Exame Logo

Como a Embraer ascendeu ao grupo de elite dos fabricantes de aviões

A única empresa industrial brasileira de alta tecnologia vai desaparecer, absorvida pela Boeing. Mas isso representa um final de sucesso para a Embraer

Aviões da Embraer: o BNDES apoiou a empresa num momento em que sua sobrevivência estava ameaçada (Germano Lüders/Exame)
DR

Da Redação

Publicado em 20 de dezembro de 2018 às 05h55.

Última atualização em 22 de dezembro de 2018 às 12h27.

Finalmente foram divulgados os parâmetros para a participação da gigante Boeing em uma sociedade com a Embraer para a produção de aeronaves regionais. A Boeing terá 80% do capital da nova empresa, podendo chegar a 100% no futuro, tornando-se então a Embraer sua subsidiária brasileira. Em futuro não tão distante, a única empresa industrial brasileira de alta tecnologia vai desaparecer, absorvida que será na gigantesca estrutura da Boeing. Mas sem dúvida representa um final de sucesso tecnológico e comercial para Embraer.

A capacidade técnica de produção desenvolvida no Brasil recebe a chancela de um dos dois gigantes do setor e prova a possibilidade de um país como o Brasil sonhar com voos mais altos em áreas com elevado conteúdo tecnológico. Como vivi intensamente, como presidente do BNDES , parte importante da história da Embraer, em um momento em que sua sobrevivência esteve mesmo ameaçada, penso ser interessante partilhar com o leitor da EXAME alguns fatos que se perderam no túnel do tempo.

Diferentemente de empresas estatais de sucesso – como Petrobras, Vale do Rio Doce e Eletrobrás – a Embraer não foi construída apoiada na existência de recursos naturais como petróleo, minério de ferro e potencial hídrico. Para viabilizá-la foi preciso construir, desde o início, um ativo representado pelo conhecimento da engenharia aeronáutica, seja no campo do projeto, seja no da construção física de aeronaves. Apenas em 1965, 15 anos após a fundação do Centro Tecnológico da Aeronáutica, a criação de uma empresa estatal para a produção de aeronaves iniciou a história da Embraer como empresa do setor. Entre 1965 e 1994, ano de sua privatização, tivemos uma coletânea de pequenos sucessos e de alguns fracassos, mas sempre com uma vertente de avanço tecnológico ao longo do tempo.

Entretanto, tudo isso mudou quando a empresa, em 1994, finalizou um projeto, originado ainda na fase estatal, de um jato comercial de 50 lugares denominado ERJ 145. Este produto representou o ápice da primeira etapa do desenvolvimento tecnológico da Embraer e um sucesso incrível como projeto comercial. Naquele momento, a indústria da aviação regional começava a tomar corpo, com várias empresas desenvolvendo novos produtos para atender a demanda em contínuo crescimento. Mas a Embraer, ao definir seu produto com jato propulsão, suplantou concorrentes que optaram pelo turbo-hélice, avião visto à época pelos consumidores como de tecnologia superada. O único concorrente de peso ao ERJ 145 era um produto remaquiado da canadense Bombardier. Derivado de jatos executivos já em produção, o avião da Bombardier tinha performance muito inferior ao da Embraer, produto desenhado desde a prancheta como aeronave comercial de 50 lugares.

Apesar dessas vantagens tecnológicas em relação ao avião da Bombardier, a Embraer sentia muitas dificuldades para vender seu produto de ponta para empresas do primeiro mundo. Apenas em 1996, a American Eagle, subsidiária da empresa American Airlines, e uma das líderes nos Estados Unidos, colocou um pedido de 70 ERJ 145, abrindo o mercado americano para a empresa brasileira. Era finalmente o reconhecimento por um dos líderes mundiais no transporte aéreo da qualidade do ERJ 145 e, certamente, seria um certificado da qualidade e da segurança deste produto.

Pânico em Montreal, sede da Bombardier no Canadá. A escolha por uma das grandes empresas americanas do setor, em um mercado competitivo como o da aviação comercial, seria o fim do vetusto e desequilibrado jato regional da Bombardier. Era preciso tentar bloquear a compra da American Eagle e o instrumento foi usar a posição de dois associados seus no conselho de administração da American. O argumento utilizado foi a reação que o consumidor americano teria ao voar em um avião feito no país do Carnaval e das escolas de samba. O corpo técnico da própria American Eagle defendia que isso não ocorreria, pois, a chancela da American conferia credibilidade ao produto. Mas decisão final do conselho final foi a de solicitar da Embraer uma garantia de recompra dos aviões caso acontecesse essa reação de seus clientes.

