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Negociação e poder: quando gestos valem mais que palavras

A partir da fala de Trump, Lula abraçou a narrativa de bom relacionamento entre eles

Donald Trump, presidente dos EUA, durante discurso na Assembleia Geral da ONU (Lia Rizzo/Exame)

Donald Trump, presidente dos EUA, durante discurso na Assembleia Geral da ONU (Lia Rizzo/Exame)

Martha Leonardis
Martha Leonardis

CEO e founder NewCo, boutique de Networking internacional

Publicado em 1 de outubro de 2025 às 16h50.

Nos bastidores do poder, gestos e palavras valem tanto quanto tratados formais. Em seu recente discurso na ONU, o presidente Lula manteve uma postura firme em relação aos Estados Unidos, sem abrir espaço para sinais de aproximação. Poucas horas depois, Donald Trump respondeu com uma declaração inesperada: disse que “ele parece um cara muito legal, ele gosta de mim e eu gostei dele, e eu só faço negócio com quem eu gosto” e ainda completou: “nós tivemos uma ótima química, e esse é um bom sinal”. Essa fala indica que, mesmo em meio às tensões, algum canal de diálogo foi cultivado. Quando um adversário reconhece química, isso pode ser tanto uma abertura quanto uma armadilha para atrair o outro lado. 

Ceder em negociações de alto nível não significa fraqueza. Muitas vezes é justamente o primeiro movimento que desarma o opositor. A partir da fala de Trump, Lula abraçou a narrativa de bom relacionamento entre eles, dizendo que ficou “feliz quando ele disse que pintou uma química boa entre nós. Eu acho que pintou uma química mesmo” e que uma possível reunião entre os dois pode "acabar o mal-estar na relação que tem hoje". No relacionamento entre líderes, dominar a narrativa é tão estratégico quanto impor condições. Em disputas desse tipo, não basta endurecer: é preciso conhecer o adversário, suas fragilidades, seus pontos de orgulho e até onde a corda pode ser esticada sem se romper. 

A história tende a se repetir. Em 1940, Winston Churchill e Charles de Gaulle viveram embates intensos. Churchill via no general francês tanto um aliado estratégico quanto um problema político, chegando a dizer que lidar com De Gaulle era “como ter um tigre faminto no colo”, perigoso, desconfortável e imprevisível. De Gaulle, por sua vez, era orgulhoso, intransigente e frequentemente acusava Churchill e os britânicos de menosprezar a França. Divergiram publicamente em várias ocasiões, e o atrito era real, visível e muitas vezes constrangedor para ambos. O apoio britânico à França Livre não foi imediato nem simples, mas os dois compreenderam que precisavam um do outro para resistir à Alemanha nazista. A solução foi o pragmatismo: engolir críticas, reconstruir pontes e cultivar uma relação de cooperação quando o bem-estar de seus países exigia. 

Deepak Malhotra, professor da Harvard Business School e autor premiado de diversos livros sobre negociação, oferece clareza com dois conceitos fundamentais: separar as pessoas do problema e focar nos interesses, não nas posições. Separar as pessoas do problema significa tratar a relação humana, com todas as suas complexidades, como algo distinto da questão substantiva que precisa ser resolvida, abrindo espaço para a conciliação. Já focar nos interesses, em vez das posições, é estratégico porque as posições tendem a travar a negociação, colocando um lado contra o outro. O elogio trocado não apaga divergências, mas cria uma brecha para colocar-se no lugar do outro e, a partir disso, traçar uma estratégia que permita trocar concessões em pontos de menor importância para cada parte, alcançando soluções que satisfaçam ambos os lados. 

Assim como Churchill e De Gaulle souberam enxergar além do atrito imediato, Lula e Trump demonstram que é possível transformar tensões em oportunidade e que a verdadeira força está em ceder sem perder a narrativa, conduzindo o adversário a um terreno onde a cooperação se torna inevitável. Na arte de se relacionar, dominar a negociação e a narrativa faz parte da estratégia. Lembre-se: quando o conflito é privado, você mantém o controle da narrativa, mas a partir do momento em que a discussão se torna pública, entra-se em um terreno exposto, com todo o peso dos holofotes e das opiniões de terceiros, o que dificulta mudanças de posicionamento. Isso vale para todos os âmbitos da vida: de uma divergência com um sócio discutida internamente, em vez de levada ao conselho, até uma questão corporativa resolvida dentro da empresa, antes de se tornar manchete na imprensa. Uma vez exposta, é muito mais difícil conduzir a narrativa a seu favor. 

No fim, o que está em jogo não é apenas a substância das negociações, mas a habilidade de conduzir percepções. Relações de poder se equilibram tanto em mesas de reunião quanto no imaginário público. Lula e Trump, assim como Churchill e De Gaulle no passado, ilustram que liderar exige mais do que firmeza: demanda saber quando recuar, quando ceder e, sobretudo, como preservar a narrativa diante dos olhares externos. Afinal, na política, como nos negócios e na vida, não vence quem fala mais alto, mas quem consegue transformar divergências em terreno fértil para avançar seus próprios interesses.