Exame.com
Continua após a publicidade

A mesmice dos algoritmos

A indústria de Big Data precisa de líderes como Steve Jobs, que conseguia antever as necessidades de seus clientes

 (Foto/Thinkstock)
(Foto/Thinkstock)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 17 de março de 2022 às, 13h38.

Aluizio Falcão Filho

Neste exato momento, milhares de pessoas estão fazendo pesquisas na rede para decidir uma compra. Outros tantos estão clicando em anúncios estrategicamente postados nas redes sociais e observando produtos que chamaram sua atenção. E mais alguns entraram diretamente em sites de e-commerce para se distrair. Todos esses consumidores vão se deparar, depois, com banners contendo os produtos pesquisados em praticamente todas as páginas digitais que entrarem. O nome dessa estratégia é “retargeting” e já existe há alguns anos.

Faz sentido buscar, na web, clientes em potencial que já entraram em contato com um determinado produto e, por alguma razão aleatória, deixaram de adquiri-lo. Neste grupo, já existe algum tipo de interesse – e, dentro de suas fronteiras, as taxas de conversão são de fato maiores que as de uma tentativa de venda realizada de forma randômica.

Com isso, os sites em que navegamos se transformam em verdadeiras vitrines. A cada espaço comercial que se abre no meio do conteúdo, enxergamos um desfile de mercadorias que olhamos e deixamos de comprar no passado.

Essa estratégia é onipresente e incomoda alguns internautas. Não seria o momento de se pensar em novas formas de se abordar o consumidor? Mais que isso: não está na hora de se criar um sistema que seja mais inteligente?

Estatísticas

Nos últimos meses, fui bombardeado com essa ferramenta de “retargeting” algumas vezes. Só que, em três ocasiões, eu havia comprado os produtos que ficaram aparecendo na minha tela sem parar.

Primeiro, comprei uma frigideira de cerâmica. Depois disso, fiquei vendo essa panela até cansar – uma oferta, diga-se, feita pela mesma loja na qual havia comprado o produto. Depois, adquiri lâmpadas para o meu escritório. O mesmo ocorreu. Por fim, arrematei há dois dias um par de tênis. E estou vendo o mesmo calçado – o mesmo! – desde então em tudo quanto é site que abro. Tive, há pouco, a pachorra de entrar em um portal de notícias e estava lá o mesmo banner. O detalhe é que não apenas comprei, mas já recebi o tênis.

Por que isso acontece? A explicação está nas estatísticas. Uma pesquisa realizada pelo Google Adwords mostra que apenas 3 % compram um produto na primeira visita em um site de e-commerce. É a comodidade que surgiu com o comércio eletrônico: ninguém precisa visitar fisicamente outro estabelecimento para pesquisar preços e condições. Assim, o grau de conversão é mesmo baixo nessa primeira visita virtual.

Portanto, se 97 % não compram imediatamente, os sites comerciais usam a mesma estratégia para todos os cibernautas – e acabam incomodando apenas uma minoria.

Com a evolução das ferramentas de busca e a fidelidade que alguns sistemas de e-commerce devem conquistar, é provável que esses índices de conversão cresçam. Este, portanto, seria o momento de sair da mesmice e buscar novas formas de realizar o “retargeting”, surpreendendo o cliente. Com os novos “features” de inteligência artificial ou de análise preditiva, é possível adivinhar o que determinados consumidores desejam antes mesmo que eles realizem sua intenção.

Há grandes talentos no mundo do Big Data – e a evolução deste mercado em tempos recentes mostra isso. Mas talvez hoje precisemos de alguém com o perfil de um Steve Jobs neste nicho. Alguém que consiga antever as necessidades dos consumidores e desafiar sua equipe a encontrar soluções tecnológicas para o problema (desde que ele morreu, diga-se, a Apple não apresentou nenhum produto revolucionário, apenas criou upgrades, alguns dos quais copiados da concorrência). Sem quebrar paradigmas e primar pela criatividade, estaremos condenados a ver sempre as mesmas soluções – que já começam a contrariar consumidores como eu.

Jobs faz falta não apenas por sua visão futurista, mas por seu tino comercial e capacidade de criar não apenas compradores, mas verdadeiros embaixadores de marca (antes mesmo da existência deste conceito). Quer um exemplo?

Andy Warhol na Netflix

A Netflix acaba de lançar uma minissérie sobre o artista Andy Warhol, baseada em seus diários. Uma determinada passagem fala sobre a noite de 9 de outubro de 1984. Era o aniversário do filho de John Lennon e de Yoko Ono, Sean, e Warhol tinha sido convidado, assim como o jornalista Walter Cronkite e o compositor John Cage. Lá pelas tantas, ele vê o aniversariante brincando com um computador da Apple ao lado de um rapaz que o ajudava a mexer na máquina.

Warhol estava acompanhado do também artista Keith Haring, que ficou encantado com o programa de ilustração do computador (na época, a maioria dos PCs não tinha interface gráfica). Intrigado, se aproximou e viu que era um Macintosh. Warhol disse para o rapaz ao lado de Sean Lennon: “Macintosh? Tem um cara que me liga toda semana querendo me dar um aparelho desses”.

O jovem, então, respondeu e estendeu a mão: “Sou eu mesmo. Muito prazer, Steve Jobs”.