Exame.com
Continua após a publicidade

A falta que o equilíbrio emocional faz a um líder

O chefe desequilibrado tira a concentração, provoca a discórdia e dissemina insegurança dentro da equipe

Miranda Priestly papel de Meryl Streep em 'O Diabo Veste Prada' (O Diabo Veste Prada/Reprodução)
Miranda Priestly papel de Meryl Streep em 'O Diabo Veste Prada' (O Diabo Veste Prada/Reprodução)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 23 de junho de 2021 às, 08h50.

Aluizio Falcão Filho

Quem já teve um chefe sem equilíbrio emocional?

Trata-se de um pesadelo que drena a vontade de trabalhar. O chefe desequilibrado tira a concentração, provoca a discórdia e dissemina insegurança dentro da equipe. Mas, com o tempo, os colaboradores criam mecanismos de defesa para mitigar as manifestações de assédio moral ou os ziguezagues da estratégia, pois os desequilibrados nunca dizem claramente o que desejam e mudam de ideia frequentemente, sem avisar os outros sobre essas guinadas.

Esse tipo de situação foi bastante frequente nas décadas de 1980 e 1990, colocando à prova os nervos de toda uma geração. As empresas não tinham mecanismos de compliance e broncas desnecessárias aconteciam com uma frequência enorme. Em certos casos, os acesos de raiva poderiam aparecer sem que a voz do chefe fosse levantada em um só decibel – mas se materializam em demissões sumárias ou em comentários ferinos e destruidores. Com o tempo, houve uma depuração nas chefias e os líderes que não conseguiam conter suas explosões foram escanteados. Ainda encontramos alguns remanescentes. Mas o consenso entre os especialistas em recursos humanos é o de que acabaram os tempos dos CEOs que gritam e destratam subordinados, parceiros e clientes.

Esse fenômeno parece ser bem claro na iniciativa privada. Mas, no poder público, vê-se o contrário. Tome-se como exemplo o comportamento agressivo do presidente Jair Bolsonaro na entrevista coletiva de Guaratinguetá, no qual ele criticou a CNN e xingou a TV Globo. Também mandou sua equipe calar a boca, bem como a repórter à qual vociferava impropérios contra a emissora da família Marinho.

Apoiadores de Bolsonaro podem argumentar que ele é perseguido pela imprensa e que essas explosões se devem às pressões contínuas dos repórteres. Isso é verdade. Mas um dos atributos mínimos que se exige de um presidente da República é o controle emocional. Bolsonaro é o presidente de todos os brasileiros. Não apenas de seus apoiadores mais próximos. O mandatário não pode cair em uma provocação rastaquera e perder as estribeiras. Isso é simplesmente inadmissível e acaba contribuindo ainda mais para tornar um ambiente político polarizado em um cenário cada vez mais explosivo.

A atitude impulsiva e impetuosa do presidente é aplaudida por quem concorda com suas ideias e também considera a Globo um horror. Para esses apoiadores, Bolsonaro parece ter sempre razão – algo humanamente impossível, pois ninguém é perfeito.

Hoje, é muito comum argumentar que duas pessoas ou dois fatos não podem ser comparados. Isso ocorre com frequência, por exemplo, quando alguns analistas tentam encontrar semelhanças entre Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Estes comentaristas são atingidos por argumentos, dos dois lados, que renegam esse tipo de comparação.

Mesmo assim, é possível enxergar o mesmo tipo de comportamento agressivo em diversos membros da CPI da Pandemia. Quando um depoente fala algo que agrada a mesa, é detonado pelos senadores governistas. Se ocorre o contrário, Renan Calheiros solta o verbo de forma agressiva (Omar Aziz talvez seja, de todos, o entrevistador mais controlado).

Pode-se dizer que esse tipo de comportamento agressivo seja reflexo dos tempos intolerantes que vivemos. Mas também é reflexo do perfil do presidente, que está longe de ser um pacificador. Pelo contrário. É no campo do confronto que Jair Bolsonaro se sente mais á vontade e gosta de atuar. Ultimamente, porém, o presidente está passando do ponto e indo além de seus limites. Esse comportamento poderá prejudicá-lo no ano que vem?

O núcleo do governo acredita que uma combinação de fatores o favorecerá em 2022: a retomada da economia, a queda do desemprego e a nova configuração do Bolsa-Família. Essa trinca, combinada ao fato de que a vacinação colocará a pandemia no passado, seria suficiente para elevar os índices de popularidade de Bolsonaro e aumentar suas chances de reeleição.

Mas as avaliações do Planalto também são de que o país está dividido em três terços. Um apoia a situação; outro, Lula; e, por fim, há um grupo que não quer saber dos dois, dividido entre várias candidaturas. Ao final, acreditam esses assessores de Bolsonaro, o presidente terminará disputando o segundo turno com o PT. Mas coloca todas as suas fichas na economia, acreditando que a rejeição surgida durante a pandemia vá embora conforme o número de mortes diminua e a Covid deixe as manchetes da imprensa. O núcleo duro bolsonarista, contudo, considera que o principal problema está no grupo de mulheres abaixo de 39 anos, onde se concentra a maior desaprovação em relação ao presidente.

Em 2022, ganhará o pleito quem, no segundo turno, mantiver a militância engajada e convencer os eleitores ocasionais a não aderir à abstenção ou aos votos nulos e brancos. Esses eleitores serão o centro das atenções na segunda etapa e vão decidir o resultado das urnas. Como eles reagiram à zanga presidencial desta semana? Muito mal.

Bolsonaro ouvirá os conselhos para refrear o comportamento agressivo? Provavelmente não. Ou seja, deve se manter com a adrenalina no alto até a decisão das urnas. Isso vai tornar sua reeleição mais difícil ou até inviabilizá-la. Mas o presidente parece ser daqueles que preferem perder achando que estão certos do que ganhar refreando seus impulsos.

Assine a EXAME e acesse as notícias mais importantes em tempo real.