A Embraer não tinha condições financeiras para garantir uma cláusula como essa e procurou o BNDES, instituição responsável pelo financiamento de suas aeronaves. A situação era crítica, pois, se a venda à American não se realizasse, o futuro da empresa como produtora de aviões estaria comprometido. Sentindo a gravidade da situação o BNDES buscou entre as empresas que estavam em tratativas comerciais com a Embraer, inclusive a American, subsídios para avaliar os riscos de uma operação de Put como essa. O resultado foi que todos os consultados, inclusive instituições bancárias internacionais especializadas no mercado aéreo, foram unânimes em dizer que esse era um risco inexistente pois o fato de uma empresa como a American decidir pela compra de um determinado avião seria suficiente para tranquilizá-los sobre sua qualidade.

A direção do BNDES decidiu então dar a garantia, considerando inclusive que, se o fenômeno indicado pela Bombardier acontecesse, seria interrompida a entrega dos aviões, fazendo com que o valor do risco assumido fosse minimizado. O BNDES colocou no contrato de garantia uma cláusula que lhe dava a opção de trocar parte de seus créditos contra a Embraer por ações da empresa por um valor médio de sua cotação na Bolsa de Valores de São Paulo no período de 15 dias anteriores à oficialização da transação com a American Eagle.

Como previsto pelos especialistas consultados pelo BNDES, o consumidor americano aceitou sem restrições o ERJ 145 e o sucesso do produto nos Estados Unidos abriu o mercado de jatos regionais para a empresa brasileira. Em 1998, quando a empresa francesa Dassault entrou no capital da Embraer, o BNDES exerceu seu call das ações e realizou um lucro bastante expressivo.

O sucesso inicial fez com que a Embraer, agora privada, partisse para voos mais ousados com o desenvolvimento de toda uma família de jatos de até 120 lugares. Já a Bombardier teve muitas dificuldades com seu vetusto jato de 50 lugares e foi obrigada a desenvolver, às pressas, uma nova família de jatos regionais com a entrada de expressivos recursos do governo da província de Quebec e uma série de benefícios fiscais do governo canadense. Mesmo assim, a empresa nunca conseguiu sucesso comercial no segmento de jatos regionais, que sempre foi dominado pelos produtos da Embraer. Uma última tentativa de salvar a empresa foi a sua associação com a também gigantesca Airbus, o que provocou o movimento da Boeing na direção da Embraer.

Veja também

Finalmente foram divulgados os parâmetros para a participação da gigante Boeing em uma sociedade com a Embraer para a produção de aeronaves regionais. A Boeing terá 80% do capital da nova empresa, podendo chegar a 100% no futuro, tornando-se então a Embraer sua subsidiária brasileira. Em futuro não tão distante, a única empresa industrial brasileira de alta tecnologia vai desaparecer, absorvida que será na gigantesca estrutura da Boeing. Mas sem dúvida representa um final de sucesso tecnológico e comercial para Embraer.

A capacidade técnica de produção desenvolvida no Brasil recebe a chancela de um dos dois gigantes do setor e prova a possibilidade de um país como o Brasil sonhar com voos mais altos em áreas com elevado conteúdo tecnológico. Como vivi intensamente, como presidente do BNDES , parte importante da história da Embraer, em um momento em que sua sobrevivência esteve mesmo ameaçada, penso ser interessante partilhar com o leitor da EXAME alguns fatos que se perderam no túnel do tempo.

Diferentemente de empresas estatais de sucesso – como Petrobras, Vale do Rio Doce e Eletrobrás – a Embraer não foi construída apoiada na existência de recursos naturais como petróleo, minério de ferro e potencial hídrico. Para viabilizá-la foi preciso construir, desde o início, um ativo representado pelo conhecimento da engenharia aeronáutica, seja no campo do projeto, seja no da construção física de aeronaves. Apenas em 1965, 15 anos após a fundação do Centro Tecnológico da Aeronáutica, a criação de uma empresa estatal para a produção de aeronaves iniciou a história da Embraer como empresa do setor. Entre 1965 e 1994, ano de sua privatização, tivemos uma coletânea de pequenos sucessos e de alguns fracassos, mas sempre com uma vertente de avanço tecnológico ao longo do tempo.

