O Rio elegeu um pastor, mas precisa de um prefeito
As eleições municipais de 2016 confirmaram uma nova força política em ascensão no Brasil: os evangélicos. Com a importante vitória no Rio de Janeiro e crescimento sólido de partidos como PRB e PSC, tanto em número de prefeitos quanto de vereadores, a onda evangélica confirma a força vista nas eleições de 2014, quando elegeram número […]
Publicado em 2 de novembro de 2016 às, 07h49.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h47.
As eleições municipais de 2016 confirmaram uma nova força política em ascensão no Brasil: os evangélicos. Com a importante vitória no Rio de Janeiro e crescimento sólido de partidos como PRB e PSC, tanto em número de prefeitos quanto de vereadores, a onda evangélica confirma a força vista nas eleições de 2014, quando elegeram número recorde de deputados federais. Com Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, o PRB e a Igreja Universal têm a primeira chance de mostrar resultados políticos no comando do Executivo em uma grande cidade. Também terão o enorme desafio de conciliar a influência da igreja com pragmatismo político.
Em 2018 a tendência é que as urnas confirmem o que ocorre hoje 2016: pulverização do sistema político, avanço do centro-direita, enfraquecimento do PT e da esquerda e evangélicos em ascensão. PMDB e PSDB devem ser os protagonistas do pleito federal, amparados por partidos da centro-direita que, fortalecidos por seus crescimentos municipais, elegerão bancadas expressivas de deputados federais, tão dependentes de prefeituras engajadas. A balança do poder se deslocou para a centro-direita.
O conservador e evangélico PRB aumentou em quase um terço o seu tamanho. Tinham 79 prefeitos em 2012 e elegeu 105 neste ciclo eleitoral. Nas Câmaras Municipais também demonstrou força, passando de 1.174 vereadores para 1.617. Em 2008 eram apenas 780 vereadores. O também evangélico PSC cresceu da mesma forma, mesmo que de forma mais modesta. Eram 1.431 vereadores e 82 prefeitos nas eleições municipais de 2012. Hoje são 1.525 vereadores e 87 prefeitos. A ascensão evangélica na política acompanha o crescimento evangélico no país. No censo de 2000, eram 26 milhões os brasileiros que se declaravam evangélicos. Em dez anos esse número saltou para 42 milhões, ou 22.2% da população.
A vitória mais expressiva dos evangélicos, sem dúvida alguma, foi a de Marcelo Crivella (PRB) no Rio de Janeiro. Ainda que beneficiado por variáveis externas que não se replicaram, por exemplo, com Celso Russomano em São Paulo, como a péssima escolha de Eduardo Paes e o embate direto com um candidato de esquerda em um momento em que esse discurso está em queda livre, Crivella terá a oportunidade única de apresentar seu cartão de visitas e fortalecer a ascendente bancada evangélica.
Será a primeira vez que um político evangélico comandará uma grande cidade brasileira. Mais importante ainda é o fato de que não se trata de um fato isolado. Em 2014, a bancada evangélica no Congresso Nacional teve crescimento expressivo, elegendo um número recorde de parlamentares. Eram 32 em 2006, 70 em 2010 e 75 em 2014. É importante mencionar que a bancada emplacou, ainda que brevemente, a presidência da Câmara, com o ex-deputado Eduardo Cunha.
Crivella entendeu que para ganhar a sonhada prefeitura do Rio seria preciso extrapolar o PRB, a Igreja Universal e o mundo evangélico. Sua mensagem repercutiu bem em diferentes grupos evangélicos e também com católicos. Teve o apoio, por exemplo, de Silas Malafaia, da Assembleia de Deus. Entendeu a força do seu conservadorismo em um ambiente de crise e do enfraquecimento do pensamento de esquerda. Foi pragmático. Assim como foi em 2010 em sua vitória ao Senado, quando pegou leve em algumas opiniões superconservadoras. Já em 2008, quando muitas vezes disparou opiniões polêmicas, ficou pelo meio do caminho.
Seria ingenuidade achar que a Igreja Universal e suas grandes lideranças, como o bispo Edir Macedo, não irão influenciar Crivella e a direção geral de seu governo. Claro que vão. Afinal, a existência do PRB é fruto da Igreja. Está claro que buscam expansão. Seu crescimento e projeto de poder dependem, acima de tudo, de resultados práticos, principalmente na economia e nos serviços do Estado. Não adianta nada se escorarem apenas em valores tradicionais da família. Seria literalmente pregar para convertidos. O crescimento do PRB passa por uma administração Crivella fiscalmente equilibrada, sem grandes polêmicas sociais, priorizando políticas públicas de impacto. A narrativa conservadora e tradicional pode até repercutir bem entre muitos eleitores, mas o fortalecimento do PRB depende de Crivella ser um bom prefeito, e não um bom bispo.
Nossas eleições, há décadas, mostram um eleitorado pragmático. No campo presidencial elegemos e reelegemos um doutor em sociologia formado pela Sorbonne baseado em resultados obtidos com o Plano Real. Elegemos e reelegemos um líder sindical pelos seus avanços no campo social e sólidos resultados econômicos. Em poucos meses alteramos a balança de poder no País.
Primeiro com um impeachment e depois com a confirmação desta nova mentalidade nas urnas, com as eleições municipais destroçando o PT e a esquerda. Mais uma vez a prova de que somos impiedosos com maus resultados econômicos e dispostos a mexer prontamente na porta giratória do poder. Narrativas de esperança são fortes e geram comoção no eleitorado. Mas sozinhas não carregam expansões partidárias ou projetos de poder. Sem resultados viram promessas vazias de uma classe política desprestigiada e de partidos pouco representativos.
Caso o movimento evangélico e o PRB queiram continuar sendo um partido médio, influente e coadjuvante, misturarão excessivamente política e religião. Se o objetivo for avançar e virar um protagonista nacional, precisarão ser pragmáticos. O sucesso passa por entender que o eleitorado brasileiro, seja ele evangélico, católico, escolarizado ou não, urbano ou rural, não se prende muito a partidos, ideologias ou narrativas, e sim a resultados.