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A liberação às armas e o mal que os puxa-sacos fazem ao país

Assim como Jair Bolsonaro, muitos CEOs e vice-presidentes de empresas também estão sujeitos a conviver com a adulação descarada

Presidente Jair Bolsonaro falando com apoiadores (Marcos Corrêa/PR/Flickr)
LA

Lucas Amorim

Publicado em 16 de fevereiro de 2021 às 08h48.

“O povo está vibrando”, disse recentemente o presidente Jair Bolsonaro em relação aos decretos por ele assinados sobre a liberação das armas no país. Embora exista um número crescente de brasileiros que se interessam por revólveres, rifles e congêneres, ainda não estamos em uma situação em que um cidadão comum, no metrô, vira para o vizinho e pergunta casualmente: “Sua pistola é uma Glock, Luger ou Beretta?”.

Ou seja, dificilmente a maioria da população vibrará apenas porque há mais liberdade para comprar armamentos.

Bolsonaro tirou essa frase de sua própria cabeça? Não necessariamente. Mas é o que ele escuta frequentemente de seus auxiliares mais próximos, de seu círculo familiar e dos seguidores que o cercam em diversas aparições públicas. Em suma: dos puxa-sacos.

Duvidar dos bajuladores é uma tarefa hercúlea – e esse é um desafio que atinge não apenas presidentes da república ou governadores de estado. Muitos CEOs e vice-presidentes de empresas também estão sujeitos a conviver com a adulação descarada. Em suma, qualquer um que detenha poder ou dinheiro estará à mercê do puxa-saquismo.

Quem ocupa o terceiro andar do Palácio do Planalto, no entanto, terá sempre de conviver com os chamados lambe-botas. É algo tão inevitável quanto a morte ou os impostos e pode ocorrer a qualquer mandatário, independente do regime em vigor.

Um exemplo rápido: o ano era de 1974 e o Brasil vinha de um crescimento econômico notável, no embalo do Milagre Econômico criado pelo governo militar. O PIB de 1973 havia registrado uma expansão de 14 % e a classe média prosperava como nunca. Ao mesmo tempo, havia um sentimento de ufanismo no ar, com o tricampeonato de futebol em 1970 e o triunfo na Fórmula-1 em 1972, com Emerson Fittipaldi (a crise do petróleo, que eclodiu em 1973, nem afetou o consumo, pois o país se endividou em dólar para bancar os preços crescentes da importação de combustível).

Diante disso, o presidente Ernesto Geisel esperava uma retumbante vitória do partido governista, a Arena, nas eleições parlamentares de 1974. Encomendou, então, um estudo ao Serviço Nacional de Informações, o antepassado da Agência Brasileira de Inteligência. A pesquisa demorou para chegar, pois os analistas concluíram que o MDB tinha grandes chances de ganhar e tiveram receio de passar o resultado adiante. Houve discussão interna no SNI, pesquisas foram refeitas até que se chegasse a um cenário que agradasse Geisel.

Quando o documento chegou ao gabinete presidencial, apontava vitórias da Arena sobre o MDB no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio, o prognóstico cravava eleição de 14 arenistas contra 8 emedebistas na Câmara Federal; em São Paulo, 32 a 14. Nos dois casos, o vencedor seria o partido governista. O resultado das urnas, porém, registrou o oposto dos vaticínios do SNI. Os fluminenses proporcionaram uma vitória da oposição em 13 a 9, enquanto os paulistas elegeram 29 parlamentares do MDB contra 17 da Arena.

Segundo o jornalista Elio Gaspari, em seu livro “A Ditadura Derrotada”, o Day After do pleito foi de estupefação. O presidente pediu explicações à chefia de sua agência de informações. Escreve Gaspari que “na segunda-feira, dia 18, saíram do SNI e chegaram a[o presidente Ernesto] Geisel três análises do resultado eleitoral. Diferentes e conflitantes, refletiam a um só tempo a perplexidade dos hierarcas e a anarquia instalada no Serviço”.

O que motiva um puxa-saco a bajular sem limites a chefia? Interesse e ambição? Sim. Mas nem sempre é apenas isso. Para muitos, existe a necessidade de ser venerar um líder para preencher um vazio na vida – neste caso, o objeto da adulação passa a ser uma verdadeira obsessão para o puxa-saco.

Há vários níveis de puxa-saquismo, dos mais lights aos baba-ovos profissionais. Praticamente todos os executivos já praticaram a lisonja leve como forma de construir relações mais próximas com as respectivas chefias. No mundo político, entretanto, isso é café pequeno. Quando um puxa-saco entra na órbita de alguém poderoso, começa a fazer um filtro das críticas que ouve e só repassa os elogios. Se não escutou nenhum, vai inventar alguma exaltação.

Não é fácil ouvir críticas, especialmente na ribalta eleitoral. Mas elas são uma importante bússola para quem, em última análise, precisa de votos para se manter no jogo. Se seus auxiliares ou apoiadores escondem a verdade, eles são mais perigosos que seus opositores, pois podem transmitir uma falsa impressão de normalidade.

Somos governados por um capitão reformado e, curiosamente, o termo “puxa-saco” tem origens militares e era um jargão usado nas casernas desde o Período Colonial. Quando viajavam, os oficiais não usavam malas, mas sim grandes sacos – e lá colocavam suas fardas. Mas não eram eles que carregavam sua bagagem e sim os soldados rasos. Assim, puxar sacos se transformou em gíria para a submissão absoluta.

As grandes empresas já perceberam os danos que puxa-sacos desbragados podem fazer aos negócios. Há vasta literatura que mostra como a adulação exagerada aos chefes pode reduzir a produtividade de uma empresa e reduzir seus resultados. Além disso, os departamentos de Recursos Humanos detectam rapidamente quando alguém assume este comportamento e tentam colocar a pessoa nos trilhos da normalidade. Não seria bom se os políticos fizessem o mesmo?

