A difícil arte do entendimento
O grande motor do revanchismo é o inconformismo misturado com a vingança
Da Redação
Publicado em 19 de janeiro de 2023 às 10h25.
Aluizio Falcão Filho
O termo “revanchismo” é usado desde o final do século 19 e foi criado na Europa, quando a França teve de ceder a região da Alsácia-Lorena à atual Alemanha, em função da derrota na guerra Franco-Prussiana. O revés criou um rancor gigantesco na nação francesa, cujos cidadãos começaram a cultivar um forte sentimento de vingança contra a nação comandada pelo chanceler prussiano Otto Von Bismarck – e esse foi um dos combustíveis para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Ironicamente, também foi uma derrota (justamente no primeiro grande conflito internacional) que incutiu na sociedade alemã a mesma sede por revanche. Esse inconformismo foi um dos vários fatores que contribuíram para ascensão de Adolf Hitler e o, posteriormente, para o início da Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, esse termo foi muito utilizado entre a promulgação da lei da Anistia, em 1979, e a redemocratização, em 1985. A Anistia, que beneficiou os crimes cometidos por torturadores e guerrilheiros, revoltou a oposição do governo militar. Sua votação já mostrava que a sociedade não queria perdoar a tortura. A Arena derrotou o MDB por 206 votos a 201. Esse placar apertado indicava, já em agosto de 1979, que haveria uma tentativa de acerto de contas no futuro (diga-se de passagem que, se não fosse os senadores biônicos — eleitos indiretamente –, o governo não teria vencido essa parada).
De fato, já na sucessão de João Figueiredo, em janeiro de 1985, o assunto vinha à tona constantemente. Mas nunca chegou a ser levado a sério. Afinal, o nome de Tancredo Neves era uma espécie de garantia contra o revanchismo. Como se sabe, Tancredo morreu antes de tomar posse e o vice José Sarney assumiu a presidência sofrendo de anemia no quesito representatividade. Com isso, os revanchistas ganharam um pouco de espaço no debate nacional, mas só conseguiriam emplacar algumas vitórias na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
O grande motor do revanchismo é o inconformismo misturado com a vingança. Para muitos revanchistas, porém, esse comportamento não é uma reação emocional e sim uma resposta fria, recheada de argumentos racionais, aos acontecimentos pregressos.
No Brasil de hoje, temos o desejo de desforra dos dois lados extremos do espectro político. A esquerda, agora no poder, quer dar o revide ao que viveu durante os quatro anos de Jair Bolsonaro. Os adeptos do ex-presidente, no entanto, não se conformam com a derrota e desejam retaliar contra uma eleição que consideram injusta.
O fato, entretanto, é que Lula venceu o pleito e nenhuma das teorias de conspiração da direita sobre as urnas eletrônicas se mostrou verídica. Mesmo assim, os derrotados continuam se movimentando contra o resultado de 30 de outubro. Aqueles que se excederam neste processo, como os vândalos que invadiram e destruíram os prédios públicos em Brasília, devem ser punidos exemplarmente, para que novas ações do gênero não prosperem.
Voltando àqueles que destilam anticonformismo e vendeta: será que esse é o melhor caminho para nosso país?
Somente os vencedores podem ser magnânimos e estender a mão para os derrotados. Mas vão os vencidos aceitar esse gesto de paz? Muito provavelmente não – pelo menos no curtíssimo prazo. Talvez esse desafio de eliminar o revanchismo deva ficar a cargo dos chamados isentões, aqueles que não gostam nem de um lado ou de outro.
Neste momento delicado, é bom lembrar as palavras do ex-ministro Nelson Jobim, ditas em durante uma época em que se discutia medidas revanchistas. “Quero que o futuro se aproxime do presente. Às vezes, gastamos uma energia brutal refazendo o passado. […] Eu prefiro gastar minha energia construindo o futuro”, disse Jobim.
Este é nosso maior dilema: continuar olhando o passado ou começar e pensar no futuro?
Aluizio Falcão Filho
O termo “revanchismo” é usado desde o final do século 19 e foi criado na Europa, quando a França teve de ceder a região da Alsácia-Lorena à atual Alemanha, em função da derrota na guerra Franco-Prussiana. O revés criou um rancor gigantesco na nação francesa, cujos cidadãos começaram a cultivar um forte sentimento de vingança contra a nação comandada pelo chanceler prussiano Otto Von Bismarck – e esse foi um dos combustíveis para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Ironicamente, também foi uma derrota (justamente no primeiro grande conflito internacional) que incutiu na sociedade alemã a mesma sede por revanche. Esse inconformismo foi um dos vários fatores que contribuíram para ascensão de Adolf Hitler e o, posteriormente, para o início da Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, esse termo foi muito utilizado entre a promulgação da lei da Anistia, em 1979, e a redemocratização, em 1985. A Anistia, que beneficiou os crimes cometidos por torturadores e guerrilheiros, revoltou a oposição do governo militar. Sua votação já mostrava que a sociedade não queria perdoar a tortura. A Arena derrotou o MDB por 206 votos a 201. Esse placar apertado indicava, já em agosto de 1979, que haveria uma tentativa de acerto de contas no futuro (diga-se de passagem que, se não fosse os senadores biônicos — eleitos indiretamente –, o governo não teria vencido essa parada).
De fato, já na sucessão de João Figueiredo, em janeiro de 1985, o assunto vinha à tona constantemente. Mas nunca chegou a ser levado a sério. Afinal, o nome de Tancredo Neves era uma espécie de garantia contra o revanchismo. Como se sabe, Tancredo morreu antes de tomar posse e o vice José Sarney assumiu a presidência sofrendo de anemia no quesito representatividade. Com isso, os revanchistas ganharam um pouco de espaço no debate nacional, mas só conseguiriam emplacar algumas vitórias na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
O grande motor do revanchismo é o inconformismo misturado com a vingança. Para muitos revanchistas, porém, esse comportamento não é uma reação emocional e sim uma resposta fria, recheada de argumentos racionais, aos acontecimentos pregressos.
No Brasil de hoje, temos o desejo de desforra dos dois lados extremos do espectro político. A esquerda, agora no poder, quer dar o revide ao que viveu durante os quatro anos de Jair Bolsonaro. Os adeptos do ex-presidente, no entanto, não se conformam com a derrota e desejam retaliar contra uma eleição que consideram injusta.
O fato, entretanto, é que Lula venceu o pleito e nenhuma das teorias de conspiração da direita sobre as urnas eletrônicas se mostrou verídica. Mesmo assim, os derrotados continuam se movimentando contra o resultado de 30 de outubro. Aqueles que se excederam neste processo, como os vândalos que invadiram e destruíram os prédios públicos em Brasília, devem ser punidos exemplarmente, para que novas ações do gênero não prosperem.
Voltando àqueles que destilam anticonformismo e vendeta: será que esse é o melhor caminho para nosso país?
Somente os vencedores podem ser magnânimos e estender a mão para os derrotados. Mas vão os vencidos aceitar esse gesto de paz? Muito provavelmente não – pelo menos no curtíssimo prazo. Talvez esse desafio de eliminar o revanchismo deva ficar a cargo dos chamados isentões, aqueles que não gostam nem de um lado ou de outro.
Neste momento delicado, é bom lembrar as palavras do ex-ministro Nelson Jobim, ditas em durante uma época em que se discutia medidas revanchistas. “Quero que o futuro se aproxime do presente. Às vezes, gastamos uma energia brutal refazendo o passado. […] Eu prefiro gastar minha energia construindo o futuro”, disse Jobim.
Este é nosso maior dilema: continuar olhando o passado ou começar e pensar no futuro?