Inteligência Artificial: da abundância de dados à ausência de sentidos
Os desafios que se desenham para as empresas, se observarmos este amplo processo num recorte mais restrito, carregam consigo lógica similar
Da Redação
Publicado em 2 de dezembro de 2021 às 20h06.
Por: José Borbolla
O que originalmente chamamos de "internet" lá nos idos dos noventa do século passado, hoje apresenta magnitude e protagonismo imensuráveis e indissociáveis da vida da(o) cidadã(o) média(a) do século XXI, estando presente por todos os lados e em todos os instantes do seu dia. Sim, a tal "Era dos Dados" ou da "Inteligência Artificial" é um fenômenos que tem laços compartilhados com todos estes avanços tecnológicos atuais. Para que possamos ampliar nossa compreensão acerca de seus desafios, parece ser importante conhecer melhor suas origens e sua natureza.
Ainda que o buzz tenha tomado grandes proporções nos últimos anos, falar sobre "dados" ou "inteligência artificial" é olhar para o passado das sociedades humanas. De um lado, quando analisamos o volume de informações, podemos resgatar antigas raízes que avançam por milhares de anos no passado da nossa espécie - da invenção da escrita aos avanços nas tecnologias de comunicação, com o exemplo mais simbólico sendo a prensa mecânica de tipos móveis (e todos os seus efeitos ampla e profundamente transformadores já a partir do início do século XVI, que ecoam até hoje).
De outro lado, temos um desdobramento mais recente, das décadas de 60 e 70 do século XX, que é quando tem início o processo de digitalização de informações por empresas. A década de 80 assistiu ao crescimento vertiginoso da computação pessoal e a década seguinte, o nascimento da internet como a conhecemos, revelando um profundo, global e também acelerado processo de conexão por meio de redes de comunicação.
É justamente a combinação destes elementos e sua rápida evolução que criam as "condições de solo" ideais para que conceitos teóricos um tanto antigos (como a ideia de "inteligência artificial", publicada pela primeira vez em 1956), deixassem as bancadas acadêmicas e ganhassem os holofotes neste início de século XXI.
Para entender o “fenômeno dos dados” e todas as consequências que isso tem para nossa sociedade, é fundamental olhá-lo como consequência direta do processo acelerado de evolução tecnológica das últimas décadas. Na prática, estes dois aspectos - a evolução tecnológica e a revolução dos dados - se retroalimentam e se impulsionam mutuamente.
A ideia de partir desta perspectiva mais sociológica e informacional, ainda que não seja uma novidade, parece ser importante para compreendermos a natureza peculiar da realidade da nossa época. Ao observarmos os impactos profundos e mudanças estruturais causadas por novas tecnologias de comunicação ao longo do tempo, e compararmos com o que vivemos hoje com internet e 5G, fica evidente que este novo ecossistema que conecta e digitaliza tudo o que pessoas, objetivos, dispositivos, empresas e demais instituições produzem traz consigo novos fenômenos, como o fim da privacidade e as implicações éticas do avanço da IA, para citar dois exemplos, para os quais ainda não dispomos sequer de teoria - e muito menos de experiência prática -para compreender, descrever e lidar.
Os desafios que se desenham para as empresas, se observarmos este amplo processo num recorte mais restrito, carregam consigo lógica similar. Em um mundo que muda cada vez mais rápido, a capacidade de adaptação das companhias parece se tornar elemento indispensável para se manterem relevantes, lucrativas e, em última instância, vivas.
Dados publicados na Harvard Business Review em 2019, por exemplo, mostram que apenas 8% das companhias estavam tendo sucesso no processo de transformação demandado para que todo o potencial das técnicas e métodos englobados pelo conceito de "Inteligência Artificial" pudessem florescer e produzir resultados tangíveis.
A situação parece ser bastante complexa, uma vez que, diferente de outros momentos recentes em que novas tecnologias emergiram, no caso dos desafios típicos desta nossa "Era dos Dados" não basta adquirir a ferramenta mais recente. "Não é sobre tecnologia, é sobre cultura", afirma o subtítulo da matéria de capa da mesma edição da Harvard Business Review.
Abordagens tradicionais, portanto, parecem ser limitadas em suas capacidades de nos oferecer soluções para este novo contexto no qual estamos inseridos, em especial nos temas que vem se mostrando os mais cruciais para o sucesso neste processo atual de adaptação aos avanços tecnológicos, com destaque àqueles relacionados a Dados, que demandam mudanças organizacionais e culturais importantes para que as "condições de solo" permitam o florescimento de um novo processo decisório capaz de gerar frutos tangíveis para a companhia.
Imaginar que podemos seguir fazendo as coisas da mesma maneira que estamos acostumados historicamente, e que o simples acoplamento de tecnologias mais recentes a estas práticas bastaria para que o nosso "modelo mental tradicional" produza resultados distintos é, pra dizer o mínimo, inocente, talvez fruto de algum tipo de "conforto cognitivo" (nosso cérebro gosta do que ele já conhece e lhe é familiar).
