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A Lava-Jato e suas sete variáveis

O juiz federal Sergio Moro, responsável pela condução da Operação Lava-Jato, alterou profundamente a forma de se investigar e punir a corrupção no Brasil. Vários fatores criaram uma tempestade perfeita contra essa prática quase cultural da política nacional. Primeiro, Moro se utilizou de técnicas nunca antes utilizadas no Brasil no combate à corrupção, mas já […]

SERGIO MORO: o juiz sabe que precisará usar de artimanhas, pois o jogo nem sempre será limpo / Heitor Feitosa / Veja.com (Heitor Feitosa/VEJA)
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Da Redação

Publicado em 26 de abril de 2017 às 12h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

O juiz federal Sergio Moro, responsável pela condução da Operação Lava-Jato, alterou profundamente a forma de se investigar e punir a corrupção no Brasil. Vários fatores criaram uma tempestade perfeita contra essa prática quase cultural da política nacional.

Primeiro, Moro se utilizou de técnicas nunca antes utilizadas no Brasil no combate à corrupção, mas já disseminadas em outros países, como rastrear o caminho do dinheiro ilícito. Estudou e aprendeu a usar tais ferramentas em cursos no exterior. Também teve contato direto com o mundo político-criminoso em outras operações, como a Castelo de Areia, que se esfacelou por problemas processuais. Moro e sua equipe são independentes, autônomos e modernos.

Segundo, Moro teve uma postura nunca antes vista por um juiz de primeira instância. Agigantou-se. Muitas vezes lançou mão de técnicas pouco convencionais e que flertavam com a fronteira do legal, como as conduções coercitivas sem prévio convite recusado. Nas palavras de um antigo ministro do Supremo Tribunal Federal que consultei, “Moro pisa muito perto na linha do que pode ou do que não pode, do constitucional e do inconstitucional, mas muito raramente comete erros que poderiam pôr em xeque a operação”.

Sergio Moro sabe que a disputa contra a corrupção no Brasil é jogo de Série C do Campeonato Gaúcho, não Champions League. Ou seja, precisará usar de artimanhas, pois o jogo nem sempre será limpo.

Terceiro, o establishment político ficou absolutamente incapaz de proteger o empresário. Explico: durante décadas existiu conluio entre as empresas e o poder. Quando eram pegos, os empresários preferiam ficar quietos, pois o establishment tinha influência infinita em órgãos como a Polícia Federal e os Tribunais Superiores. Entre admitir a culpa e acreditar que o mundo político os protegeria, os empresários escolhiam a segunda opção.

O mundo político ainda tem, sim, muita influência sobre instituições investigativas e punitivas, mas quem mora em Brasília sabe que a Polícia Federal de hoje, descentralizada, jovem, tecnológica, estudiosa e dedicada, tem muito mais autonomia que anos atrás.

Quarto, a lei que regulamentou as delações mudou o jogo. Ironicamente, foi sancionada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Garantiu direitos e abriu ótimas oportunidades para quem resolvesse abrir a boca. Juntando essa variável com a anterior, tivemos uma explosão no número de delações. Tem preso querendo até contar o que sabe sobre o Mensalão!

Quinto, o compliance global obrigou nossas grandes empresas a apostar em transparências de primeiro mundo em um país com corrupção de terceiro. A Operação Lava-Jato começou em um posto de gasolina em Brasília, mas também, ainda no início, uma investigação da Security Exchanges Commission (SEC), a CVM americana, na Petrobras, mostrou que o mundo estava de olho. O Brasil e suas grandes empresas, com ações em bolsas estrangeiras e projetos internacionais, precisaram se adequar ao compliance desses países. Com isso, foram abertas brechas para inúmeras investigações e colaborações internacionais.

Sexto, a crise econômica. Ela gerou mais de 10 milhões de desempregados, dizimou o poder de consumo da classe média, tirou a confiança do consumidor, do empresário e do investidor, entre tantos outros males. Sim, já tivemos outras crises, mas essa foi diferente. Primeiro, foi muito, muito grande. Segundo, ocorreu durante a maior exposição de corrupção da história do Brasil. Não à toa o Datafolha, que há anos busca identificar os problemas com os quais os brasileiros mais se importam, mediu que a corrupção, há anos longe do top 5, lidera o ranking desde o início das investigações da Lava-Jato. Isso empoderou Moro e o Ministério Público, jogando ainda mais na lama a reputação do mundo político.

A sétima (sempre esse número aterrorizando os brasileiros) e última variável é simples. E provavelmente é a mais triste. O Brasil cresceu bastante nos últimos anos, e a corrupção também. Perderam a mão. O setor de propina da Odebrecht, de dezenas de bilhões de reais, seria maior que o PIB de muitos países por aí. A corrupção, que sempre existiu, além de ter crescido exponencialmente, também se deparou com seu maior desafio, explanado nas seis variáveis anteriores. Deu no que deu.

A Operação Lava-Jato, mesmo com seu messianismo, seu tenentismo e seu ativismo judicial, é boa, muito boa para o Brasil. Mas não podemos aceitar exageros. Proteger a Lava-Jato, mas também criticá-la quando necessário, é dever cívico. Ela é como um filho que tem tudo para mudar para melhor o nosso futuro.

