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A história se repete: mais uma rivalidade desune o PSDB

Agremiações rachadas ou marcadas por disputas acabam sempre amargando insucessos

Os tucanos Eduardo Leite e João Doria, governadores do Rio Grande do Sul e de São Paulo, respectivamente. (Money Report/Reprodução)
Os tucanos Eduardo Leite e João Doria, governadores do Rio Grande do Sul e de São Paulo, respectivamente. (Money Report/Reprodução)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 29 de outubro de 2021 às, 15h04.

Aluizio Falcão Filho

Rivalidades fratricidas dentro de partidos políticos acabam sempre de um jeito – a derrota. O PSDB é um bom exemplo disso. No passado, emplacou apenas um vencedor nas disputas presidenciais: o ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, em 1994, reeleito quatro anos depois. Tirando essas eleições e o pleito de 1989, no qual ninguém queria concorrer e o então senador Mario Covas foi para o sacrifício, todas as corridas tucanas ao Planalto foram marcadas pela divisão de forças, ciúmes entre pré-candidatos e pouco caso nos esforços eleitorais.

A lista de derrotados neste processo é até curta: José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves. Mas precisamos lembrar que Serra e Alckmin tentaram a sorte em duas ocasiões. Nessas oportunidades, porém, os candidatos tucanos já entraram enfraquecidos na disputa por não conseguir consenso dentro do partido. Em determinados casos, rivalidades anteriores falaram mais alto. Em outros, os desentendimentos ocorridos antes das prévias tiveram consequências nefastas e a agremiação perdeu força de campanha antes mesmo que a candidatura oficial tivesse sido homologada.

A história parece se repetir no ninho tucano.

O governador Eduardo Leite mal havia completado 3 anos de idade quando o PSDB foi fundado por dissidentes peemedebistas que queriam reviver a chama do MDB autêntico e mais ideológico – no caso, um alinhamento total com as ideias da social-democracia europeia. João Doria, por sua vez, era um jovem de 31 anos, que comandava a Embratur no governo Sarney. Era muito próximo de Covas e tudo indicava que ele se filiaria ao novo partido ainda em seus primeiros meses de vida. Doria, no entanto, somente assinaria uma ficha de filiação tucana em 2001.

Doria e Leite, ungidos governadores em 2018, mostraram certa afinação nos primeiros anos de mandato. Mas bastou que os dois se mostrassem interessados na sucessão presidencial de 2022 para que o partido começasse, mais uma vez, a rachar.

A cúpula peessedebista, no início do ano, mostrou que iria dificultar a vida de Doria dentro do partido e decidiu que as prévias não seriam definidas pelos votos dos filiados. As novas regras deram um peso de 25 % ao voto dos militantes partidários e de 75 % aos políticos com mandato e dirigentes da sigla. Com isso, a decisão sobre quem seria o candidato pelo PSDB seria primordialmente de cúpula. João Doria se mexeu e filiou muitos prefeitos e vice-prefeitos para virar o jogo.

Agora, os partidários de Leite acusam o diretório paulista do PSDB de adulterar datas de filiações de 92 prefeitos e vice-prefeitos de São Paulo para garantir a eles o direito ao voto nas eleições internas. A ideia é causar constrangimento e pressionar contra a candidatura de Doria. Essa estratégia, no entanto, é arriscada. Pode eventualmente levar à vitória do governador gaúcho nas prévias. Mas, se for vitorioso, chegará à campanha presidencial sem o apoio, na prática, de João Doria. Por mais que o prestígio eleitoral do governador paulista esteja arranhado no estado (as pesquisas mostram, desde o ano retrasado, uma popularidade decrescente), é praticamente impossível ganhar eleições nacionais sem contar com uma boa máquina em território paulista.

O raciocínio contrário também é válido. Leite foi para um “tudo ou nada” e provocou uma nódoa no relacionamento entre os governadores. Se Doria vencer – o que ainda é bastante provável –, o partido também estará rachado e pode caminhar, mais uma vez, para a derrota.

Agremiações rachadas ou marcadas por disputas acabam sempre amargando insucessos. Um bom exemplo disso é o que ocorreu no partido democrata americano nos anos 1960, fruto de uma antipatia forte existente entre Lyndon Johnson e Robert Kennedy. O relacionamento entre os dois nunca foi bom, desde o primeiro momento. Mas azedou de vez quando o presidente John Kennedy foi assassinado em Dallas, em novembro de 1963.

Johnson foi eleito em 1964 e poderia concorrer novamente em 1968. Mas começou a sofrer pressões internas para que desse a vez a Kennedy, já senador. Sua presidência foi muito atacada por conta da Guerra do Vietnã e boa parte dessas críticas vinham de parlamentares de seu próprio partido, insuflados pela disputa interna. Johnson irritou-se e anunciou que deixaria a vida pública, abrindo espaço para Bob Kennedy, que ganhou três eleições prévias regionais em seguida.

Como se sabe, o senador foi assassinado em um hotel em Los Angeles antes da convenção final e criou-se um vácuo entre os democratas (além dele, disputavam a indicação o vice-presidente Hubert Humphrey, o congressista Eugene McCarthy e o senador George McGovern). No final, Humphrey foi nomeado candidato e perdeu fragorosamente para Richard Nixon no colégio eleitoral (301 votos a 191 – o racista George Wallace obteria 46 votos).

Os democratas passaram a campanha de 1968 brigando. Apenas no final de outubro é que eles ensaiaram um entendimento, com Johnson promovendo o fim dos bombardeios ao Vietnã, seguindo uma sugestão de Humphrey, e McCarthy (não confundir com o senador Joseph McCarthy, que perseguia comunistas em Hollywood na década de 1950) apoiando o candidato apenas alguns dias antes da eleição. Não deu tempo para que se ensaiasse um virada.

Será que, em 2022, os tucanos vão acabar se entendendo?

Em política, tudo é possível. Mas não deve ser dessa vez que o PSDB vai se unir em torno de um só nome.