O que a experiência empírica das últimas duas décadas sugere, por outro lado, é que empresas que se dispõem a abraçar tais mudanças, criando melhores condições e processos para transformar dados em conhecimento e melhores decisões, são as que parecem possuir mais vantagens e melhor performance.
Estes diferenciais competitivos não estariam estritamente correlacionados com a simples disponibilidade das ferramentas mais novas, mas sim com diferentes desenhos organizacionais, culturais e visões sobre liderança que superariam o tradicional paradigma de estrutura piramidal e vertical, rica em silos super especializados, criando ecossistemas internos com maiores níveis de transversalização, isto é, com novos caminhos para a informação circular e ser consumida.
Aqui a perspectiva informacional se revela importantíssima e joga luz sobre a natureza dos desafios que são colocado às corporações do século XXI: enquanto a estrutura organizacional tradicional parece ter sido eficiente na últimas seis ou sete décadas, hoje, em um contexto tecnológico radicalmente distinto, ela impõe limites aos padrões e velocidades de circulação de dados e informações, além de determinar e delimitar a maneira como serão traduzidos e utilizados pelas diferentes áreas de negócio.
A ideia inocente e utópica de que existe uma relação linear entre quantidade de dados disponível e qualidade de decisão já foi derrubada há bastante tempo em diversas disciplinas e áreas do conhecimento, mas parece resistir com alguma bravura dentro dos muros corporativos.
Como a própria internet já nos revelou, de meados dos anos 90 do século passado até aqui, o simples acesso à uma quantidade "infinita" de informação não implica em uma melhora na capacidade crítica e decisória por parte das pessoas. Ao ignorarmos os aprendizados com esta imensa experiência empírica recente e seus efeitos complexos e perigosos, estamos transportando os mesmos riscos para nossos negócios e ambientes empresariais.
Se há algo que a nossa época já deixou claro é que a abundância informacional não produz indivíduos mais racionais, que atingem consensos de maneira mais rápida e eficiente. Quanto mais dados produzimos, mais desafiador se torna extrair sentido e encontrar nexo.
Parafraseando o artigo da Harvard Business Review que mencionei acima, não é sobre tecnologia ou ferramenta. É sobre pessoas. São elas que escolhem as fontes de informação, os modelos matemáticos, elaboram perguntas e hipóteses, aplicam técnicas estatísticas, analisam dados e lhe conferem sentido. São as pessoas que traduzem estes aprendizados em decisões de negócio, definem conceitos como "eficiência" e "produtividade", e escolhem quais métricas ou indicadores devem ser acompanhados para entender se as estratégias caminham bem e na direção certa. Tudo isso precisará ser revisto, redesenhado e adaptado se você, ou a sua empresa, quiser ser bem sucedido nesta reta final de 2021 e nos anos e décadas vindouras.
Por: José Borbolla
O que originalmente chamamos de "internet" lá nos idos dos noventa do século passado, hoje apresenta magnitude e protagonismo imensuráveis e indissociáveis da vida da(o) cidadã(o) média(a) do século XXI, estando presente por todos os lados e em todos os instantes do seu dia. Sim, a tal "Era dos Dados" ou da "Inteligência Artificial" é um fenômenos que tem laços compartilhados com todos estes avanços tecnológicos atuais. Para que possamos ampliar nossa compreensão acerca de seus desafios, parece ser importante conhecer melhor suas origens e sua natureza.
Ainda que o buzz tenha tomado grandes proporções nos últimos anos, falar sobre "dados" ou "inteligência artificial" é olhar para o passado das sociedades humanas. De um lado, quando analisamos o volume de informações, podemos resgatar antigas raízes que avançam por milhares de anos no passado da nossa espécie - da invenção da escrita aos avanços nas tecnologias de comunicação, com o exemplo mais simbólico sendo a prensa mecânica de tipos móveis (e todos os seus efeitos ampla e profundamente transformadores já a partir do início do século XVI, que ecoam até hoje).
De outro lado, temos um desdobramento mais recente, das décadas de 60 e 70 do século XX, que é quando tem início o processo de digitalização de informações por empresas. A década de 80 assistiu ao crescimento vertiginoso da computação pessoal e a década seguinte, o nascimento da internet como a conhecemos, revelando um profundo, global e também acelerado processo de conexão por meio de redes de comunicação.
É justamente a combinação destes elementos e sua rápida evolução que criam as "condições de solo" ideais para que conceitos teóricos um tanto antigos (como a ideia de "inteligência artificial", publicada pela primeira vez em 1956), deixassem as bancadas acadêmicas e ganhassem os holofotes neste início de século XXI.
Para entender o “fenômeno dos dados” e todas as consequências que isso tem para nossa sociedade, é fundamental olhá-lo como consequência direta do processo acelerado de evolução tecnológica das últimas décadas. Na prática, estes dois aspectos - a evolução tecnológica e a revolução dos dados - se retroalimentam e se impulsionam mutuamente.
