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A derrota de seu inimigo conta como uma vitória para você?

A frase “sua vitória é minha derrota” cai como uma luva para vários representantes do Legislativo e do Executivo, tendo o presidente Jair Bolsonaro à frente

 (Adriano Machado/Reuters)
(Adriano Machado/Reuters)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 12 de novembro de 2020 às, 07h55.

Última atualização em 12 de novembro de 2020 às, 09h35.

Ao vislumbrar a competitividade que se instala insidiosamente na política brasileira, me lembrei de uma conversa ocorrida ao final dos anos 1990: um amigo, diretor de uma multinacional, tinha saído muito frustrado de uma discussão sobre seu bônus anual com o CEO e me contava o ocorrido. Na abertura da reunião, o chefe havia mostrado o valor da bonificação, bem abaixo do que ele esperava (como ocorre na maioria esmagadora destas situações). Pacientemente, meu amigo enumerou várias conquistas realizadas durante o ano e rebateu, um a um, os argumentos que serviam para reduzir sua remuneração. A conversa durou quase duas horas e foi encerrada quando o presidente da empresa, inflexível, decretou: “Vai ter de ser assim porque a sua vitória é minha derrota”.

Até onde eu saiba, CEOs não recebem uma condecoração por reduzir os bônus de seus subordinados. E, quanto mais felizes e motivados estiverem os diretores, teoricamente melhor será a performance da empresa. Mas este executivo-chefe não pensava assim e deixava seu instinto competitivo reinar. O resultado dessa atitude é que meu amigo e mais três diretores deixaram a companhia naquele mesmo ano.

O cenário político vive um momento muito parecido. A frase “sua vitória é minha derrota” cai feito uma luva para vários representantes do Legislativo e do Executivo, tendo o presidente Jair Bolsonaro à frente. No episódio em que Bolsonaro retuitou uma mensagem na qual se dizia que ele ganhara do governador João Doria porque a Coronavac, patrocinada pelo mandatário paulista, havia sido suspensa pela Anvisa, a rivalidade entre os dois políticos voltou à baila (o órgão regulador voltaria a liberar o processo de testes durante o dia de ontem).

No meio da pandemia, o ideal seria nos unirmos em torno do inimigo comum. Mas tanto Bolsonaro como Doria resolveram fazer da crise sanitária um cenário de confronto. Nessas horas, a temperatura sobe e os personagens acabam exagerando, como no caso em que o presidente disse que o Brasil precisava deixar de ser “um país de maricas”. Bolsonaro necessita entender que certas frases teriam um efeito nulo se ele fosse deputado federal e estivesse no botequim com amigos – mas quando proferidas por um presidente em evento oficial, o resultado pode ser devastador.

Bolsonaro parece enxergar o mundo como o CEO que reduziu o bônus do meu amigo. A derrota de Doria (no caso, a interrupção da testagem da Coronavac) é sua vitória. Talvez Doria, a julgar por sua natureza competitiva, também tenha um comportamento semelhante, embora mais discreto. Mas essa rivalidade acaba respingando nos interesses do povo brasileiro.

Todos temos de torcer pela eficácia das vacinas, sejam elas fabricadas na China, em Oxford ou na Tonga da Mironga do Kabuletê. O que está em jogo, além da saúde e da vida das pessoas, é a viabilidade econômica dos países. Torcer para que a Coronavac dê errado é mesquinho, assim como seria desprezível torcer pelo fracasso do imunizante de Oxford.

Além do ímpeto pela rivalidade, Bolsonaro também prima pela ansiedade em reagir rapidamente aos acontecimentos. Essa sofreguidão acaba por colocá-lo em situações vexatórias. O “evento adverso grave” divulgado pela Anvisa, razão para interromper os testes com a vacina sintetizada na China, foi uma morte entre os voluntários. Ocorre que o falecimento se deu por conta de um suicídio. Apesar disso, as hostes bolsonaristas nas redes sociais continuaram a botar lenha na fogueira, afirmando que um dos efeitos colaterais das vacinas é justamente a depressão, que pode levar alguém a atentar contra a própria vida. Essa tese, no entanto, não tem amparo científico e há 50 % de chances de a vítima ter sido injetada com um placebo em vez de ter recebido os imunizantes.

Outro aspecto da personalidade do presidente é a teimosia em certos temas. Isso vale para a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas. O resultado oficial ainda não saiu e o Colégio Eleitoral só se reunirá em 14 de dezembro. Mas a apuração mostra claramente que Joe Biden deve vencer por 306 votos contra 232 (o placar, até hoje de manhã, estava 290 a 217). Bolsonaro aparentemente acreditou nas acusações de fraude eleitoral na Pensilvânia (nenhuma prova apresentada até agora, diga-se) e não cumprimentou o democrata. Vamos supor que houve burla naquele estado e que esses os votos do Colégio Eleitoral acabem indo para os republicanos. Ainda assim, Biden continuaria vencedor, obtendo 286 contra 252. Apesar dessas evidências, Bolsonaro prefere enxergar a vitória de Biden como sua derrota. Não é. Trata-se apenas de uma alternância de poder normal dentro da democracia americana.

No rastro dessa confusão, o presidente ainda provocou os americanos em relação à Amazônia, dizendo o seguinte: “Assistimos a um grande candidato a chefia de Estado (referindo-se a Biden) dizendo que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele vai levantar barreiras comerciais contra o Brasil (…) Apenas na diplomacia não dá (…) Quando acaba a saliva tem que ter pólvora”. A insinuação de um conflito armado entre Brasil e Estados Unidos lembra o enredo do filme “O Rato que Ruge”, no qual um país fictício (Grão-Ducado de Fenwick) declara guerra aos americanos. É algo tão descabido que não pode sequer ser cogitado.

Se continuar com essa atitude, Bolsonaro vai esgotar rapidamente a boa vontade que o próximo governo americano terá em relação ao Brasil. E, se isso acontecer, as consequências podem, sim, se transformar em uma grande derrota – não apenas para Bolsonaro, mas para o país como um todo.