. FHC chegou ao Hotel Intercontinental, onde realizávamos o seminário, em uma Mercedes guiada por seu filho, que era casado com uma das acionistas do Banco Nacional (fechado pelo Banco Central por fraude contábil durante a gestão Fernando Henrique, por sinal). Já Lula apareceu no banco dianteiro de uma Kombi que carregava material de campanha eleitoral.

Fernando Henrique fez uma rápida explanação do Plano Real e disse o que os investidores queriam ouvir em relação ao respeito às regras de livre mercado e estabilidade jurídica. Já Lula criticou o Plano Real e garantiu que a iniciativa faria água logo depois das eleições. Além disso, o petista defendeu um controle de preços como solução para resolver os problemas inflacionários do país (evidentemente, isso ocorreu antes da “Carta aos Brasileiros”, divulgada pelo PT em 2002). Questionado por um ex-ministro do Chile, presente ao almoço, se não seria melhor deixar a economia livre, como tinham feito no país andino, Lula disparou: “O companheiro não pode comparar o Chile, que é um produtor de kiwi, com o Brasil, que é industrializado”.

Lula perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique, que teve o dobro dos votos de seu opositor (Enéas Carneiro – “meu nome é Enéas” – ficou em terceiro lugar com 7 % dos sufrágios). O eleitorado não comprou a ideia de que o Real era um golpe eleitoreiro e acreditou na viabilidade do plano.

Como candidato, Lula tinha de se colocar como opositor a FHC e criticar a iniciativa do governo. Mas acabou caindo em uma armadilha, açoitando algo que no qual os brasileiros queriam acreditar e em um projeto que consertaria um problema congênito do Estado brasileiro.

É possível, nos dias de hoje, separar o governo do Estado? Quando pensamos no quadro político de 1994, a polarização da época parece ser uma discussão de crianças quando comparada à atual.

Elogiar alguma decisão de governo que tenha impacto positivo sobre o Estado brasileiro é algo quase impossível para os oposicionistas nos dias de hoje. A raiz dessa rejeição está no comportamento do presidente Jair Bolsonaro e de alguns membros do governo. Com uma atitude beligerante, os que não concordam com o governo têm dificuldade tremenda de aplaudir medidas que são extremamente benéficas para o país, como a lei da liberdade econômica e a venda de imóveis da União, que arrecadou cerca de R$ 6 bilhões.

Bolsonaro foi eleito com um discurso no qual distribuía chicotadas em partidos e indivíduos que estavam desmoralizados em 2018. Conseguirá fazer o mesmo em 2022? Essa parece ser sua intenção. Mas, com esse comportamento agressivo, oposicionistas e não-simpatizantes podem se unir e ignorar as melhorias criadas pelo governo para beneficiar o Estado.

A confusão de conceitos continuará enquanto houver emoções. E Bolsonaro, com seu estilo, é uma fonte inesgotável de paixões. Contra e a favor.

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Aluizio Falcão Filho

Estado e governo são termos que se confundem – e muitos dicionários até misturam esses conceitos. Na prática, no entanto, Estado é a estrutura de poderes políticos de uma nação. E o governo é um destes poderes (Executivo), o sistema através do qual se administra um país. Muitas decisões de governo têm impacto no Estado, assim como certas ações do Legislativo e do Judiciário. Mas, diante desse panorama, é possível ser contra o governo e a favor do Estado?

Trata-se de uma tarefa dificílima, que exige uma vitória incontestável da razão sobre as emoções.

Tomemos como exemplo o Plano Real, que completou 27 anos ontem. Lançado em julho de 1994, foi acusado por Luiz Inácio Lula da Silva de ser um “estelionato eleitoral”, medida cosmética para combater a espiral inflacionária até às eleições daquele ano e privilegiar a candidatura de Fernando Henrique Cardoso.

Tornar a moeda estável foi uma tentativa do governo Itamar Franco para consertar um problema que contaminava a estrutura do Estado, a espinha dorsal da Nação e o poder de compra da sociedade. Hoje, quase três décadas depois, não há dúvida de que a iniciativa teve sucesso.

Naquela época, porém, houve torcida por parte do Partido dos Trabalhadores para que a estabilização da moeda desse errado. Em 1994, quando trabalhava na revista EXAME, fizemos um seminário em parceria com o então Banco Garantia, capitaneado por Jorge Paulo Lemann. O evento, que durou dois dias, era voltado para os maiores investidores institucionais do mundo, que vieram ao Brasil para entender as perspectivas do nosso país depois da eleição presidencial que seria realizada em novembro.

No primeiro dia, tivemos um almoço com Fernando Henrique Cardoso; no segundo, com Luiz Inácio Lula da Silva. FHC chegou ao Hotel Intercontinental, onde realizávamos o seminário, em uma Mercedes guiada por seu filho, que era casado com uma das acionistas do Banco Nacional (fechado pelo Banco Central por fraude contábil durante a gestão Fernando Henrique, por sinal). Já Lula apareceu no banco dianteiro de uma Kombi que carregava material de campanha eleitoral.

Fernando Henrique fez uma rápida explanação do Plano Real e disse o que os investidores queriam ouvir em relação ao respeito às regras de livre mercado e estabilidade jurídica. Já Lula criticou o Plano Real e garantiu que a iniciativa faria água logo depois das eleições. Além disso, o petista defendeu um controle de preços como solução para resolver os problemas inflacionários do país (evidentemente, isso ocorreu antes da “Carta aos Brasileiros”, divulgada pelo PT em 2002). Questionado por um ex-ministro do Chile, presente ao almoço, se não seria melhor deixar a economia livre, como tinham feito no país andino, Lula disparou: “O companheiro não pode comparar o Chile, que é um produtor de kiwi, com o Brasil, que é industrializado”.

Lula perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique, que teve o dobro dos votos de seu opositor (Enéas Carneiro – “meu nome é Enéas” – ficou em terceiro lugar com 7 % dos sufrágios). O eleitorado não comprou a ideia de que o Real era um golpe eleitoreiro e acreditou na viabilidade do plano.

Como candidato, Lula tinha de se colocar como opositor a FHC e criticar a iniciativa do governo. Mas acabou caindo em uma armadilha, açoitando algo que no qual os brasileiros queriam acreditar e em um projeto que consertaria um problema congênito do Estado brasileiro.

É possível, nos dias de hoje, separar o governo do Estado? Quando pensamos no quadro político de 1994, a polarização da época parece ser uma discussão de crianças quando comparada à atual.

Elogiar alguma decisão de governo que tenha impacto positivo sobre o Estado brasileiro é algo quase impossível para os oposicionistas nos dias de hoje. A raiz dessa rejeição está no comportamento do presidente Jair Bolsonaro e de alguns membros do governo. Com uma atitude beligerante, os que não concordam com o governo têm dificuldade tremenda de aplaudir medidas que são extremamente benéficas para o país, como a lei da liberdade econômica e a venda de imóveis da União, que arrecadou cerca de R$ 6 bilhões.

Bolsonaro foi eleito com um discurso no qual distribuía chicotadas em partidos e indivíduos que estavam desmoralizados em 2018. Conseguirá fazer o mesmo em 2022? Essa parece ser sua intenção. Mas, com esse comportamento agressivo, oposicionistas e não-simpatizantes podem se unir e ignorar as melhorias criadas pelo governo para beneficiar o Estado.

A confusão de conceitos continuará enquanto houver emoções. E Bolsonaro, com seu estilo, é uma fonte inesgotável de paixões. Contra e a favor.

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