“A Decodificadora”: um livro que todos deveriam ler
O trabalho de Doudna e o livro de Isaacson colocaram a engenharia genética na pauta do dia, abrindo inúmeros debates que estão relacionados ao genoma humano
Da Redação
Publicado em 11 de janeiro de 2022 às 16h06.
Aluizio Falcão Filho
“A Decodificadora” é um livro que estava na lista de recomendações literárias de Bill Gates, publicada há alguns dia. Foi escrito por Walter Isaacson, que produziu biografias seminais de Steven Jobs, Albert Einstein e Leonardo da Vinci, além de uma obra excepcional sobre a quebra de paradigmas, “Os Inovadores”. Isaacson usa a trajetória da cientista Jennifer Doudna (imagem) como fio condutor de uma narrativa que mostra a saga da quebra dos segredos da genética humana e o futuro de nossa espécie. Há um capítulo que discute a pandemia e mostra como a tecnologia do RNA mensageiro, presente em vacinas como Pfizer e Moderna, foi desenvolvida.
Ao contrário do que ocorre no livro que disseca a vida de Steve Jobs, no qual tenta (ênfase no “tenta”) se mostrar neutro diante de um personagem tão fascinante, percebe-se que Isaacson desenvolveu uma simpatia genuína e profunda por Doudna, além de se tornar fã dos processos de engenharia genética (mas, ao mesmo tempo, abre as portas para a discussão moral sobre se é lícito ou não manipular genes de seres humanos).
Talvez por ter desenvolvido uma paixão pelo assunto, o autor vai fundo em algumas questões científicas e procura traduzir para a linguagem comum certos procedimentos feitos em laboratórios das mais renomadas universidades do mundo. Nesses momentos, ele corre o risco de perder o leitor comum. Recomendo um pouco de paciência nestas passagens, pois a obra é recheada de histórias interessantes – como a disposição de Isaacson de editar uma linha de DNA humano (e ele consegue).
Outro ponto que salta aos olhos é a percepção de que um ambiente tão cerebral quanto o científico pode produzir em quantidades industriais sentimentos mundanos como a vaidade e a ambição. Uma disputa intelectual entre Doudna e o bioquímico Feng Zhang, do MIT, é apresentada nos mínimos detalhes, alguns deles vexatórios (Zhang, por exemplo, tirou o nome de um colega de um processo de registro de patente). O lado bom é que, durante o início da pandemia, Doudna e Zhang deixaram a fogueira das vaidades de lado e se juntaram em um grupo de trabalho para acelerar descobertas científicas que ajudassem a combater a Covid-19.
Isaacson mostra a evolução da biotecnologia nos últimos anos e aponta que esse deverá ser um caminho importante para o desenvolvimento científico da humanidade e um dos setores econômicos mais promissores do futuro próximo. Num determinado momento do livro, não tive como não me recordar de minha mãe, que se formou em Biologia na década de 1950 (uma raridade para a época). Lembrei-me inclusive das vezes em que a acompanhei ao campus da Universidade de São Paulo, quando ela estava se inscrevendo para um curso de pós-graduação. Eu tinha treze anos e pensei, enquanto observava os prédios da Cidade Universitária: “Quero estudar aqui”. Cinco anos depois, entrava no prédio da Escola de Comunicação e Artes para estudar jornalismo.
Isaacson tem a sensibilidade de apresentar o aspecto humano de vários pesquisadores envolvidos em decifrar os segredos dos genes. Um desses pontos é a colaboração entre Doudna e Emanuelle Charpentier, cujo trabalho foi fundamental para decifrar o que se chama de CRISPR (a sigla para “Clusters of Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats” ou “Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Intercaladas”). Na prática, esse foi o caminho para a edição do genoma humano – a razão pela qual a dupla foi agraciada com o Prêmio Nobel de Química em 2020. Em uma das várias entrevistas que conduziu com Jennifer Doudna, ela disse que Charpentier tinha sido uma figura importantíssima em sua carreira e se ressentia do afastamento entre as duas, que não se falavam há meses. Isaacson, então, fez uma videoconferência entre as duas e testemunhou uma reaproximação – meses antes que as duas recebessem o prémio de maior reconhecimento científico do planeta.
O trabalho de Doudna e o livro de Isaacson colocaram a engenharia genética na pauta do dia, abrindo inúmeros debates que estão relacionados ao genoma humano. Um exemplo? Há médicos que hoje discutem hoje o chamado NGS (“Next Generation Sequencer“ ou “Sequenciamento de Próxima Geração”). Segundo essa tecnologia, que está em desenvolvida há décadas, é possível fazer maciçamente a análise de perfis genéticos de forma rápida. Muitos profissionais de saúde questionam, inclusive, como essas informações podem impactar o mercado de trabalho. Vamos dizer que uma determinada sequência genética determine um tipo específico de comportamento que seja condenado por recrutadores de mão de obra. Essa informação deve chegar a esses recrutadores?
