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A falta de tolerância que só aumenta nas redes sociais

A essa altura, não existem mais divisão entre esquerda, centro e direita. A coisa está mais para quem critica, quem está neutro e os defensores de Bolsonaro

Redes sociais: grupos de WhatsApp e do Facebook também acabam atraindo pedradas virtuais entre seus membros (Foto/Thinkstock)
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felipegiacomelli

Publicado em 24 de junho de 2020 às 08h23.

Tenho percebido, nos últimos dias, um aumento significativo de intolerância e irritação nas mídias sociais . Não tenho nenhum estudo do Gartner Group ou coisa parecida para comprovar o que escrevo – apenas minha simples observação. As razões? Pode ser o estresse de três meses de quarentena. Ou as dificuldades causadas pela paralisia econômica. Ou a rabugice típica de quem fica sem socializar com os amigos. Quaisquer que sejam as causas, o fato é que as pessoas estão de pavio curto. E exercitando o lado intolerante como nunca.

A essa altura do campeonato, não existem mais necessariamente uma divisão ideológica entre esquerda, centro e direita. A coisa está mais para quem critica o governo , quem está neutro e os defensores de Bolsonaro. Não é exatamente uma divisão igualitária – mas percebe-se que o barulho feito pelos partidários do governo é alto, independente de seu número físico. Enxergamos várias pessoas de direita entre quem critica, assim como existem aqueles que atacam e defendem o governo em ocasiões diversas. São indivíduos com o comportamento pendular, que reconhecem as boas iniciativas e, ao mesmo tempo, reclamam quando veem algo com o qual não concordam.

Grupos de WhatsApp e comunidades no Facebook são moldadas em torno de consensos. Quando um grupo está em sua fase inicial, há uma certa cordialidade, que rapidamente descamba para as alfinetadas e, depois, para as pedradas virtuais. Existe, então, um momento de depuração e um dos lados começa a fraquejar. Os resistentes vão deixando o grupo até que um conceito preponderante se estabeleça entre a maioria dos membros que se manifestam.

Até pouco tempo atrás, o tal consenso havia se formado na maioria dos grupos, equalizando opiniões e mitigando desentendimentos, pelo menos no que diz respeito à política. Mas, agora, percebe-se uma transformação em curso em relação ao comportamento das pessoas, seja pela irritação provocada pelo isolamento ou pelo gênio irascível que surge com o bolso vazio.

Aqueles que criticam o presidente Jair Bolsonaro passaram a fazê-lo com uma virulência escancarada – e neste grupo não há apenas aqueles de esquerda. Mesmo alguns direitistas perderam a paciência e passaram a vilipendiar alguns membros do Executivo e apoiadores do Planalto.

Essa subida de tom incomodou até quem possui restrições ao governo, mas também não é fã do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Junte-se isso à turma que gosta de retrucar “e o PT?” e teremos uma tensão crescente nas mídias sociais, com debates cada vez mais acalorados, que podem culminar em rompimentos sumários.

É mais ou menos a reedição do que houve durante as eleições de 2018, quando o país ficou rachado entre os fãs de Bolsonaro (alinhados àqueles que pragmaticamente aceitavam a candidatura do PSL) e quem simplesmente não suportava o então capitão-candidato.

Hoje, temos os que acreditam piamente em um impeachment e os que nem cogitam a hipótese (ao lado dos que enxergam com ceticismo essa possibilidade). A análise mais ponderada sumiu do mapa e deu lugar a uma torcida desbragada, pró e contra. O importante, nessa esgrima de argumentos, não é ouvir o lado oposto – é, isto sim, ter razão. Mas há um efeito colateral pernicioso: ouvir o interlocutor apenas para desconstruir seus argumentos torna qualquer discussão rasa e improdutiva.