Estou muito confiante nas consequências estruturais positivas dessa operação para o Brasil. Não significa que conseguiremos exterminar a corrupção, mas, sem dúvida, nada será como antes. A Lava-Jato mudará, mesmo que à força, a cabeça do eleitor, o comportamento do político, a relação entre o público e o privado, as estruturas partidárias. Mudará, principalmente – e vejo isso todo dia ao conversar com empresas e investidores estrangeiros –, a mentalidade do mundo sobre o Brasil. Eles estão verdadeiramente confiantes de que o Brasil pós-Lava-Jato será inúmeras vezes mais transparente, justo e ético com empresas de fora.

lucas-de-aragao-ficha-

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O juiz federal Sergio Moro, responsável pela condução da Operação Lava-Jato, alterou profundamente a forma de se investigar e punir a corrupção no Brasil. Vários fatores criaram uma tempestade perfeita contra essa prática quase cultural da política nacional.

Primeiro, Moro se utilizou de técnicas nunca antes utilizadas no Brasil no combate à corrupção, mas já disseminadas em outros países, como rastrear o caminho do dinheiro ilícito. Estudou e aprendeu a usar tais ferramentas em cursos no exterior. Também teve contato direto com o mundo político-criminoso em outras operações, como a Castelo de Areia, que se esfacelou por problemas processuais. Moro e sua equipe são independentes, autônomos e modernos.

Segundo, Moro teve uma postura nunca antes vista por um juiz de primeira instância. Agigantou-se. Muitas vezes lançou mão de técnicas pouco convencionais e que flertavam com a fronteira do legal, como as conduções coercitivas sem prévio convite recusado. Nas palavras de um antigo ministro do Supremo Tribunal Federal que consultei, “Moro pisa muito perto na linha do que pode ou do que não pode, do constitucional e do inconstitucional, mas muito raramente comete erros que poderiam pôr em xeque a operação”.

Sergio Moro sabe que a disputa contra a corrupção no Brasil é jogo de Série C do Campeonato Gaúcho, não Champions League. Ou seja, precisará usar de artimanhas, pois o jogo nem sempre será limpo.

Terceiro, o establishment político ficou absolutamente incapaz de proteger o empresário. Explico: durante décadas existiu conluio entre as empresas e o poder. Quando eram pegos, os empresários preferiam ficar quietos, pois o establishment tinha influência infinita em órgãos como a Polícia Federal e os Tribunais Superiores. Entre admitir a culpa e acreditar que o mundo político os protegeria, os empresários escolhiam a segunda opção.

O mundo político ainda tem, sim, muita influência sobre instituições investigativas e punitivas, mas quem mora em Brasília sabe que a Polícia Federal de hoje, descentralizada, jovem, tecnológica, estudiosa e dedicada, tem muito mais autonomia que anos atrás.

Quarto, a lei que regulamentou as delações mudou o jogo. Ironicamente, foi sancionada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Garantiu direitos e abriu ótimas oportunidades para quem resolvesse abrir a boca. Juntando essa variável com a anterior, tivemos uma explosão no número de delações. Tem preso querendo até contar o que sabe sobre o Mensalão!

Quinto, o compliance global obrigou nossas grandes empresas a apostar em transparências de primeiro mundo em um país com corrupção de terceiro. A Operação Lava-Jato começou em um posto de gasolina em Brasília, mas também, ainda no início, uma investigação da Security Exchanges Commission (SEC), a CVM americana, na Petrobras, mostrou que o mundo estava de olho. O Brasil e suas grandes empresas, com ações em bolsas estrangeiras e projetos internacionais, precisaram se adequar ao compliance desses países. Com isso, foram abertas brechas para inúmeras investigações e colaborações internacionais.

Sexto, a crise econômica. Ela gerou mais de 10 milhões de desempregados, dizimou o poder de consumo da classe média, tirou a confiança do consumidor, do empresário e do investidor, entre tantos outros males. Sim, já tivemos outras crises, mas essa foi diferente. Primeiro, foi muito, muito grande. Segundo, ocorreu durante a maior exposição de corrupção da história do Brasil. Não à toa o Datafolha, que há anos busca identificar os problemas com os quais os brasileiros mais se importam, mediu que a corrupção, há anos longe do top 5, lidera o ranking desde o início das investigações da Lava-Jato. Isso empoderou Moro e o Ministério Público, jogando ainda mais na lama a reputação do mundo político.

A sétima (sempre esse número aterrorizando os brasileiros) e última variável é simples. E provavelmente é a mais triste. O Brasil cresceu bastante nos últimos anos, e a corrupção também. Perderam a mão. O setor de propina da Odebrecht, de dezenas de bilhões de reais, seria maior que o PIB de muitos países por aí. A corrupção, que sempre existiu, além de ter crescido exponencialmente, também se deparou com seu maior desafio, explanado nas seis variáveis anteriores. Deu no que deu.

A Operação Lava-Jato, mesmo com seu messianismo, seu tenentismo e seu ativismo judicial, é boa, muito boa para o Brasil. Mas não podemos aceitar exageros. Proteger a Lava-Jato, mas também criticá-la quando necessário, é dever cívico. Ela é como um filho que tem tudo para mudar para melhor o nosso futuro.

Estou muito confiante nas consequências estruturais positivas dessa operação para o Brasil. Não significa que conseguiremos exterminar a corrupção, mas, sem dúvida, nada será como antes. A Lava-Jato mudará, mesmo que à força, a cabeça do eleitor, o comportamento do político, a relação entre o público e o privado, as estruturas partidárias. Mudará, principalmente – e vejo isso todo dia ao conversar com empresas e investidores estrangeiros –, a mentalidade do mundo sobre o Brasil. Eles estão verdadeiramente confiantes de que o Brasil pós-Lava-Jato será inúmeras vezes mais transparente, justo e ético com empresas de fora.

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