Esse, porém, é tema para outra coluna.
Aluizio Falcão Filho
“A Decodificadora” é um livro que estava na lista de recomendações literárias de Bill Gates, publicada há alguns dia. Foi escrito por Walter Isaacson, que produziu biografias seminais de Steven Jobs, Albert Einstein e Leonardo da Vinci, além de uma obra excepcional sobre a quebra de paradigmas, “Os Inovadores”. Isaacson usa a trajetória da cientista Jennifer Doudna (imagem) como fio condutor de uma narrativa que mostra a saga da quebra dos segredos da genética humana e o futuro de nossa espécie. Há um capítulo que discute a pandemia e mostra como a tecnologia do RNA mensageiro, presente em vacinas como Pfizer e Moderna, foi desenvolvida.
Ao contrário do que ocorre no livro que disseca a vida de Steve Jobs, no qual tenta (ênfase no “tenta”) se mostrar neutro diante de um personagem tão fascinante, percebe-se que Isaacson desenvolveu uma simpatia genuína e profunda por Doudna, além de se tornar fã dos processos de engenharia genética (mas, ao mesmo tempo, abre as portas para a discussão moral sobre se é lícito ou não manipular genes de seres humanos).
Talvez por ter desenvolvido uma paixão pelo assunto, o autor vai fundo em algumas questões científicas e procura traduzir para a linguagem comum certos procedimentos feitos em laboratórios das mais renomadas universidades do mundo. Nesses momentos, ele corre o risco de perder o leitor comum. Recomendo um pouco de paciência nestas passagens, pois a obra é recheada de histórias interessantes – como a disposição de Isaacson de editar uma linha de DNA humano (e ele consegue).
Outro ponto que salta aos olhos é a percepção de que um ambiente tão cerebral quanto o científico pode produzir em quantidades industriais sentimentos mundanos como a vaidade e a ambição. Uma disputa intelectual entre Doudna e o bioquímico Feng Zhang, do MIT, é apresentada nos mínimos detalhes, alguns deles vexatórios (Zhang, por exemplo, tirou o nome de um colega de um processo de registro de patente). O lado bom é que, durante o início da pandemia, Doudna e Zhang deixaram a fogueira das vaidades de lado e se juntaram em um grupo de trabalho para acelerar descobertas científicas que ajudassem a combater a Covid-19.
Isaacson mostra a evolução da biotecnologia nos últimos anos e aponta que esse deverá ser um caminho importante para o desenvolvimento científico da humanidade e um dos setores econômicos mais promissores do futuro próximo. Num determinado momento do livro, não tive como não me recordar de minha mãe, que se formou em Biologia na década de 1950 (uma raridade para a época). Lembrei-me inclusive das vezes em que a acompanhei ao campus da Universidade de São Paulo, quando ela estava se inscrevendo para um curso de pós-graduação. Eu tinha treze anos e pensei, enquanto observava os prédios da Cidade Universitária: “Quero estudar aqui”. Cinco anos depois, entrava no prédio da Escola de Comunicação e Artes para estudar jornalismo.
Isaacson tem a sensibilidade de apresentar o aspecto humano de vários pesquisadores envolvidos em decifrar os segredos dos genes. Um desses pontos é a colaboração entre Doudna e Emanuelle Charpentier, cujo trabalho foi fundamental para decifrar o que se chama de CRISPR (a sigla para “Clusters of Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats” ou “Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Intercaladas”). Na prática, esse foi o caminho para a edição do genoma humano – a razão pela qual a dupla foi agraciada com o Prêmio Nobel de Química em 2020. Em uma das várias entrevistas que conduziu com Jennifer Doudna, ela disse que Charpentier tinha sido uma figura importantíssima em sua carreira e se ressentia do afastamento entre as duas, que não se falavam há meses. Isaacson, então, fez uma videoconferência entre as duas e testemunhou uma reaproximação – meses antes que as duas recebessem o prémio de maior reconhecimento científico do planeta.
O trabalho de Doudna e o livro de Isaacson colocaram a engenharia genética na pauta do dia, abrindo inúmeros debates que estão relacionados ao genoma humano. Um exemplo? Há médicos que hoje discutem hoje o chamado NGS (“Next Generation Sequencer“ ou “Sequenciamento de Próxima Geração”). Segundo essa tecnologia, que está em desenvolvida há décadas, é possível fazer maciçamente a análise de perfis genéticos de forma rápida. Muitos profissionais de saúde questionam, inclusive, como essas informações podem impactar o mercado de trabalho. Vamos dizer que uma determinada sequência genética determine um tipo específico de comportamento que seja condenado por recrutadores de mão de obra. Essa informação deve chegar a esses recrutadores?
Esse, porém, é tema para outra coluna.