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Os desafios em série do novo PAC

A lista é grande: responsabilidade fiscal, juros baixos, capacidade de investimento, mão de obra, crédito, licenciamentos. Mas podemos enfrentá-los

PAC: goveno tem desafios para que projeto tenha sucesso (MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images)
PAC: goveno tem desafios para que projeto tenha sucesso (MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images)

Já é consenso entre os economistas que o sucesso do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) depende de o país estar com as contas públicas em dia. Se não atingir as metas fiscais, o governo terá muita dificuldade, senão impedimento, de executar os investimentos que cabem ao Estado no pacote de R$ 1,68 trilhão anunciado em agosto. Mas não é só isso.

Sem responsabilidade fiscal, a taxa de juros dificilmente cairá, o que pode comprometer também os investimentos privados que estão previstos no PAC – a verba total pressupõe R$ 612 bilhões do setor privado, R$ 371 bilhões de recursos da União, R$ 343 bilhões de empresas estatais e R$ 362 bilhões de financiamentos.

Sempre fui fervoroso defensor de a iniciativa privada ser mola propulsora dos grandes investimentos de longo prazo em infraestrutura de que o país tanto precisa. O atual governo acertou precisamente ao prever isso no novo PAC. Mas é necessário criar um ambiente em que haja estabilidade regulatória e previsibilidade jurídica para que os volumosos aportes aconteçam. E ainda garantir que ela, a iniciativa privada, não fique estrangulada pela taxa de juros, de um lado, e pela elevação da carga tributária, de outro.

Ou seja, não basta termos juros menores. Se o ajuste fiscal for feito exclusivamente pelo lado do aumento de receitas, o setor privado pode ver minguar sua capacidade de investimento. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo e um dos menores retornos à população. As empresas do país ocupam o pódio das mais tributadas do planeta.

Como se não bastasse, elas gastaram no ano passado R$ 207 bilhões apenas para ficar em dia com suas obrigações fiscais, em razão da intricada legislação. O dado vem de uma pesquisa do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), divulgada em reportagem recente da Bloomberg Línea. As empresas precisam ter grandes times de tributaristas, que em muitas companhias são maiores que as equipes de marketing, além de softwares e assessoria jurídica.

Outro estudo, do Bando Mundial, ranqueia os países conforme o valor que acaba sendo destinado ao pagamento de impostos em relação ao lucro das empresas. O indicador do Brasil está em 65,1%. A média da América Latina e Caribe é de 47%, enquanto a dos países mais ricos da OCDE é de 39,9%.

Daí a urgência da reforma tributária. Mas sozinha ela não é suficiente. É igualmente impreterível uma reforma administrativa ampla e profunda, que seja capaz de olhar para os gastos indevidos da nossa gigantesca máquina pública e, dessa forma, permitir um caminho mais justo para a tão almejada responsabilidade fiscal. Engana-se quem pensa que espremer as empresas significa tão somente diminuir o quinhão dos acionistas. Minar a capacidade delas em investir reduz emprego e renda – e impossibilita que mais impostos sejam pagos. Toda a população sai perdendo.

Dito tudo isso, voltemos ao PAC. Os desafios não se encerraram ainda. Se as equações que relatei acima derem certo, ainda teremos de enfrentar um grande gargalo pela falta de mão de obra qualificada. Os investimentos maciços em educação, portanto, nunca foram tão imprescindíveis. Penso que o governo agiu certo ao destinar R$ 45 bilhões do programa à educação, ciência e tecnologia. É necessário asseverar que esses investimentos sejam eficientes.

Nossas carências neste setor estão tanto no ensino profissionalizante quanto no superior. Um levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) feito em 2022 apontou que precisaremos formar 9,6 milhões de trabalhadores apenas para atender o setor industrial e outros 4,2 milhões para a economia digital. De acordo com o Senai, os setores com maior déficit são os de mineração, logística, infraestrutura e urbanismo, tecnologia da informação, eletroeletrônica, automotivo, telecomunicações e energia.

Além de pessoas, é importante também que as construtoras tenham acesso a crédito para que consigam se empenhar nos projetos com a qualidade técnica que nossa engenharia sempre teve. E aí vem outro desafio: os licenciamentos ambientais. No Brasil eles são demorados demais, burocráticos demais. Não estamos falando em afrouxar regras e descuidar do meio ambiente, mas em trazer celeridade a um processo que, muitas vezes, em razão de um labirinto emaranhado, leva os custos das obras às alturas.

Pronto. Suponhamos que superemos todos esses obstáculos. Aí vem a pergunta: onde exatamente investir? Pode apostar que surgirão centenas, talvez milhares, de projetos, dentro das áreas previamente escolhidas, fazendo de tudo para serem aceitos no PAC e, desse modo, desfrutar da prioridade que o programa é capaz de proporcionar.

É preciso ser muito criterioso. precisamos escrutinar cada projeto para ver como melhor alocar o capital disponível, sempre com o objetivo de reduzir nossa pegada de carbono e gerar impacto positivo para toda a sociedade. A transição energética deve estar no topo da lista das preocupações. Com ela o país gerará os melhores empregos e dará uma contribuição inestimável para descarbonização mundial. Podemos liderar essa agenda globalmente. O novo PAC precisa fazer as escolhas certas.

Se, juntos, vencermos todos os desafios, finalmente viraremos a chave capaz de colocar o Brasil e a nossa gente onde já deveríamos estar há muito tempo.