A hora e a vez do mercado de carbono no Brasil
Potencial de um mercado regulado no país é gigante, a exemplo do RenovaBio, um programa que é referência mundial na descarbonização do setor de combustíveis
Da Redação
Publicado em 27 de agosto de 2021 às 17h56.
Por Luis Henrique Guimarães*
O Brasil tem ao menos três motivos para acelerar a regulamentação de um mercado de carbono no país. O primeiro é para contribuir com o cumprimento das metas que assumimos no Acordo de Paris. O segundo está ligado à urgência que o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) colocou nas ações que precisam ser tomadas para deter o aquecimento global. E o terceiro diz respeito às relações com o resto do mundo: as economias mais avançadas já têm ou estão criando seus mercados de carbono – no mês passado, a China inaugurou o seu.
As pressões só tendem a aumentar, inclusive com imposições e medidas restritivas das nações mais ricas. A União Europeia está instituindo mecanismos de taxar a produção de países dos quais importa bens de consumo ou commodities.
Mercados de carbono regulam a compra e venda de créditos de carbono. Os créditos têm origem na quantidade de gases de efeito estufa (GEE) cuja emissão é evitada ou no montante que é retirado da atmosfera. Um crédito equivale a uma tonelada de GEE.
Os créditos podem ser comercializados entre empresas ou entre países, conforme regulação e metas de redução definidas pelo poder público. Quando não existe a regulamentação, o comércio dos créditos de carbono ocorre nos chamados mercados voluntários, cujos principais compradores são empresas que estipulam metas próprias, mas até mesmo pessoas físicas podem comprar.
O mercado voluntário é o que funciona no Brasil hoje, porém com uma brilhante exceção: o RenovaBio. Lançado pelo Ministério de Minas e Energia em 2017 e implementado de fato no final de 2019, o projeto estabelece metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, incentivando o aumento dos biocombustíveis na nossa matriz de transporte.
Os créditos, chamados CBIOs, são emitidos pelos produtores de biocombustíveis e adquiridos na B3 por distribuidoras que têm metas individuais estabelecidas pelo programa. Outros interessados também podem comprar os créditos para avançar em sua agenda ESG, embora não sejam obrigados a isso.
Cada CBIO equivale a uma tonelada de carbono cuja emissão para atmosfera foi evitada. Em 2020, foram emitidos 18.508.636 CBIOs, dos quais 14.896.273 foram negociados na B3 a um preço médio de R$ 43,66/CBIO, segundo dados do governo federal. Em 19 de janeiro último, o MME definiu a meta para 2021: deverão ser comercializados 24,86 milhões de CBIOs no país.
Em matéria de biocombustíveis, o Brasil é uma referência mundial. Quase 20% da nossa matriz de transporte é renovável, e esse percentual só tende a aumentar. Praticamente todos os carros produzidos aqui são flex. E nossa gasolina é a “menos suja” do mundo graças à adição de 27% de etanol anidro. Essa mistura proporciona uma redução de 15% nas emissões de CO2eq por km rodado em relação à gasolina pura, de acordo com um estudo da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). Somente um produtor de etanol, a Raízen, evita por ano a emissão de 5,2 milhões de toneladas de carbono.
Se o RenovaBio já é referência mundial para descarbonização do setor de combustíveis, imaginem o potencial que o Brasil terá ao instituir um mercado regulado amplo, com a capacidade que possuímos de reter carbono nas nossas atividades agrícolas e na manutenção das florestas.
O Brasil precisa aprimorar a discussão sobre o PL 528/2021, que tramita no Congresso para instituir o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). É preciso avaliar também que ajustes são necessários no sistema tributário a fim de incentivar a economia de baixo carbono.
Enquanto a regulação não vem, uma medida muito útil para o nosso mercado voluntário seria a criação de uma plataforma confiável para comercialização dos créditos de carbono. Os desafios aqui são os critérios para a certificação desses créditos. O BNDES pode contribuir muito com essa agenda, com regras claras para a certificação de projetos geradores de créditos e para a comercialização.
Com um mercado voluntário bem estruturado e um regulado a ser implementado, além do RenovaBio, estaremos trilhando o caminho necessário para nos tornar a maior potência verde do mundo. Condições para isso já temos, por natureza.