 

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“O povo está vibrando”, disse recentemente o presidente Jair Bolsonaro em relação aos decretos por ele assinados sobre a liberação das armas no país. Embora exista um número crescente de brasileiros que se interessam por revólveres, rifles e congêneres, ainda não estamos em uma situação em que um cidadão comum, no metrô, vira para o vizinho e pergunta casualmente: “Sua pistola é uma Glock, Luger ou Beretta?”.

Ou seja, dificilmente a maioria da população vibrará apenas porque há mais liberdade para comprar armamentos.

Bolsonaro tirou essa frase de sua própria cabeça? Não necessariamente. Mas é o que ele escuta frequentemente de seus auxiliares mais próximos, de seu círculo familiar e dos seguidores que o cercam em diversas aparições públicas. Em suma: dos puxa-sacos.

Duvidar dos bajuladores é uma tarefa hercúlea – e esse é um desafio que atinge não apenas presidentes da república ou governadores de estado. Muitos CEOs e vice-presidentes de empresas também estão sujeitos a conviver com a adulação descarada. Em suma, qualquer um que detenha poder ou dinheiro estará à mercê do puxa-saquismo.

Quem ocupa o terceiro andar do Palácio do Planalto, no entanto, terá sempre de conviver com os chamados lambe-botas. É algo tão inevitável quanto a morte ou os impostos e pode ocorrer a qualquer mandatário, independente do regime em vigor.

Um exemplo rápido: o ano era de 1974 e o Brasil vinha de um crescimento econômico notável, no embalo do Milagre Econômico criado pelo governo militar. O PIB de 1973 havia registrado uma expansão de 14 % e a classe média prosperava como nunca. Ao mesmo tempo, havia um sentimento de ufanismo no ar, com o tricampeonato de futebol em 1970 e o triunfo na Fórmula-1 em 1972, com Emerson Fittipaldi (a crise do petróleo, que eclodiu em 1973, nem afetou o consumo, pois o país se endividou em dólar para bancar os preços crescentes da importação de combustível).

Diante disso, o presidente Ernesto Geisel esperava uma retumbante vitória do partido governista, a Arena, nas eleições parlamentares de 1974. Encomendou, então, um estudo ao Serviço Nacional de Informações, o antepassado da Agência Brasileira de Inteligência. A pesquisa demorou para chegar, pois os analistas concluíram que o MDB tinha grandes chances de ganhar e tiveram receio de passar o resultado adiante. Houve discussão interna no SNI, pesquisas foram refeitas até que se chegasse a um cenário que agradasse Geisel.

Quando o documento chegou ao gabinete presidencial, apontava vitórias da Arena sobre o MDB no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio, o prognóstico cravava eleição de 14 arenistas contra 8 emedebistas na Câmara Federal; em São Paulo, 32 a 14. Nos dois casos, o vencedor seria o partido governista. O resultado das urnas, porém, registrou o oposto dos vaticínios do SNI. Os fluminenses proporcionaram uma vitória da oposição em 13 a 9, enquanto os paulistas elegeram 29 parlamentares do MDB contra 17 da Arena.

Segundo o jornalista Elio Gaspari, em seu livro “A Ditadura Derrotada”, o Day After do pleito foi de estupefação. O presidente pediu explicações à chefia de sua agência de informações. Escreve Gaspari que “na segunda-feira, dia 18, saíram do SNI e chegaram a[o presidente Ernesto] Geisel três análises do resultado eleitoral. Diferentes e conflitantes, refletiam a um só tempo a perplexidade dos hierarcas e a anarquia instalada no Serviço”.

O que motiva um puxa-saco a bajular sem limites a chefia? Interesse e ambição? Sim. Mas nem sempre é apenas isso. Para muitos, existe a necessidade de ser venerar um líder para preencher um vazio na vida – neste caso, o objeto da adulação passa a ser uma verdadeira obsessão para o puxa-saco.

Há vários níveis de puxa-saquismo, dos mais lights aos baba-ovos profissionais. Praticamente todos os executivos já praticaram a lisonja leve como forma de construir relações mais próximas com as respectivas chefias. No mundo político, entretanto, isso é café pequeno. Quando um puxa-saco entra na órbita de alguém poderoso, começa a fazer um filtro das críticas que ouve e só repassa os elogios. Se não escutou nenhum, vai inventar alguma exaltação.

Não é fácil ouvir críticas, especialmente na ribalta eleitoral. Mas elas são uma importante bússola para quem, em última análise, precisa de votos para se manter no jogo. Se seus auxiliares ou apoiadores escondem a verdade, eles são mais perigosos que seus opositores, pois podem transmitir uma falsa impressão de normalidade.

Somos governados por um capitão reformado e, curiosamente, o termo “puxa-saco” tem origens militares e era um jargão usado nas casernas desde o Período Colonial. Quando viajavam, os oficiais não usavam malas, mas sim grandes sacos – e lá colocavam suas fardas. Mas não eram eles que carregavam sua bagagem e sim os soldados rasos. Assim, puxar sacos se transformou em gíria para a submissão absoluta.

As grandes empresas já perceberam os danos que puxa-sacos desbragados podem fazer aos negócios. Há vasta literatura que mostra como a adulação exagerada aos chefes pode reduzir a produtividade de uma empresa e reduzir seus resultados. Além disso, os departamentos de Recursos Humanos detectam rapidamente quando alguém assume este comportamento e tentam colocar a pessoa nos trilhos da normalidade. Não seria bom se os políticos fizessem o mesmo?

 

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