A falta que o luxo não faz
Percebo nos últimos anos que alguns bilionários mostram um comportamento que está muito distante da ostentação proporcionada pela riqueza
Publicado em 18 de setembro de 2020 às, 08h50.
Última atualização em 18 de setembro de 2020 às, 08h50.
O dinheiro pode não trazer felicidade, como diz o dito popular, mas pode comprar muitas coisas – e colocar alguém definitivamente no circuito do luxo. Muitos acreditam que o mundo dos bilionários é cercado de grifes e prazeres que custam caro, o que é verdade em parte. Mas percebo nos últimos anos que alguns bilionários mostram um comportamento que está muito distante da ostentação proporcionada pela riqueza.
Conheço um empresário, por exemplo, que tem pouquíssimas peças importadas em seu guarda-roupas. A grife mais frequente que ele usa em seus momentos de lazer é a brasileiríssima Reserva, acessível a qualquer jovem de classe média. Tome-se outro caso, o do filantropo Elie Horn, fundador da Cyrella. Veste-se com simplicidade, tem uma vida frugal e, recentemente, decidiu que irá doar 65% de sua fortuna.
Essa relação um tanto blasé a respeito daquilo que dinheiro pode comprar é mais comum do que se pensa. Jeff Bezos, por exemplo, já era um homem riquíssimo em 1999. Sua fortuna chegava a US$ 10 bilhões (um trocado comparado com os US$ 200 bilhões de hoje), mas ele dirigia um prosaico Honda Accord.
O repórter Bob Simon, do programa jornalístico 60 minutes, da rede americana CBS, andou com ele neste carro e não se conteve: “Você tem uma fortuna entre US$ 9 e 10 bilhões. Estou dizendo isso porque tenho uma pergunta a seguir: por que você está dirigindo esse Honda?” (fiz uma tradução que foge um pouco do sentido original, que pode ser conferido aqui: https://www.youtube.com/watch?v=iJQdj9EhQoQ ).
Já Warren Buffet mora na mesma casa desde 1958, pela qual pagou na época US$ 31 500, o equivalente a U$ 260 000 em moeda atual (hoje, uma propriedade na mesma rua vale cerca de US$ 2 milhões). Em vez de dirigir um Rolls Royce, Mercedes ou uma BMW, ele se locomove em um Lincoln Town Car, um veículo luxuoso, mas sem opulência.
Diariamente, ele passa no McDonald’s em seu caminho para o escritório e compra o café da manhã no drive-thru. Dependendo do dia, gasta entre US$ 2,61 e US$ 3,17 nessa refeição. Você pode conferir uma amostra deste deslocamento diário de Buffet aqui: https://www.youtube.com/watch?v=q0AZQS3mQvs .
A rede dos arcos dourados, por sinal, tem outros fãs entre os mais ricos do mundo, como Mark Zuckerberg e Bill Gates. O fundador da Microsoft é um fã tão grande do Big Mac que até ganhou um McGold card – trata-se de um cartão que oferece sanduíches grátis em qualquer loja do McDonald’s, no mundo inteiro.
Bill Gates já declarou que jamais gasta muito dinheiro com duas coisas em especial: roupas e joias. De fato, as roupas dele são sempre da linha cáqui, de marcas acessíveis à maioria da população americana. Eu mesmo, quando me encontrei com Gates, nos anos 1990, tive a impressão de que meu terno era mais caro e melhor que o dele.
John Caudwell, bilionário britânico que é um dos maiores nomes da filantropia mundial, não vê nenhum sentido em comprar vinhos caros. Prefere garrafas abaixo de cem dólares e, diz ele, o efeito é quase o mesmo. “Não preciso gastar dinheiro para aumentar a minha autoestima”, costuma dizer ele.
Nos anos 1980, Jorge Paulo Lemann ainda não era dono de um império como ocorre hoje. Mas já era uma pessoa de posses. No entanto, apesar de ter acumulado uma boa fortuna no mercado acionário, dirigia um prosaico Passat – quando digo “Passat”, me refiro ao modelo da primeira geração, aquele introduzido no Brasil nos anos 1970 e traseira em estilo fastback. Numa viagem, Lemann entrou num posto de gasolina para reabastecer, só que o estabelecimento estava sendo assaltado.
Um dos ladrões, armado, o segurou um pouco, até que o serviço fosse terminado e o liberou, com a seguinte frase: “Vai embora, que você é peixe pequeno”. Se esse assaltante acompanhasse o noticiário econômico, talvez o final dessa história fosse diferente. Mas foi justamente o desprendimento material de quem hoje possui um patrimônio superior a US$ 50 bilhões que o salvou neste episódio.
O que pode parecer um paradoxo – ter muito dinheiro e optar pela frugalidade – tem uma explicação no perfil de vários desses bilionários. No fundo, o que os move é a capacidade de realizar e construir novos negócios, não a fortuna que surge destas iniciativas. O furor empreendedor é aquilo que gera adrenalina e realização. Para essas pessoas, nada pode bater o sentimento de fechar um novo contrato ou ter a certeza de que um empreendimento deu certo. Nem mesmo a indulgência mais cara de todas.