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O que significa ficar ou não ficar Rodrigo Maia?

A permanência ou não do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, define um capítulo fundamental da eleição presidencial de 2022

"Certo? Errado? Na política certo é o que vence. É a força. Errado é o que perde" (Adriano Machado/Reuters)
"Certo? Errado? Na política certo é o que vence. É a força. Errado é o que perde" (Adriano Machado/Reuters)
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Mario Rosa

Publicado em 1 de dezembro de 2020 às, 08h44.

O povo brasileiro encerrou o ciclo de votação para prefeitos, vices e vereadores nos milhares de municípios no último final de semana. Apertar as teclas da urna eleitoral foi apenas um gesto mecânico. Toda eleição, antes do dia do pleito, é uma grande obra de engenharia política. É por isso que a permanência ou não do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, define um capítulo fundamental da eleição presidencial de 2022.

Pelas regras e pelas leis (ora, meros detalhes!), está consignado em nossa Constituição que os presidentes das Casas legislativas não podem ser reeleitos perpetuamente. Maia já foi eleito para o mandato tampão de Eduardo Cunha (não considerado dele, corretamente), depois para o seu próprio na legislatura passada e reeleito para o atual, na legislatura corrente. Agora pretende ficar.

Certo? Errado? Na política certo é o que vence. É a força. Errado é o que perde. Legal? Ilegal? Com certeza lega não é. Mas se o Supremo disser que é, embora a Constituição expressamente fale o contrário, será. A escravidão já não foi legal no Brasil? Nem por isso foi correta. Mas o ponto principal: a permanência de Maia significa o que e traz que consequências? Boas ou ruins? Para os negócios, para a governabilidade, para a economia?

Fato: eleições são definidas no dia do voto, mas são construídas muito antes. Paulo Maluf perdeu no colégio eleitoral quando o TSE da época, antes, nos gabinetes, definiu que os convencionais não precisariam respeitar a “fidelidade partidária”, naquela que seria uma votação indireta. Foi a senha para a vitória de Tancredo Neves, com as cédulas dissidentes do partido oficial.

Fernando Henrique ganhou a presidência em 1994. Mas construiu, nos salões do Congresso e do Planalto, o plano Real, seu passaporte para a faixa presidêncial. Em 1998, com uma decisão do TSE, foram banidas da propaganda política as “imagens externas”. Essa canetada anulou todas as “caravanas da cidadania” gravadas por Lula em todo o país. Fernando Henrique venceu.

Ou seja, o dia de votar é apenas o ato derradeiro de um longo processo. O que está acontecendo em Brasília, não só com a possível permanência de Rodrigo Maia, mas também com a questão do auxílio assistencial (vota ou não), com a pauta do Congresso (em câimbra regimental), é o seguinte: Bolsonaro vai dobrar a meta ou não vai? Vai se reeleger ou não?

Se vai mesmo, o povo decide no dia da eleição. E pode dizer não. É a hora de teclar. Mas, antes, o presidente tem que atravessar o precipício do meio do mandato. Construir sua reeleição e...escapar da guilhotina. O que se está discutindo também é se o presidente Bolsonaro vai ser, na prática, impchado ou não. Se vai ter um mandato de quatro anos pleno ou um vai ser um “pato manco”, agonizando por dois longos anos ou até cassado, já que o passo inicial de qualquer afastamento é a caneta do...presidente da Câmara.

Rodrigo Maia está fazendo o papel dele: buscar poder. Bem-sucedido, esvaziará o presidente da República e criará um abismo de governabilidade, com o aval (!!!!) do Supremo Tribunal Federal e sua jabuticaba da estação, a “mutação constitucional” (como foi aprovada a reeleição para presidente, o DNA da Constituição teria mudado e aceitaria que uma cláusula expressa que exige uma emenda constitucional pudesse ser feita sem essa “formalidade”).

A questão de abrir precedentes é que...outros irão abrir também. O arbítrio e a desordem amam quebras de normas. Quantas “mutações constitucionais” não poderão ser engendradas daqui pra frente pelos laboratórios dos porões?

Mas...isso é para o futuro. Uma presidência Rodrigo Maia, a princípio, significa o impeachment de Jair Bolsonaro, um impeachment camuflado, um impeachment de bastidores, um impeachment cortesão, assim como ocorreu com Dilma e Eduardo Cunha. Isso é bom para a economia? Para a estabilidade dos negócios? Legalizado, até o racismo já foi nos Estados Unidos.

A pergunta chave é: quem ganha com uma guerra entre um presidente da Câmara adversário do presidente da República e o palácio do Planalto durante dois anos? A esquerda? A democracia? A economia? Rodrigo Maia com certeza pode ganhar. E o país como um todo?

De tudo isso, o que importa é o resultado final em termos de avanços e estabilidade. Quando o presidente da república flertou com aventuras de desequilíbrio entre a harmonia entre os poderes, foi taxado de golpista e parado pelo Supremo e por um altaneiro Rodrigo Maia. E quem agora pode fazer o mesmo, se os freios resolveram se tornar aceleradores da desarmonia ou, quem sabe, redesenhar a Constituição sem chamar o povo, instituir um parlamentarismo de canetada e destituir um presidente eleito pelo voto?

Se isso vai trazer desfechos positivos, o regime militar também trouxe. Quebras institucionais não necessariamente são ruins, do ponto de vista eminentemente prático. Mas a falta de legitimidade...esse fantasma...ficará rondando...sempre. A história não começa agora. Nem termina.