Nota-se também outro fenômeno nessas discussões: o tratamento condescendente de muitos debatedores, na linha “se você não me entendeu é porque não prestou atenção”. A discórdia, porém, é algo divino, desde que venha acompanhada pelo respeito. Ela permite debates e trocas de ideias que enriquecem a humanidade. Mas são poucos os que têm curiosidade em entender o que os demais pensam.

Neste final de semana, um casal que prezo bastante, Aldo e Patrícia Leone, fizeram uma viagem. Eles trabalham com turismo – Aldo é presidente da rede de agências de viagens Agaxtur (desnecessário dizer que esse foi um dos setores mais afetados pela pandemia). A família Leone, como várias que foram afetadas nesse negócio, está encontrando novas formas para tentar reerguer seu negócio assim que o turismo puder voltar à pauta do dia. O passeio, assim, tinha a ver justamente com o plano de retomar o mercado assim que isso fosse possível.

Os dois, assim, pegaram um avião e fizeram algumas postagens nas redes sociais. Foram hostilizados em massa e chamados até de “genocidas”. Como alguém pode ser chamado dessa forma se entrou paramentado (com máscaras e luvas) num voo comercial devidamente autorizado pela Anac?

Se houvesse um risco real de contaminação em massa, a aeronave não poderia decolar. Mas, se o avião tinha autorização para voar é sinal de que o casal Leone não infringiu nenhuma lei ou desobedeceu a alguma orientação sanitária. Vamos supor que você não concorde com pessoas que façam turismo durante a pandemia. É seu direito. Mas agredir com palavras não é correto. Críticas expressadas com elegância têm muito mais chance de ser ouvidas. Já aquelas cuspidas com ódio geralmente são ignoradas.

Aldo e Patrícia foram vítimas de haters insidiosos, que estão cada vez mais descontrolados e brotam de tudo quanto é lado. É triste ver alguém que está batalhando por manter seu negócio vivo, apesar de todas as dificuldades, ser atacado de forma vil e abjeta. A intolerância é um câncer – e, como tal, pode não ter cura. Mas devemos combatê-la diuturnamente e não podemos deixar que ela tome conta de nós. O autocontrole não pode ser uma mercadoria tão escassa num mundo cheio de tantos problemas, com desafios que se agigantam a cada dia. Especialmente num país como o Brasil.

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Tenho percebido, nos últimos dias, um aumento significativo de intolerância e irritação nas mídias sociais . Não tenho nenhum estudo do Gartner Group ou coisa parecida para comprovar o que escrevo – apenas minha simples observação. As razões? Pode ser o estresse de três meses de quarentena. Ou as dificuldades causadas pela paralisia econômica. Ou a rabugice típica de quem fica sem socializar com os amigos. Quaisquer que sejam as causas, o fato é que as pessoas estão de pavio curto. E exercitando o lado intolerante como nunca.

A essa altura do campeonato, não existem mais necessariamente uma divisão ideológica entre esquerda, centro e direita. A coisa está mais para quem critica o governo , quem está neutro e os defensores de Bolsonaro. Não é exatamente uma divisão igualitária – mas percebe-se que o barulho feito pelos partidários do governo é alto, independente de seu número físico. Enxergamos várias pessoas de direita entre quem critica, assim como existem aqueles que atacam e defendem o governo em ocasiões diversas. São indivíduos com o comportamento pendular, que reconhecem as boas iniciativas e, ao mesmo tempo, reclamam quando veem algo com o qual não concordam.

Grupos de WhatsApp e comunidades no Facebook são moldadas em torno de consensos. Quando um grupo está em sua fase inicial, há uma certa cordialidade, que rapidamente descamba para as alfinetadas e, depois, para as pedradas virtuais. Existe, então, um momento de depuração e um dos lados começa a fraquejar. Os resistentes vão deixando o grupo até que um conceito preponderante se estabeleça entre a maioria dos membros que se manifestam.

