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A solução é mais política, e não menos

Pesquisa feita em 2016 pela organização GfK Verein mediu a reputação dos políticos pelo mundo. Empatamos com França e Espanha na última colocação, com apenas 6% dos brasileiros afirmando que confiam em seus políticos. A baixíssima credibilidade de nossos políticos também é compartilhada em outros países, alguns de primeiro mundo. Políticos contam com apoio de […]

OS SENADORES RENAN CALHEIROS E ROMERO JUCÁ: os partidos são as “categorias de base” para nossos cargos eletivos. Precisamos cultivá-los para que a tão esperada renovação política aconteça / Andressa Anholete/AFP/AFP
OS SENADORES RENAN CALHEIROS E ROMERO JUCÁ: os partidos são as “categorias de base” para nossos cargos eletivos. Precisamos cultivá-los para que a tão esperada renovação política aconteça / Andressa Anholete/AFP/AFP
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Lucas de Aragão

Publicado em 22 de fevereiro de 2017 às, 11h21.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h38.

Pesquisa feita em 2016 pela organização GfK Verein mediu a reputação dos políticos pelo mundo. Empatamos com França e Espanha na última colocação, com apenas 6% dos brasileiros afirmando que confiam em seus políticos. A baixíssima credibilidade de nossos políticos também é compartilhada em outros países, alguns de primeiro mundo. Políticos contam com apoio de somente 12% entre os japoneses e de 14% entre os alemães.

Em 2015 o Datafolha mostrou que 71% dos brasileiros não têm partido de preferência. É o maior percentual da série, iniciada em 1989. Em 2014, o mesmo instituto de pesquisa mostrou que o Congresso Nacional e os partidos políticos são as duas instituições menos confiáveis, de acordo com os brasileiros.

São espantosos o descaso do mundo político para com o cidadão e a falta de conexão entre um e outro. É igualmente assustador o desinteresse do cidadão pela coisa política. Cada vez mais vemos gente orgulhosamente bradando que despreza todos os partidos políticos. São bonitos o patriotismo, o senso cívico e a repulsa à corrupção, esta que, finalmente, está dando as caras por aí na temática do cotidiano.

Em 2015, segundo nós próprios e o Datafolha, pela primeira vez a corrupção foi considerada o principal problema do país. No entanto, o fortalecimento das instituições, inclusive dos partidos políticos, é igualmente interessante para o despertar político de um país. Afinal, são os partidos que conectam cidadãos com pensamentos semelhantes. Através deles conseguimos identificar e fortalecer correntes prevalecentes na sociedade para que, posteriormente, o embate eleitoral decida quais ideais merecem ser transformados em políticas públicas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, existe posicionamento partidário. Em níveis local e estadual, a força partidária é ainda maior e mais clara. Existem estados conservadores que há décadas são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o aborto. Já outros, escolhem de maneira previsível candidatos mais liberais. Em eleições presidenciais tem-se maior alternância e menos previsibilidade por conta de algumas variáveis, especialmente o ambiente econômico, o posicionamento dos eleitores independentes (cerca de 38% do total) e o cansaço natural com o statu quo. Apesar da insatisfação do americano médio com a política, ilustrada pela vitória do outsider Donald Trump, a força do partido, o embate de ideologias e o posicionamento em assuntos controversos existem.

Sim, vivemos em um país completamente diferente dos Estados Unidos. Economia e empregos podem até ser pautas compartilhadas em ambas as eleições, mas ainda discutimos a economia do dia a dia, o combate à fome, a capacidade de pagar as prestações da geladeira. Ainda não estamos no nível de serviço público para discussões densas, política e eleitoralmente interessantes, sobre temas que não sejam urgentes.

Posicionamentos firmes sobre assuntos não tão claros, ou que não são de vida ou morte, assustam e afastam o eleitor. Quem se lembra do senador Aécio Neves anunciando o brilhante Armínio Fraga como ministro da Fazenda? Ou de Marina Silva anunciando em rede nacional que daria autonomia total e funcional ao Banco Central? Apesar de corretas, ambas são medidas que trazem mais dúvidas que certezas ao eleitor médio.

A imensa dificuldade de levar o eleitor para um debate aprofundado estraçalha a motivação dos partidos em se posicionarem, como fizeram Aécio e Marina. Quem é que consegue cravar as diferenças ideológicas entre PHS, PSL e PTN? Ou defender a necessidade de se criar novas legendas, como o Partido Pirata, a Ação Libertadora Nacional ou o Partido Humanista, atualmente coletando assinaturas para dar entrada no Tribunal Superior Eleitoral?

Partidos, infelizmente, viraram apenas bons negócios. O eleitorado sabe e continua, ciclo após ciclo, apostando no sebastianismo e votando de maneira personalista. Perde o país, que joga fora a imensa chance de fortalecer seus canais de diálogo; perde o eleitor, carente de representatividade; e perdem os políticos, cada vez mais descartáveis por conta de seu comportamento distante. A imprensa também tem sua parcela de culpa, pois demoniza toda e qualquer atitude política.

Ganha quem consegue se descolar da política e comunicar-se de maneira minimamente eficaz com o eleitor, cada vez mais independente, como o recém-empossado prefeito de São Paulo, João Doria. Em seus primeiros dois meses no cargo, conseguiu passar a imagem de trabalhador e responsável. Doria sabe que botões apertar para ganhar as manchetes e encantar os eleitores. Acorda cedo, grava vídeos, viaja para conversar com investidores e com frequência critica o ex-presidente Lula e o PT. No Bom Dia São Paulo, há poucos dias, fez algo impensável: admitiu que a Prefeitura falhou na organização dos blocos de rua e pediu desculpas!

Ainda estamos nos primeiros capítulos da democracia brasileira. É inegável que nas últimas décadas tivemos inúmeros avanços econômicos, políticos, sociais e jurídicos, como o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, melhorias no ambiente de negócios, avanços sociais estatisticamente comprovados por IDH e pelo Coeficiente de Gini, reservas internacionais de primeiro mundo, a Operação Lava-Jato e o teto de gastos recém-aprovado pelo Congresso Nacional. Entretanto, não podemos ficar à mercê de votos personalistas que, por sorte ou azar, acabam por eleger gênios ou bandidos. Os partidos são as “categorias de base” para nossos cargos eletivos. Precisamos cultivá-los para que a tão esperada renovação política aconteça.

Demorará décadas, talvez mais, mas um esforço conjunto precisa ser feito em direção a essa reforma, a fim de que, um dia, tenhamos poucos e bons partidos que representem a sociedade, bons e jovens talentos, com vontade de entrar na política sem medo de manchetes apressadas e irresponsáveis, e canais de diálogo modernos que ajudem na oxigenação de nomes e ideias. Além de um entendimento geral de que, mesmo imperfeitas, as soluções no Brasil sempre acontecerão através de meios-termos e muita política.

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