* Luis Henrique Guimarães é presidente da Cosan
Fique por dentro das principais tendências das empresas ESG.Assine a EXAME.
Por Luis Henrique Guimarães*
O Brasil tem ao menos três motivos para acelerar a regulamentação de um mercado de carbono no país. O primeiro é para contribuir com o cumprimento das metas que assumimos no Acordo de Paris. O segundo está ligado à urgência que o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) colocou nas ações que precisam ser tomadas para deter o aquecimento global. E o terceiro diz respeito às relações com o resto do mundo: as economias mais avançadas já têm ou estão criando seus mercados de carbono – no mês passado, a China inaugurou o seu.
As pressões só tendem a aumentar, inclusive com imposições e medidas restritivas das nações mais ricas. A União Europeia está instituindo mecanismos de taxar a produção de países dos quais importa bens de consumo ou commodities.
Mercados de carbono regulam a compra e venda de créditos de carbono. Os créditos têm origem na quantidade de gases de efeito estufa (GEE) cuja emissão é evitada ou no montante que é retirado da atmosfera. Um crédito equivale a uma tonelada de GEE.
Os créditos podem ser comercializados entre empresas ou entre países, conforme regulação e metas de redução definidas pelo poder público. Quando não existe a regulamentação, o comércio dos créditos de carbono ocorre nos chamados mercados voluntários, cujos principais compradores são empresas que estipulam metas próprias, mas até mesmo pessoas físicas podem comprar.
O mercado voluntário é o que funciona no Brasil hoje, porém com uma brilhante exceção: o RenovaBio. Lançado pelo Ministério de Minas e Energia em 2017 e implementado de fato no final de 2019, o projeto estabelece metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, incentivando o aumento dos biocombustíveis na nossa matriz de transporte.
Os créditos, chamados CBIOs, são emitidos pelos produtores de biocombustíveis e adquiridos na B3 por distribuidoras que têm metas individuais estabelecidas pelo programa. Outros interessados também podem comprar os créditos para avançar em sua agenda ESG, embora não sejam obrigados a isso.
Cada CBIO equivale a uma tonelada de carbono cuja emissão para atmosfera foi evitada. Em 2020, foram emitidos 18.508.636 CBIOs, dos quais 14.896.273 foram negociados na B3 a um preço médio de R$ 43,66/CBIO, segundo dados do governo federal. Em 19 de janeiro último, o MME definiu a meta para 2021: deverão ser comercializados 24,86 milhões de CBIOs no país.
Em matéria de biocombustíveis, o Brasil é uma referência mundial. Quase 20% da nossa matriz de transporte é renovável, e esse percentual só tende a aumentar. Praticamente todos os carros produzidos aqui são flex. E nossa gasolina é a “menos suja” do mundo graças à adição de 27% de etanol anidro. Essa mistura proporciona uma redução de 15% nas emissões de CO2eq por km rodado em relação à gasolina pura, de acordo com um estudo da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). Somente um produtor de etanol, a Raízen, evita por ano a emissão de 5,2 milhões de toneladas de carbono.
Se o RenovaBio já é referência mundial para descarbonização do setor de combustíveis, imaginem o potencial que o Brasil terá ao instituir um mercado regulado amplo, com a capacidade que possuímos de reter carbono nas nossas atividades agrícolas e na manutenção das florestas.
O Brasil precisa aprimorar a discussão sobre o PL 528/2021, que tramita no Congresso para instituir o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). É preciso avaliar também que ajustes são necessários no sistema tributário a fim de incentivar a economia de baixo carbono.
Enquanto a regulação não vem, uma medida muito útil para o nosso mercado voluntário seria a criação de uma plataforma confiável para comercialização dos créditos de carbono. Os desafios aqui são os critérios para a certificação desses créditos. O BNDES pode contribuir muito com essa agenda, com regras claras para a certificação de projetos geradores de créditos e para a comercialização.
Com um mercado voluntário bem estruturado e um regulado a ser implementado, além do RenovaBio, estaremos trilhando o caminho necessário para nos tornar a maior potência verde do mundo. Condições para isso já temos, por natureza.
* Luis Henrique Guimarães é presidente da Cosan
Fique por dentro das principais tendências das empresas ESG.Assine a EXAME.