Até pouco tempo atrás, o tal consenso havia se formado na maioria dos grupos, equalizando opiniões e mitigando desentendimentos, pelo menos no que diz respeito à política. Mas, agora, percebe-se uma transformação em curso em relação ao comportamento das pessoas, seja pela irritação provocada pelo isolamento ou pelo gênio irascível que surge com o bolso vazio.

Aqueles que criticam o presidente Jair Bolsonaro passaram a fazê-lo com uma virulência escancarada – e neste grupo não há apenas aqueles de esquerda. Mesmo alguns direitistas perderam a paciência e passaram a vilipendiar alguns membros do Executivo e apoiadores do Planalto.

Essa subida de tom incomodou até quem possui restrições ao governo, mas também não é fã do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Junte-se isso à turma que gosta de retrucar “e o PT?” e teremos uma tensão crescente nas mídias sociais, com debates cada vez mais acalorados, que podem culminar em rompimentos sumários.

É mais ou menos a reedição do que houve durante as eleições de 2018, quando o país ficou rachado entre os fãs de Bolsonaro (alinhados àqueles que pragmaticamente aceitavam a candidatura do PSL) e quem simplesmente não suportava o então capitão-candidato.

Hoje, temos os que acreditam piamente em um impeachment e os que nem cogitam a hipótese (ao lado dos que enxergam com ceticismo essa possibilidade). A análise mais ponderada sumiu do mapa e deu lugar a uma torcida desbragada, pró e contra. O importante, nessa esgrima de argumentos, não é ouvir o lado oposto – é, isto sim, ter razão. Mas há um efeito colateral pernicioso: ouvir o interlocutor apenas para desconstruir seus argumentos torna qualquer discussão rasa e improdutiva.

Nota-se também outro fenômeno nessas discussões: o tratamento condescendente de muitos debatedores, na linha “se você não me entendeu é porque não prestou atenção”. A discórdia, porém, é algo divino, desde que venha acompanhada pelo respeito. Ela permite debates e trocas de ideias que enriquecem a humanidade. Mas são poucos os que têm curiosidade em entender o que os demais pensam.

Neste final de semana, um casal que prezo bastante, Aldo e Patrícia Leone, fizeram uma viagem. Eles trabalham com turismo – Aldo é presidente da rede de agências de viagens Agaxtur (desnecessário dizer que esse foi um dos setores mais afetados pela pandemia). A família Leone, como várias que foram afetadas nesse negócio, está encontrando novas formas para tentar reerguer seu negócio assim que o turismo puder voltar à pauta do dia. O passeio, assim, tinha a ver justamente com o plano de retomar o mercado assim que isso fosse possível.

Os dois, assim, pegaram um avião e fizeram algumas postagens nas redes sociais. Foram hostilizados em massa e chamados até de “genocidas”. Como alguém pode ser chamado dessa forma se entrou paramentado (com máscaras e luvas) num voo comercial devidamente autorizado pela Anac?

Se houvesse um risco real de contaminação em massa, a aeronave não poderia decolar. Mas, se o avião tinha autorização para voar é sinal de que o casal Leone não infringiu nenhuma lei ou desobedeceu a alguma orientação sanitária. Vamos supor que você não concorde com pessoas que façam turismo durante a pandemia. É seu direito. Mas agredir com palavras não é correto. Críticas expressadas com elegância têm muito mais chance de ser ouvidas. Já aquelas cuspidas com ódio geralmente são ignoradas.

Aldo e Patrícia foram vítimas de haters insidiosos, que estão cada vez mais descontrolados e brotam de tudo quanto é lado. É triste ver alguém que está batalhando por manter seu negócio vivo, apesar de todas as dificuldades, ser atacado de forma vil e abjeta. A intolerância é um câncer – e, como tal, pode não ter cura. Mas devemos combatê-la diuturnamente e não podemos deixar que ela tome conta de nós. O autocontrole não pode ser uma mercadoria tão escassa num mundo cheio de tantos problemas, com desafios que se agigantam a cada dia. Especialmente num país como o Brasil.

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