Entretanto, tudo isso mudou quando a empresa, em 1994, finalizou um projeto, originado ainda na fase estatal, de um jato comercial de 50 lugares denominado ERJ 145. Este produto representou o ápice da primeira etapa do desenvolvimento tecnológico da Embraer e um sucesso incrível como projeto comercial. Naquele momento, a indústria da aviação regional começava a tomar corpo, com várias empresas desenvolvendo novos produtos para atender a demanda em contínuo crescimento. Mas a Embraer, ao definir seu produto com jato propulsão, suplantou concorrentes que optaram pelo turbo-hélice, avião visto à época pelos consumidores como de tecnologia superada. O único concorrente de peso ao ERJ 145 era um produto remaquiado da canadense Bombardier. Derivado de jatos executivos já em produção, o avião da Bombardier tinha performance muito inferior ao da Embraer, produto desenhado desde a prancheta como aeronave comercial de 50 lugares.

Apesar dessas vantagens tecnológicas em relação ao avião da Bombardier, a Embraer sentia muitas dificuldades para vender seu produto de ponta para empresas do primeiro mundo. Apenas em 1996, a American Eagle, subsidiária da empresa American Airlines, e uma das líderes nos Estados Unidos, colocou um pedido de 70 ERJ 145, abrindo o mercado americano para a empresa brasileira. Era finalmente o reconhecimento por um dos líderes mundiais no transporte aéreo da qualidade do ERJ 145 e, certamente, seria um certificado da qualidade e da segurança deste produto.

Pânico em Montreal, sede da Bombardier no Canadá. A escolha por uma das grandes empresas americanas do setor, em um mercado competitivo como o da aviação comercial, seria o fim do vetusto e desequilibrado jato regional da Bombardier. Era preciso tentar bloquear a compra da American Eagle e o instrumento foi usar a posição de dois associados seus no conselho de administração da American. O argumento utilizado foi a reação que o consumidor americano teria ao voar em um avião feito no país do Carnaval e das escolas de samba. O corpo técnico da própria American Eagle defendia que isso não ocorreria, pois, a chancela da American conferia credibilidade ao produto. Mas decisão final do conselho final foi a de solicitar da Embraer uma garantia de recompra dos aviões caso acontecesse essa reação de seus clientes.

A Embraer não tinha condições financeiras para garantir uma cláusula como essa e procurou o BNDES, instituição responsável pelo financiamento de suas aeronaves. A situação era crítica, pois, se a venda à American não se realizasse, o futuro da empresa como produtora de aviões estaria comprometido. Sentindo a gravidade da situação o BNDES buscou entre as empresas que estavam em tratativas comerciais com a Embraer, inclusive a American, subsídios para avaliar os riscos de uma operação de Put como essa. O resultado foi que todos os consultados, inclusive instituições bancárias internacionais especializadas no mercado aéreo, foram unânimes em dizer que esse era um risco inexistente pois o fato de uma empresa como a American decidir pela compra de um determinado avião seria suficiente para tranquilizá-los sobre sua qualidade.

A direção do BNDES decidiu então dar a garantia, considerando inclusive que, se o fenômeno indicado pela Bombardier acontecesse, seria interrompida a entrega dos aviões, fazendo com que o valor do risco assumido fosse minimizado. O BNDES colocou no contrato de garantia uma cláusula que lhe dava a opção de trocar parte de seus créditos contra a Embraer por ações da empresa por um valor médio de sua cotação na Bolsa de Valores de São Paulo no período de 15 dias anteriores à oficialização da transação com a American Eagle.

Como previsto pelos especialistas consultados pelo BNDES, o consumidor americano aceitou sem restrições o ERJ 145 e o sucesso do produto nos Estados Unidos abriu o mercado de jatos regionais para a empresa brasileira. Em 1998, quando a empresa francesa Dassault entrou no capital da Embraer, o BNDES exerceu seu call das ações e realizou um lucro bastante expressivo.

O sucesso inicial fez com que a Embraer, agora privada, partisse para voos mais ousados com o desenvolvimento de toda uma família de jatos de até 120 lugares. Já a Bombardier teve muitas dificuldades com seu vetusto jato de 50 lugares e foi obrigada a desenvolver, às pressas, uma nova família de jatos regionais com a entrada de expressivos recursos do governo da província de Quebec e uma série de benefícios fiscais do governo canadense. Mesmo assim, a empresa nunca conseguiu sucesso comercial no segmento de jatos regionais, que sempre foi dominado pelos produtos da Embraer. Uma última tentativa de salvar a empresa foi a sua associação com a também gigantesca Airbus, o que provocou o movimento da Boeing na direção da Embraer.

Acompanhe tudo sobre:AviaçãoBNDESBoeingBombardierEmbraerIndústria

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se