A ideia de partir desta perspectiva mais sociológica e informacional, ainda que não seja uma novidade, parece ser importante para compreendermos a natureza peculiar da realidade da nossa época. Ao observarmos os impactos profundos e mudanças estruturais causadas por novas tecnologias de comunicação ao longo do tempo, e compararmos com o que vivemos hoje com internet e 5G, fica evidente que este novo ecossistema que conecta e digitaliza tudo o que pessoas, objetivos, dispositivos, empresas e demais instituições produzem traz consigo novos fenômenos, como o fim da privacidade e as implicações éticas do avanço da IA, para citar dois exemplos, para os quais ainda não dispomos sequer de teoria - e muito menos de experiência prática -para compreender, descrever e lidar.
Os desafios que se desenham para as empresas, se observarmos este amplo processo num recorte mais restrito, carregam consigo lógica similar. Em um mundo que muda cada vez mais rápido, a capacidade de adaptação das companhias parece se tornar elemento indispensável para se manterem relevantes, lucrativas e, em última instância, vivas.
Dados publicados na Harvard Business Review em 2019, por exemplo, mostram que apenas 8% das companhias estavam tendo sucesso no processo de transformação demandado para que todo o potencial das técnicas e métodos englobados pelo conceito de "Inteligência Artificial" pudessem florescer e produzir resultados tangíveis.
A situação parece ser bastante complexa, uma vez que, diferente de outros momentos recentes em que novas tecnologias emergiram, no caso dos desafios típicos desta nossa "Era dos Dados" não basta adquirir a ferramenta mais recente. "Não é sobre tecnologia, é sobre cultura", afirma o subtítulo da matéria de capa da mesma edição da Harvard Business Review.
Abordagens tradicionais, portanto, parecem ser limitadas em suas capacidades de nos oferecer soluções para este novo contexto no qual estamos inseridos, em especial nos temas que vem se mostrando os mais cruciais para o sucesso neste processo atual de adaptação aos avanços tecnológicos, com destaque àqueles relacionados a Dados, que demandam mudanças organizacionais e culturais importantes para que as "condições de solo" permitam o florescimento de um novo processo decisório capaz de gerar frutos tangíveis para a companhia.
Imaginar que podemos seguir fazendo as coisas da mesma maneira que estamos acostumados historicamente, e que o simples acoplamento de tecnologias mais recentes a estas práticas bastaria para que o nosso "modelo mental tradicional" produza resultados distintos é, pra dizer o mínimo, inocente, talvez fruto de algum tipo de "conforto cognitivo" (nosso cérebro gosta do que ele já conhece e lhe é familiar).
O que a experiência empírica das últimas duas décadas sugere, por outro lado, é que empresas que se dispõem a abraçar tais mudanças, criando melhores condições e processos para transformar dados em conhecimento e melhores decisões, são as que parecem possuir mais vantagens e melhor performance.
Estes diferenciais competitivos não estariam estritamente correlacionados com a simples disponibilidade das ferramentas mais novas, mas sim com diferentes desenhos organizacionais, culturais e visões sobre liderança que superariam o tradicional paradigma de estrutura piramidal e vertical, rica em silos super especializados, criando ecossistemas internos com maiores níveis de transversalização, isto é, com novos caminhos para a informação circular e ser consumida.
Aqui a perspectiva informacional se revela importantíssima e joga luz sobre a natureza dos desafios que são colocado às corporações do século XXI: enquanto a estrutura organizacional tradicional parece ter sido eficiente na últimas seis ou sete décadas, hoje, em um contexto tecnológico radicalmente distinto, ela impõe limites aos padrões e velocidades de circulação de dados e informações, além de determinar e delimitar a maneira como serão traduzidos e utilizados pelas diferentes áreas de negócio.
A ideia inocente e utópica de que existe uma relação linear entre quantidade de dados disponível e qualidade de decisão já foi derrubada há bastante tempo em diversas disciplinas e áreas do conhecimento, mas parece resistir com alguma bravura dentro dos muros corporativos.
Como a própria internet já nos revelou, de meados dos anos 90 do século passado até aqui, o simples acesso à uma quantidade "infinita" de informação não implica em uma melhora na capacidade crítica e decisória por parte das pessoas. Ao ignorarmos os aprendizados com esta imensa experiência empírica recente e seus efeitos complexos e perigosos, estamos transportando os mesmos riscos para nossos negócios e ambientes empresariais.
Se há algo que a nossa época já deixou claro é que a abundância informacional não produz indivíduos mais racionais, que atingem consensos de maneira mais rápida e eficiente. Quanto mais dados produzimos, mais desafiador se torna extrair sentido e encontrar nexo.
Parafraseando o artigo da Harvard Business Review que mencionei acima, não é sobre tecnologia ou ferramenta. É sobre pessoas. São elas que escolhem as fontes de informação, os modelos matemáticos, elaboram perguntas e hipóteses, aplicam técnicas estatísticas, analisam dados e lhe conferem sentido. São as pessoas que traduzem estes aprendizados em decisões de negócio, definem conceitos como "eficiência" e "produtividade", e escolhem quais métricas ou indicadores devem ser acompanhados para entender se as estratégias caminham bem e na direção certa. Tudo isso precisará ser revisto, redesenhado e adaptado se você, ou a sua empresa, quiser ser bem sucedido nesta reta final de 2021 e nos anos e décadas vindouras.